Maria-fumaça que faz percurso de São João del-Rei a Tiradentes voltou a funcionar no sábado. Protocolos são salvo-conduto para outros 31 em operação no país
Abril foi um mês especial para o turismo ferroviário no país. Na sexta-feira passada, comemorou-se o Dia do Ferroviário, e, na mesma data, a maria-fumaça que liga São João del-Rei a Tiradentes voltou a operar o trecho. Uma semana antes, em 24 de abril, tinha sido a vez de o Trem das Águas, no Sul de Minas, retomar o percurso entre São Lourenço e Soledade de Minas.
Como esses exemplos mineiros, outras 17 marias-fumaças e locomotivas turísticas espalhadas pelo país retornaram às atividades depois que governos estaduais e administrações municipais flexibilizaram as medidas de restrições contra a propagação da Covid-19, entre elas o Trem do Vinho, no Vale dos Vinhedos (RS), e o trem da Serra do Mar paranaense.
Os trens turísticos nunca estiveram totalmente fora dos trilhos durante a pandemia; as exceções são o Trem da Vale, que conecta Ouro Preto a Mariana, parado desde 20 de março do ano passado, e o Trem do Forró, que só opera durante as festas juninas. Outras duas atrações, o Expresso Turístico Luz, que liga a Estação da Luz a Paranapiacaba, e o Trem de Guararema, pararam temporariamente para manutenção das locomotivas.
Segundo Adonai Aires de Arruda Filho, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos Culturais (Abottc), atualmente são mais de 30 trens turísticos operando no país, mas, por causa da pandemia, não se sabe exatamente o número de composições em circulação, já que alguns estão parados devido às restrições, e outros, sem previsão de volta.
Protocolos
Para poder voltar a circular, esses trens precisaram se adaptar aos protocolos sanitários, entre eles uso obrigatório de máscaras, ocupação de 50% dos assentos, distanciamento no embarque e desembarque, rigorosa higienização de estações e cabines, aferição de temperatura e disponibilização de dispensers de álcool em gel nos vagões.
A maioria das empresas também adaptou a programação e a frequência de passeios para garantir a segurança dos passageiros – boa parte está operando de sexta-feira a domingo. A programação também foi modificada. No Trem do Vinho, por exemplo, não há mais shows, teatro com interação com os viajantes nem parada em Garibaldi para um vinho.
“Desde o começo da pandemia, marcamos poltrona sim, poltrona não. Nos shows, os músicos usam máscara, ficam na frente dos vagões e não chamam mais os passageiros para dançar. Diminuímos também o número de pessoas no coral, de sete para quatro pessoas”, afirma Evandra Stringhini, gerente de operações da Giordani Turismo, que realiza a atração.
Queda
As medidas impactaram o número de viajantes. O volume de passageiros vinha crescendo até 2019, quando foi registrado o recorde de 3 milhões de turistas. Com a pandemia, houve uma queda de 50% do movimento, sem contar os meses em que os trens permaneceram parados. Na última onda de coronavírus, foram 90 dias sem circular.
Mas a queda não se refletiu no preço do bilhete – o tíquete médio está em torno de R$ 90. A venda de ingresso é o que sustenta o setor, que tem, segundo Adonai Filho, custo de manutenção altíssimo. “Uma roda de trem custa R$ 4.000, e o fornecedor exige que você compre no mínimo 20. O turismo ferroviário exige um nível alto de segurança”, exemplifica o executivo.
Inaugurações
Em dezembro, mesmo com a crise de saúde, foi inaugurado pela Serra Verde Express o Trem Republicano, que faz o trajeto de 8 km entre Itu e Salto, passando por cima do rio Tietê, um ícone paulista. O nome do trem é uma homenagem ao episódio de 1873 conhecido como Convenção de Itu, um passo importante para a Proclamação da República, em 1889.
O Republicano, com três classes e 120 lugares, vai de Itu a Salto, no interior de São Paulo. Guias narram a história da Convenção de Itu e seus mentores, entre eles o político e advogado Prudente de Moraes, que batiza um dos três vagões. O passeio pode ser casado com circuito que leva ao Museu Paulista e às fazendas históricas ou ainda com um roteiro de ecoturismo na região.
Em novembro, o Trem Caiçara – um percurso de 15 km entre Morretes e Antonina, na Serra do Mar, no Paraná, foi reativado por iniciativa da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Fabricada em 1884 – ela perde em antiguidade apenas para a de São João del-Rei a Tiradentes (1881) –, a maria-fumaça voltou a operar depois de 30 anos.
Para a lista de efemérides, o Trem Caiçara completou no sábado 129 anos – em 1892 foi inaugurada a ferrovia Dona Isabel, em homenagem à princesa regente, com a centenária locomotiva a vapor Mogul nº 11, fabricada pela Baldwin Locomotive Works. Dois em um, o passeio pode continuar no trem da Serra Verde Express, que faz o roteiro Morretes-Curitiba.
Restauração
Para preservar essas verdadeiras relíquias históricas e a história da ferrovia no Brasil é que existe, desde 1997, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), entidade privada criada pelo francês Patrick Henri Ferdinand Dollinger. Só no ano passado, foram 20 vagões históricos recuperados, todos eles em vias de virar sucata.
“Os trens são museus dinâmicos, eles precisam estar funcionando para fazer uma imersão na história”, afirma Bruno Crivelari Sanches, diretor-presidente da ABPF e gerente do Trem das Águas. Atualmente, a entidade restaura as locomotivas, os trilhos e a estação de Cruzeiro, inaugurada por dom Pedro II em 1878 e que era ponto de partida para a Ferrovia Minas-Rio.
A estação de passageiros, que no passado se estendia até Três Corações (MG), foi fechada nos anos 80. O primeiro trecho de 6 km até a estação de Rufino de Almeida deve estar concluído até 2022, e os 19 km restantes até o alto da serra, até 2024. Na serra, há um túnel de 998 m, o segundo maior da América do Sul, hoje ponto final do Trem da Serra da Mantiqueira.
Próximo do túnel está a Estação Coronel Fulgêncio, inaugurada em 1884, que possui um girador para que as locomotivas pudessem retornar para Passa Quatro. Esse local, de grande valor histórico-cultural, foi estratégico para a Revolução de 1932, quando constitucionalistas e militares fizeram um levante contra o então presidente Getúlio Vargas.
Hoje, o passeio de uma hora e 40 minutos de maria-fumaça de Passa Quatro até o local narra essa história e ainda oferece uma visita ao túnel. Quando estiver concluído, o trecho de Coronel Fulgêncio a Cruzeiro durará duas horas e 30 minutos, com paradas estratégicas em um mirante no KM 17 para contemplar o Vale do Paraíba e em um mirante antes do túnel.
Trem em Minas
Curiosamente, o Nordeste é uma das poucas regiões do país, ao lado do Norte, que não tem tradição ferroviária. O Trem do Forró, que só entra nos trilhos durante as festas juninas, partindo de Recife para Cabo de Santo Agostinho e embalando os passageiros em um autêntico e animado forró pé de serra, está parado desde o ano passado por causa da pandemia.
Diferentemente, a palavra “trem” em Minas extrapola o significado literal e é usada para quase tudo. Além do Trem da Serra da Mantiqueira, circulam pelo Estado uma maria-fumaça que liga São João del-Rei a Tiradentes, a mais antiga de Minas (1881). São nove vagões, todos na categoria classe A.
Segundo Frederson Versiani, supervisor de Trem Turístico da VLI, empresa que opera o trecho, a maria-fumaça tem capacidade para 300 lugares, mas está operando com 138, menos de 50% do total. São três locomotivas em circulação e outras 12 no museu, que não está funcionando.
Como há menos turistas na cidade – a estação recebia até 10 mil turistas por mês, hoje reduzidos a um terço –, as saídas se resumem a dez viagens ida e volta: duas na sexta-feira, três no sábado e uma no domingo. “O público que curte esse tipo de passeio é geralmente da melhor idade e famílias, muitas delas aqui da região. Todo mundo tem uma história vinculada ao trem”, salienta.
Desde o dia 24 de abril, o Trem das Águas, com seus dez vagões, sai duas vezes por dia no sábado e no domingo de São Lourenço para uma viagem de duas horas até Soledade de Minas. Depois de seis meses parado, o entusiasmo é grande. “Noventa por cento de nossa sustentabilidade vem das bilheterias”, afirma Bruno Sanches, que pede regulamentação do setor.
Setor em dificuldade
Adonai de Arruda Filho bate na mesma tecla. Segundo o presidente da Abottc, não há material rodante para a manutenção das locomotivas. O sucateamento da malha ferroviária começou na década de 70. Hoje, segundo ele, o trem de passageiros é subsidiado pelo transporte de carga.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulamentação do setor, são 29.165 km de ferrovia no país, mas apenas 1.411 km são utilizados para transporte de passageiros. Outros 8.600 km estão abandonados. “Com a crise, ficamos todos na dificuldade”, afirma.
Luxo na Serra do Mar
Uma das maiores empresas do segmento, a Serra Verde Express, que já teve trens no Pantanal, Espírito Santo e Araguaia, hoje mantém, além do recém-inaugurado Trem Republicano (SP), um tradicional passeio na Serra do Mar, oferecendo roteiros diversificados e conforto para os viajantes.
O trajeto é feito por 28 vagões na alta temporada (dezembro a fevereiro) e demora cerca de três horas e meia. Há, ainda, a opção de fazer o trecho em uma litorina, composição menor e luxuosa, com duas classes (Copacabana e Foz do Iguaçu, partindo em horários distintos), serviço de bordo e guia turístico.
Nos últimos anos, a empresa vem se renovando para atrair novos públicos. Entre as novidades estão os vagões-butique, com classes distintas – Camarote, Imperial, Bove e Barão do Serro Azul – e diversos níveis de conforto, os vagões bagageiros, para passageiros que viajam de moto e bike – e principalmente para aqueles que não abrem mão da companhia do pet.
Se em 2019 a Serra Verde Express recebeu 215 mil passageiros, no ano passado esse número caiu para menos da metade (65 mil). A expectativa, no entanto, é que o volume de turistas aumente à medida que a população seja vacinada. “Todo mundo tem certo fascínio pelo trem”, conclui Adonai Filho.
Serviço
Serra Verde Express/Trem Curitiba-Morretes (70 km)
Litorina: Inclui welcome-drink, serviço de bordo (água, refrigerante e cerveja), lanche diferenciado, ar-condicionado e guia bilíngue. Vagão Foz do Iguaçu, com saída às 9h30 e preço de R$ 365 (adulto) e R$ 260 (criança). Vagão Copacabana, com saída às 15h30 e preço de R$ 270 (adulto) e R$ 155 (criança).
Categorias de luxo: Camarote (cabine para 4 pessoas e famílias), Imperial (mesa para até 4 pessoas e decoração inspirada nos anos 30), Bove (com janelas amplas e com varanda, pet friendly) e Barão do Serro Azul (janelas amplas e com varanda panorâmica): R$ 240 (adulto) e R$ 145 (criança).
Classes: Inclui viagem de trem na ida e retorno de van pela Estrada da Graciosa e visita ao parque Hisgeopar. Turística (adulto, R$ 199, e criança, R$ 137), Standard (adulto, R$ 200, e criança, R$ 200), Camarote (adulto, R$ 300, e criança, R$ 200) e Primeira Classe (adulto, R$ 330, e criança, R$ 220).
Trem Republicano (Itu-Salto). Saída às 9h, 11h, 14h e 16h, com preço a partir de R$ 77 por pessoa.
Informações: serraverdeexpress.com.br
Trem Serra do Mar. Rio Negrinho. abpfsc.com.br/web. R$ 95.
Trem das Águas. De São Lourenço a Soledade de Minas (10 km). Saída aos sábados, às 10h e 14h30, e aos domingos, às 10h. Consultar horário nos feriados. R$ 90 (Primeira Classe) e R$ 60 (Segunda Classe), com poltronas e serviço de bordo diferenciados. Criança de até 5 anos não paga. tremdasaguas.tur.br ou (35) 98817-6477 (WhatsApp).
Trem das Termas. Piratuba (26 km). R$ 70 por pessoa. abpfsc.com.br/web
Trem Santa Catarina. Em Apiúna (2,8 km). R$ 25 por pessoa. abpfsc.com.br/web
Trem Serra da Mantiqueira. Passa Quatro a Cel. Fulgêncio (10 km). Saídas aos sábados, às 10h (a confirmar) e 14h30, e aos domingos, às 10h. Consultar os feriados. R$ 45 por pessoa. tremdaserradamantiqueira.com.br ou (35) 99146-9901 (WhatsApp).
Trem do Caiçara. Morretes-Antonina (15 km). abpfsul.com.br
Trem do Corcovado. Rio de Janeiro. Funciona de segunda-feira a domingo, das 8h às 16h. R$ 88 (alta temporada), R$ 71 (baixa temporada), R$ 58 (preço até 30/6/2021), R$ 27 (idosos) e R$ 54 (criança de 5 a 11 anos). tremdocorcovado.rio ou suporte@ingressocomdesconto.com.br.
Trem do Vinho. Bento Gonçalves-Garibaldi-Carlos Barbosa (48 km). São dois horários pela manhã e dois à tarde. Pacotes a partir de R$ 178 (incluindo a Epopeia Italiana). giordaniturismo.com.br
Trem dos Imigrantes. Bairro da Mooca (SP, 3 km). R$ 15 (Primeira Classe) e R$ 20 (reservado). abpfsp.com.br
Trem dos Ingleses. Paranapiacaba (804 m). R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia) todo o percurso; e R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia) meio-percurso. abpfsp.com.br
Trem Moita Bonita. Paraguaçu Paulista (24 km). R$ 20 (acima de 13 anos), R$ 15 (5 a 12 anos e idosos). abottc.com.br
Trem São João del-Rei a Tiradentes: Saídas de São João del-Rei de quarta-feira a sábado, das 8h às 12h e das 13h às 17h, e aos domingos, das 8h às 12h. Confira os horários no site. Saída de Tiradentes de quinta-feira a sábado, das 8h às 12h e das 13h às 17h, e aos domingos, às 8h às 12h. R$ 70 (inteira/ida) R$ 35 (meia/ida) e R$ 80 (inteira/ida e volta) e R$ 40 (meia/ida e volta). Entrada gratuita para crianças de 0 a 5 anos e 50% de desconto, de 6 a 12 anos, idosos e estudantes.
Viação Férrea Campinas-Jaguariúna (1,5 km). Saídas aos sábados, domingos e feriados, às 10h30 e 16h. mariafumacacampinas.com.br
Informações. abottc.com.br e abpf.com.br
04/05/2021 – O TEMPO