Especialistas apontam caminhos que podem ser solução
No instante em que sai de casa, não importa se a pé, de carro ou como for, cada cidadão assume um papel num dos principais desafios para qualquer cidade: a mobilidade urbana. E no Rio, com uma Região Metropolitana de 12,3 milhões de habitantes, a equação para tornar essa experiência eficiente e confortável insiste em não fechar. São incontáveis vilões no caminho, como excesso de automóveis, obras paradas e projetos que nunca vingaram. Mas especialistas não têm dúvidas ao apontar um dos mais danosos deles: a tímida integração tarifária, física e de sincronia entre os modais de transporte do estado.
Os últimos anos, com um empurrão extra da Copa e da Olimpíada, foram de avanços, como o VLT, os BRTs e a Linha 4 do metrô, até a Barra. Há quase uma década, os usuários têm à disposição o Bilhete Único Carioca e o Intermunicipal. Só nos ônibus da cidade do Rio, ano passado, o benefício do cartão municipal foi usado 149 milhões de vezes (12,7% do total de 1,1 bilhão de passageiros transportados no modal).
Ambos os bilhetes, porém, têm seu emaranhado de regras, difíceis de decorar, e ficam devendo, por exemplo, integrações entre o trem e o metrô, ou entre as barcas e as linhas de ônibus cariocas. Outra evidência de que há muito a se fazer é que são raros os terminais e estações multimodais, como a do Jardim Oceânico, na Barra, que interliga o BRT e a Linha 4.
— Quando a pessoa faz essa baldeação, contudo, tem que pagar mais que uma passagem (um total de R$ 6,50) — pondera Rafael Pereira, pesquisador do Ipea. — Se houvesse melhores integrações físicas e tarifárias, aumentaria a capilaridade do sistema. As pessoas poderiam fazer viagens mais longas, a preços mais acessíveis.
Orçamento afetado
A situação atual agrava o quadro constatado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Segundo um estudo da organização internacional, apenas 31% dos moradores da Região Metropolitana fluminense estavam, em 2016, a uma distância razoável (dez a 15 minutos a pé) de uma estação de transporte de média ou alta capacidade — resultado que já incluía o impacto da Linha 4. Em Londres, esse percentual chegava a 61,2% e, em Paris, a 52,2%.
Uma das implicações do panorama no Rio é que, para parte dos usuários, torna-se essencial recorrer a baldeações, que não deveriam ser um problema se, no estado, essa não fosse uma tarefa, muitas vezes, complicada e cara. E que, segundo levantamentos, pesa, sobretudo, no bolso dos mais pobres, gerando consequências no acesso a empregos, serviços, cultura e lazer.
— De casa para o trabalho, pego um ônibus, em Anchieta, até o metrô da Pavuna, onde sigo viagem. O entorno da estação é um caos. Como não tem integração, na ida e volta, gasto R$ 16,50. Acho um absurdo. Com as contas que tenho que pagar todo mês, sobra pouco para outras atividades — conta a administradora Luana Ribeiro.
Gestão Metropolitana
Publicado este ano, o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio (PDUI) reconhece que “é grande a disparidade entre a necessidade da população e o que lhe é oferecido”. E, entre as soluções, reitera que a visão de futuro da mobilidade metropolitana precisa avançar na “construção de uma rede multimodal integrada efetiva”.
No entanto, para alcançar melhores conexões e progressos na discussão tarifária, Ronaldo Balassiano, especialista da Coppe/UFRJ, advoga que é preciso criar, antes, uma gestão de transportes integrada para todo o Grande Rio, com o objetivo de ordenar e definir políticas para a região.
— Enquanto tivermos o tipo de organização atual, em que o estado e cada município falam por si, não teremos integração modal nem tarifária. Esse modelo está ultrapassado. As grandes cidades com bons sistemas de transportes têm o setor gerido por autoridades metropolitanas — afirma ele.
A visão dos Especialistas
Medidas simples para uma cidade mais inteligente, por Marcus Quintella*
Na Moda, o conceito de Smart Cities muitas vezes é associado a novidades ultratecnológicas para melhorar a vida das pessoas. No caso da mobilidade, o compartilhamento de carros ou veículos autônomos e com novas fontes de energia são algumas das apostas para o futuro. Mas em cidades como o Rio, diz Mauro Quintella, professor da FGV, soluções menos vanguardistas já ajudariam a tornar a metrópole mais inteligente.
Para ele, o caminho para esse objetivo passa por algumas dimensões básicas. Nas congestionadas ruas cariocas, ele ressalta que, ainda hoje, não há um gerenciamento automático dos semáforos (salvo raros projetos-pilotos, como o instalado na Tijuca). Na imensa maioria dos sinais, a alteração do tempo em que eles ficam vermelhos ou verdes, por exemplo, ainda é manual.
Quintella diz que, apesar de ter o Centro de Operações Rio (COR), a cidade também precisa avançar no monitoramento de câmeras e sensores, para gerar medições como se fossem o que ele chama de uma espécie de “Waze oficial”. As integrações físicas e tarifárias dos modais de transporte, ressalta, são outros pontos fundamentais.
E, por fim, ele defende que a mobilidade seja gerida por uma autoridade metropolitana.
— Barcelona, Tóquio ou Londres já fizeram isso — afirma. — Essas medidas têm resultados a curto prazo e não dependem de altíssimos investimentos.
Prioridades de investimento em meio à crise financeira, por Rodrigo Vieira**
Não Parar os investimentos nos transportes de massa permitirá que o Rio recupere, ao menos em parte, o passivo de décadas de aportes insuficientes no setor, diz Rodrigo Vieira, secretário estadual de Transportes. Apesar da crise atual, ele afirma ser essencial a retomada de obras como a estação Gávea da Linha 4, ou o concretização de novas expansões do metrô, como trilhos até o Recreio ou Jacarepaguá. Mas não só com obras se darão as melhorias na mobilidade urbana fluminense, defende ele.
Vieira afirma que o governo trabalha para aumentar a integração física e tarifária entre os modais.
— Baldeações dentro do sistema são naturais e desejadas. O transbordo não é o problema. Mas tem que ser feito com segurança, conforto e agilidade. Já conseguimos fazer isso em alguns lugares, como o Jardim Oceânico — diz.
No que se refere à tarifa, ele ressalta outras iniciativas:
— O governo decretou a interoperabilidade da bilhetagem eletrônica. Com isso, as empresas desenvolvem soluções para que todos os cartões de transporte sejam aceitos em qualquer modal. Essa e outras ações vão permitir que aconteçam mais acordos privados no setor. Quando o estado determina uma integração, ele tem que arcar com ela. Já quando os modais se reúnem e identificam pontos onde essa integração faça sentido, ganham empresários e população.
Debate sobre formas de financiar os transportes, por Bernardo Serra***
Um Estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da FGV identificou que, em 2016, os moradores dos arredores da estação Acari/Fazenda Botafogo do metrô comprometiam 25,6% da sua renda média nesse transporte. Outros levantamentos apontam que o valor da integração entre o BRT e o metrô no Jardim Oceânico (R$6,50) é um dos fatores para a demanda abaixo do esperado na Linha 4.
Baixar esse custo do transporte para a população, defende o pesquisador Bernardo Serra, do IPTD, depende de novos meios de financiamento que não sejam apenas as tarifas cobradas dos passageiros.
— Nos últimos anos, criou-se o imaginário de que os sistemas de transporte precisam se pagar. No entanto, várias cidades do mundo têm outas formas para financiá-los. O nosso modelo é bem complicado de se manter no longo prazo — afirma ele.
Serra cita o exemplo de Hong Kong, na Ásia, em que a valorização imobiliária ao redor das estações é usada para financiar a expansão do metrô, com a atração de empresas interessadas em explorá-la. Há ainda governos que subsidiam as tarifas ou cobram impostos gerais da população para custear os modais, baseando-se na premissa de que o transporte público beneficiaria a todos, e não apenas a seus usuários cotidianos.
*Professor dos MBAs da FGV e especialista em transportes
* Secretário estadual de Transportes do Rio
* Pesquisador do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento
30/07/2018 – O Globo