Governo Lula quer de volta terreno doado ao Exército durante gestão Bolsonaro para construir VLT

Área de 4,3 milhões de m² daria lugar a novo bairro na capital federal; Ministério dos Transportes quer implementar linha de VLT entre Luziânia (GO) e Brasília

01/08/2024 – O Estado de S.Paulo / Broadcast

O governo federal quer de volta o terreno do Pátio Rodoferroviário de Brasília, patrimônio da União transferido ao Exército em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro – e que daria lugar a um novo bairro na capital federal.

O plano de uso residencial da área de 4,3 milhões de m² entrou em conflito com um projeto do Ministério dos Transportes, que quer implantar uma linha de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) entre Luziânia (GO) e Brasília.

A intenção para uso do terreno pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva foi oficializada em Acordo de Cooperação Técnica (ACT) publicado na semana passada no Diário Oficial da União (DOU). O ACT firmado com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e o Governo do Estado de Goiás prevê a destinação de R$ 8,5 milhões para financiar os estudos de implantação do VLT em trecho total de 60 quilômetros que ligam a cidade goiana à capital.

Atualmente, as operações dos trilhos que chegam ao Pátio Rodoferroviário estão concedidas à empresa de logística VLI, que utiliza o ramal para o transporte de carga e descarga de minério, como carvão de coque, bauxita e areia. O encerramento dessas atividades é previsto tanto no projeto residencial como no agora em estudo pelo governo federal, conforme apurou a reportagem.

Doação

Na cerimônia de assinatura do termo de entrega do Pátio Rodoviário, em maio de 2020, o Ministério da Economia disse que o terreno viabilizaria construções voltadas aos militares. No entanto, antes disso, já havia diálogos para exploração comercial. Apesar de a transferência da área ter sido efetivada em 2020, já havia a promessa de que isso seria feito desde meados de 2006.

O terreno próximo ao Eixo Monumental, no Plano Piloto, teve parte da divisão do solo aprovada em 2022 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O processo junto ao Iphan foi aberto pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que estruturou um projeto de uso comercial e residencial com anuência do Exército. Após a apresentação da proposta, em 2022, a gestão militar teria se comprometido a transferir partes do terreno ao GDF.

A ideia, segundo informa o Exército desde meados de 2020, é transferir a maior parte da área para que a iniciativa privada construa prédios residenciais, comerciais e de uso misto. As atualizações públicas sobre as novas finalidades para o terreno foram paralisadas após a troca da gestão do governo federal, no início de 2023. No entanto, o Exército afirma à reportagem que segue “desenvolvendo projeto de parcelamento de solo da área” em parceria com o GDF.

Posicionamentos

Em relatório interno de abril do ano passado, o GDF diz que a parceria para elaboração do projeto se justificou pelo alinhamento de interesses do Exército, que buscava “aumento da eficiência da gestão do patrimônio imobiliário sob sua jurisdição” e do Governo Distrital, “com interesse em acompanhar, planejar e integrar as ações de desenvolvimento regional”.

A reportagem procurou o GDF e perguntou em qual fase está o projeto para uso da área, se há atualização sobre a transferência de parte do solo para seu domínio e se a gestão foi informada de que o governo federal quer usar o terreno para o projeto de VLT. O GDF informou apenas que as perguntas “devem ser respondidas pelo Exército, Iphan e Ministério dos Transportes”.

Ao Exército, foi questionado se a transferência da área para seu domínio foi uma demanda própria e, em caso positivo, o que justificou o pedido. Ainda, se o comando foi comunicado sobre o projeto do governo e se há diálogo para eventual devolução. Não houve resposta a esses questionamentos.

Em nota, a gestão militar disse apenas que o projeto de parcelamento do solo segue em desenvolvimento junto ao GDF e que a fase atual é a de contratação de projetos técnicos. “Em relação à questão do mencionado VLT, o projeto já contempla uma linha férrea de trens para passageiros que poderá ser ativada”.

Nos projetos do GDF, o VLT é mencionado como uma possibilidade entre outras para integração da área por meio de transporte público, não sendo citada o uso da estrutura já existente. O projeto do GDF também cita ônibus entre as alternativas para atender o novo bairro.

Ao Ministério dos Transportes, foi questionado quais são as ações necessárias para retomar a titularidade do terreno e se seria possível conciliar o projeto do VLT Brasília-Luziânia com a instalação da área residencial prevista pelo GDF. A Pasta disse que a área em questão é “muito importante para o projeto”.

“O Ministério dos Transportes está avaliando o tema para abrir diálogo com o Exército e o Governo do Distrito Federal. Além disso, a Legislação sobre essa questão deve ser observada. Do ponto de vista técnico, a área em questão é muito importante para o projeto”, afirmou. “Neste contexto, cabe ressaltar que a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário (SNTF) encaminhou um ofício para o Ministério das Cidades abrindo diálogo acerca dos estudos para o projeto de transporte de passageiros Brasília-Luziânia, considerando as competências do Ministério dos Transportes.”

Divisão da área

O projeto do GDF, disponível em documentos públicos, prevê a subdivisão da área em 11 lotes, com diferentes metragens: Lote 1 (32,8 mil m²); Lote 2 (18 mil m²); Lote 3 (18 mil m²); Lote 4 (18 mil m²); Lote 5 (18 mil m²); Lote 6 (18 mil m²); Lote 7 (18 mil m²); Lote 8 (25,5 mil m²); Lote 9 ( 14,8 mil m²); Lote 10 (75,8 mil m²) e Lote 11 (4,08 milhões de m²).Os lotes de 1 a 7 seriam destinados à comercialização mais imediata, localizados com frente à Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA).

Os lotes 8, 9 e 10 já têm edificações, sendo elas o Shopping Popular, as plataformas da Rodoferroviária e a Central das Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF e Entorno (CENTCOOP). Pelo projeto, esses três lotes seriam doados ao GDF, que avaliaria o futuro das construções.

O lote 11, o maior deles, não chegou a ter uma definição oficial nos projetos conduzidos pelo GDF. Contudo, seria essa a área a receber edificações residenciais com capacidade total de reunir 63 mil moradores.

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