Percorrer a ligação entre a estação Vila Prudente da Linha 2-Verde até chegar a sua homônima da Linha 15-Prata causa uma sensação estranha. O vazio que toma conta daqueles corredores enormes e suas inúmeras escadas rolantes na maior parte do dia fazem pensar que aquela tranquilidade será eterna, mas não. Dentro de cerca de um ano, milhares de pessoas deverão cruzar esse espaço freneticamente, assim que as próximas oito estações em construção do pioneiro monotrilho comercial entrarem em operação em 2018.
É esse o grande teste que o modal e consequentemente o Metrô terão pela frente: provar que o monotrilho pode ser não apenas um sistema válido para uma cidade como São Paulo, como capaz de dar conta de uma demanda imensa. Quando estiver completa, com 26 km e 18 estações, a Linha 15 poderá transportar diariamente cerca de 550 mil pessoas. É praticamente a metade do que levam as grandes linhas do Metrô e quase o dobro do previsto para a Linha 4 do metrô carioca (300 mil passageiros/dia).
Para que essa equação fosse ainda mais complexa, a Linha Prata praticamente partiu do zero: trens, fabricante, método de construção e sinalização são inéditos, o que exige cuidado e muitos testes dos responsáveis. E foi ao centro desse grande enigma que o blog conheceu os bastidores da operação durante uma visita ao Pátio Oratório, onde hoje estão os 27 trens já entregues pela Bombardier, a responsável pelo material rodante, como dizem no meio técnico.
Um trem chamado monotrilho
Entre tantas novidades que a Linha 15 trouxe a mais notável é justamente o trem do monotrilho. Seu desenho futurista e a forma como percorre a via causa espanto até hoje em que passa pela avenida Anhaia Mello, onde existe o único trecho operacional. Não é para menos. A composição já surpreende os desavisados por usar pneus. E não são poucos: nada menos que 112 unidades, sendo 28 de carga e outros 84 do tipo “guia”, que rodam nas laterais da viga, todos eles fornecidos pela fabricante francesa Michelin.
Ao contrário dos trens convencionais, cujas rodas de aço não têm um desgaste tão acentuado, os pneus possuem uma vida útil de cerca de 50 mil km, mas a equipe de manutenção do pátio já descobriu que é possível rodar até 100 mil km com eles. “Ainda precisamos conhecer melhor o trem porque até agora ele rodou com pouca carga, mas já aprendemos bastante nesse período”, disse ao blog um funcionário graduado da manutenção do Metrô. De fato, a operação atual ainda não pode prever qual será a realidade que a linha encontrará quando chegar até a estação São Mateus, no ano que vem.
Para quem não sabe, o monotrilho roda pela viga-trilho apoiada nesses pneus de carga, formado por um conjunto duplo e que “invade” o interior do vagão. Como precisa ter o centro de gravidade baixo para manter o equilíbrio sobre a viga, no monotrilho os pneus ficam dentro de um compartimento do trem o que se traduz numa área não aproveitável pelos passageiros. Pela dificuldade de retirá-lo para troca (é preciso retirar a estrutura que o leva, chamada de truque), o objetivo é que ele esteja sempre em boas condições de uso.
O monotrilho da Linha 15, fabricado pela canadense Bombardier, tem algumas peculiaridades próprias como percorrer uma viga-trilho mais estreita que a que veremos na Linha 17-Ouro (cujos modelos são da malaia Scomi). Além disso, o acabamento dessas vigas-trilho é um tanto grosseiro comparado aos da linha da Zona Sul de São Paulo. Por outro lado, a suspensão do trem canadense é mais simples que a de um trem comum: há um sistema elétrico, imensos amortecedores de borracha maciça e os próprios pneus, que são enchidos com nitrogênio em vez de ar.
O resultado, por enquanto, tem sido ruim: o trem percorre os quase 3 quilômetros já abertos com sobressaltos e torções nos vagões, algo que pouco lembra um trem. Este jornalista teve a oportunidade de andar no monotrilho de Chongqing, na China, o maior do mundo atualmente. O sistema fabricado localmente mas com tecnologia da japonesa Hitachi em nada lembra o monotrilho nacional. As vigas têm um acabamento superior e as composições rodam de forma suave. Perguntados a respeito da diferença, os funcionários do Metrô alegaram que os monotrilhos aqui ainda rodam vazios e que somente quando a linha estiver com sua carga normal será possível mensurar esse desconforto.
CBTC em testes
Mas não basta o monotrilho rodar com conforto e segurança. A Linha 15 tem outro desafio ao precisar dar conta de uma demanda imensa. Para isso, o intervalo entre os trens poderá chegar a apenas 90 segundos, segundo a empresa. Por essa razão, o monotrilho paulistano nasceu já equipado com um sistema CBTC, de controle de trens. É o mesmo recurso recentemente implantado pela Bombardier na Linha 5-Lilás, mas que na Linha 15 ainda está em testes. De acordo com um engenheiro ouvido durante a visita, hoje os quatro trens que operam o curto trecho entre Oratório e Vila Prudente, está sendo usada uma versão mais simples do software de controle e que aos domingos a versão que funcionará até São Mateus está sendo testada. Assim como os trens da Linha 4-Amarela, o monotrilho circula sem operador presente a bordo dos trens – há sempre um funcionário circulando pelos vagões.
Ou seja, o monotrilho terá que rodar de forma eficiente desde sua abertura mesmo com tantas novidades em implantação. As obras estão aceleradas e já permitirão que em agosto seja iniciada a “eletrificação” do novo trecho, de cerca de 10 km. Em setembro, será a vez de os trilhos e os sistemas serem ligados, o que já abrirá a possibilidade de os testes com os trens comecem ainda em 2017.
Para coordenar a operação, o Metrô criou um novo CCO (Centro de Controle Operacional) dentro do pátio Oratório. É de lá que os 27 trens serão comandados a partir do ano que vem. As grandes telas que mostram as vias e todos os detalhes de operação ainda estão desligadas, mas já é possível ver toda a linha, incluindo o trecho ainda sem previsão de construção e que chegará à região de Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital.
Eles terão a tarefa de monitorar alguns equipamentos e sistemas inéditos no Metrô. Um deles é o “track-switch”, uma viga-trilho de metal que serve para que os trens mudem de via. Instaladas em imensas “bandejas” de concreto, elas ficam espalhadas estrategicamente pelo caminho do monotrilho. Além delas, as vias têm outro diferencial que é a altura e a presença das passarelas de emergência, uma exigência do Metrô de São Paulo pouco vista no exterior.
A razão é evitar que os passageiros entrem em pânico ao esperar por outro trem de reboque. Sim, o monotrilho pode ser “guinchado” por outro trem até uma estação caso haja uma pane. Mesmo assim, foi decidido que haveria uma passarela caso seja mais prudente desembarcar. Ao contrário de vias como às das linhas Azul, Verde ou Vermelha, que têm o terceiro trilho próximo ao solo, o monotrilho possui dois trilhos laterais, um deles por onde passa a energia de alimentação de 750 V. Eles ficam distantes da passarela e exigem que o Metrô possua um veículo curioso, que serve como meio de manutenção e acesso a essa área mais isolada. Movido por energia elétrica ou por um motor a combustão, o veículo amarelo pode ser visto circulando pela linha com frequência.
Obras em ritmo “eleitoral”
Enquanto o pessoal de operação prepara os trens para assumir a linha no ano que vem, um batalhão de funcionários de dois consórcios corre para finalizar as oito estações atualmente em obras. O trecho ganhou velocidade nos últimos meses por conta da promessa do governador Geraldo Alckmin de inaugurá-lo em março de 2018, coincidentemente, o final do período de descompatibilização caso ele queira concorrer a outro cargo eletivo.
As novas estações da Linha 15 já estão quase todas no acabamento. A mais adiantada é Vila União, seguida de Jardim Planalto, mas a ideia é que todas elas estejam prontas até o final do ano para permitir que os testes se intensifiquem e a linha possa ser aberta aos poucos a partir do segundo trimestre do ano que vem. Chama a atenção a estação São Mateus, terminal provisório da linha. Com duas plataformas, ela é bem maior que as demais, com exceção de Vila Prudente, e servirá para que no futuro seja possível um “looping” interno para oferecer mais trens no trecho mais carregado.
No entanto, os mais atentos perceberão que as novas estações não serão tão parecidas com Oratório, que serviu como “protótipo” para o projeto original. O Metrô decidiu simplificar o projeto e retirou vários detalhes nas passarelas e acessos. No lugar de vidros no teto, eles exibem uma cobertura metálica, por exemplo. Os prédios técnicos também perderam o revestimento em vidros e devem ser finalizados com pintura apenas.
Nada disso interferirá na principal meta da linha, que surgiu como uma opção mais eficiente ao tão criticado fura-fila pensado pela prefeitura da capital. Carente em transporte e com vias estreitas e mal cuidadas, a região por onde passará o monotrilho conviverá com um transporte futurista e que pode ajudar inclusive a melhorar também o paisagismo como ocorreu no primeiro trecho aberto.
Se corresponder às expectativas, o monotrilho paulistano poderá reverter os temores de que é um poluidor visual e incapaz de dar conta da demanda. De quebra, terá servido como laboratório de um modal que ainda não provou que pode ser construído rapidamente e a um custo mais baixo que o de uma linha convencional de metrô. O relógio está contando.