MetrôRio iniciou conversas com o governo do Estado do Rio para rever fórmula de reajusta e evitar um aumento do bilhete para R$ 6,30 em abril. Empresa avalia que é necessário subsídio

Primeiro foi o aluguel. Agora, são os preços de serviços que fazem parte do dia a dia: a conta de luz, o bilhete do trem ou do metrô e a tarifa da telefonia. A escalada do Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que acumula alta de 28,94% nos 12 meses encerrados em fevereiro, pressiona o bolso de consumidores e de empresas, que encontram dificuldade para repassar reajustes tão altos em um cenário de crise econômica.

O impasse chegou a tal ponto que as próprias concessionárias já pedem alternativas para substituir o indicador em seus contratos.

Não é tarefa simples. Com forte influência do dólar, por muito tempo, o IGP-M foi considerado o fator de correção mais atraente para os investidores.

Para as empresas, é um desafio encontrar uma forma de equacionar a queda na demanda em razão da crise, a necessidade de correção dos contratos e a pressão nos custos.

Em muitos setores da infraestrutura, o IGP-M rege os contratos de serviços prestados e insumos pelos fornecedores das concessionárias.

A diferença em relação a outros indicadores é grande. O IPCA, índice oficial de inflação, acumula alta de 5,2% em 12 meses acumulados até fevereiro.

Para o consumidor, a adoção do reajuste integral comprimiria ainda mais o orçamento, em um momento de desemprego e inflação em alta e renda em baixa.

A SuperVia e o MetrôRio negociam com o governo do Estado do Rio a modernização dos contratos, hoje atrelados ao IGP-M. A ideia é usar uma fórmula com indexadores que acompanhem reajustes de custos setoriais. O debate começou na hora de reajustar os preços.

Em fevereiro, a SuperVia não aplicou o aumento integral na tarifa, o que significaria passar de R$ 4,70 para R$ 5,90. Após conversas com o governo, o bilhete subiu para R$ 5 e foi assinado um termo aditivo com o compromisso de discutir nova fórmula para contratos futuros.

Queda na demanda na crise

Na pandemia, houve queda de 45% no movimento. O diretor administrativo financeiro da SuperVia, Fernando Ginjas, diz que o objetivo do diálogo é encontrar um índice ou fórmula que equilibre os repasses de fornecedores com o bolso do cliente:

– Os contratos da SuperVia sempre foram corrigidos pelo IGP-M, tanto no período em que estava negativo como agora. Muitos produtos usados pela empresa são indexados pelo IGP-M, como os trilhos, pastilhas de freio e a energia elétrica.

No caso do MetrôRio, o governador Cláudio Castro busca solução para evitar que o preço passe dos atuais R$ 5 para R$ 6,30 já em abril.

As negociações caminham para uma solução semelhante à da SuperVia. Em nota, o governo disse que “aumento nesses patamares demonstraria insensibilidade com os usuários, em meio ao atual cenário socioeconômico e à crise causada pela pandemia”.

Com queda de 55% na demanda e perdas acumuladas de mais de R$ 600 milhões no último ano, a concessionária é a favor da aplicação de um subsídio e ressalta, em nota, que tem custos fixos altos de longo prazo que são sustentados pela receita com tarifas.

O conselheiro-presidente da Agência Reguladora de Transportes do Estado do Rio de Janeiro (Agetransp), Murilo Leal, explica que foi criado um grupo de trabalho para calcular a fórmula de reajuste mais adequada e que a disposição para rever o modelo começou antes da pandemia:

– O IGP-M já não regula mais os custos que afetam os serviços prestados.

Fator de incerteza

André Braz, economista da FGV, pondera que o IGP-M faz parte de contratos antigos:

— De 1994 para cá, as empresas passaram a usar mais de um indexador para o cálculo do reajuste, um mix chamado fórmula paramétrica, que considera outros índices setoriais, inclusive o IPCA.

Claudio Frischtak, presidente da Inter.B consultoria Internacional de Negócios, avalia que, se de um lado o IGP-M pode ser mais atraente ao investidor por garantir maior retorno, de outro a principal preocupação do mercado hoje é ter previsibilidade e segurança jurídica.

– O investidor quer estabilidade de regras e credibilidade do indicador. Potencialmente, o ganho até poderia ser maior ao usar o IGP-M no reajuste, mas isso pode gerar tensão e risco de ser judicializado por causa do aumento excessivo. Há um aumento de incerteza. E nenhum investidor quer ter que renegociar ou repactuar um contrato – explica Frischtak, que defende o uso do IPCA. — O trabalhador é remunerado pelo IPCA e cobrado pelo IGP-M.

No setor elétrico, 19 das 53 concessionárias tiveram com o avanço do IGP-M um dos principais custos nas tarifas deste ano. Segundo a TR Soluções, empresa de tecnologia especializada no setor, isso representa 55% da energia usada no país e acontece porque as empresas têm contratos antigos com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

— Na energia elétrica, uma parte é indexada ao IGP-M porque muitos custos são indexados ao dólar, como a parte de metal e de infraestrutura — destaca a economista do Itaú Unibanco Julia Passabom.

Risco de inadimplência
O setor de telefonia também sofre com esse impacto do IGP-M ao longo da cadeia, já que ele reajusta serviços dos fornecedores das empresas de telecomunicações. Para Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis, sindicato das operadoras, o ideal seria padronizar os contratos com o IPCA.

– Contratos balizados pelo IGP-M trazem a mesma preocupação que o aluguel. É preciso trocar o IGP-M para trazer maior competitividade ao setor, das grandes empresas aos pequenos provedores – afirma.

Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o IGP-M é um dos índices na composição do reajuste de telefonia fixa. No site das empresas de telefonia, o IGP-M aparece como um dos indicadores para reajustar contratos de celular e televisão.

O economista Luiz Roberto Cunha avalia que o IGP-M traz distorções frequentes em razão da alta volatilidade:

— Em geral, as empresas controlam os preços a partir dos indexadores aplicados no que compõe o seu custo, como insumos e pessoal.

Para o economista Alessandro Azzoni, membro do departamento jurídico do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), é preciso reavaliar o uso do IGP-M em um momento de volatilidade do dólar em diversos contratos.

Ele pondera que a substituição do IGP-M nos contratos de serviços públicos deveria partir dos próprios governos, pois o consumidor não vai conseguir arcar com altos reajustes, como em transporte urbano e energia elétrica, em um momento de crise.

Em 2020, o PIB teve queda de 4,1% e o desemprego chegou a 13,5%, maior patamar desde 2012.

— É desproporcional para o consumidor, que sofre com perda salarial e desemprego. Por outro lado, ninguém quer abrir mão de receita. Os governos não estão mostrando preocupação com isso. Mas isso precisa ser discutido, pois pode haver risco de inadimplência e repactuação de contratos, trazendo cenário ainda maior de incertezas — diz Azzoni.

22/03/2021 – O Globo