ANPTrilhos na Mídia | Pandemia ainda deixa marcas sobre setor de transportes

Movimentação continua abaixo do nível de 2019 para aviação e mobilidade; rodovias têm recuperação, mas sofrem com efeito indireto

Os impactos da pandemia sobre o setor de transportes tiveram um alívio em 2023, mas ainda são sentidos por alguns segmentos. Enquanto modais, como o rodoviário, sofreram menos e se recuperaram mais rapidamente, os setores de aviação e de trens urbanos herdaram efeitos estruturais da covid-19 e ainda buscam retomar o patamar anterior à crise sanitária.

Ante a vontade do brasileiro de viajar, a aviação chegou a recuperar a oferta de assentos do pré-pandemia até meados do ano passado. Mas a falta de aeronaves e menor disponibilidade de turbinas fez o setor reduzir a oferta do segundo semestre em diante. Segundo dados mais recentes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), foram transportados 7,6 milhões de passageiros em novembro, queda de 6,3% contra 2019. O home office e as videoconferências ainda minam a demanda, sobretudo em rotas corporativas como Congonhas-Santos Dumont.

Tiago Pereira, diretor presidente da Anac, disse que 2023 foi um ano de recuperação. “Entre janeiro e novembro a indústria já superou a marca de 100 milhões de passageiros, o que é mais de 5% acima da movimentação de todo o ano de 2022, e é a primeira vez que a aviação brasileira supera os 100 milhões de passageiros desde 2019, devendo fechar o ano em torno de 115 milhões de passageiros transportados [contra 118 milhões no pré-pandemia]”, disse.

Pereira defendeu ainda que o país precisa trabalhar na direção de uma agenda de ampliação da concorrência da aviação. Atrair mais competidores é uma das janelas, mas há inseguranças jurídica e temas espinhosos. “Nenhuma empresa ‘low cost’ virá para o Brasil correndo o risco de, meses depois, ser obrigada a oferecer passagens com franquia mínima de bagagem de 23kg”, disse, sobre o tema que vai e volta no Congresso.

A mudança de hábitos após a pandemia ainda impacta, como o trabalho híbrido e compras online”
— Joubert Flores

A indústria tem ampliado a articulação política. Jurema Monteiro, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear, que representa companhias como Gol e Latam), lembrou que um dos principais temas em pauta é o combustível. Aqui, ele representa 40% dos custos operacionais das aéreas, contra 30% na média global.

Diante do cenário de forte endividamento das aéreas, Monteiro destacou a importância das conversas no Congresso para que seja liberado o uso do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) como garantia para empréstimos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deu sinalizações de que pode abrir uma linha de crédito ante o aval dos congressistas para as garantias.

As empresas de metrô e trens urbanos também têm recuperação gradual, mas o fluxo ainda está abaixo do patamar de 2019 – o volume atual, na média, é de 80% do nível anterior à pandemia, segundo a ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).

No Metrô de São Paulo, o volume de passageiros pagantes no terceiro trimestre de 2023 ainda ficou 22,5% aquém do mesmo período de 2019. O cenário se repete no Metrô Rio, onde a retração é de 26,5%, e da CCR, que apresentou movimentação 8,3% inferior ao mesmo trimestre de 2019 (nas linhas de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, sem contabilizar a concessão das Linhas 8 e 9, conquistada em 2021).

“A sociedade mudou seus costumes após a pandemia. Hoje muitas pessoas ainda fazem trabalho híbrido, vão três, quatro vezes por semana. Isso impacta porque antes eram pessoas que viajavam todos os dias. Outros hábitos também mudaram, compras que antes eram feitas no local hoje são pela internet”, afirma Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos.

Para 2024, ainda não há expectativa de que a movimentação nos metrôs e trens alcance o patamar de 2019. “É difícil fazer previsões, porque essas mudanças trazem um cenário muito novo. Se o setor mantiver a mesma taxa de retomada, chegaremos neste ano a 90% do fluxo de 2019”, diz.

Já nas rodovias, o volume de tráfego ultrapassou o nível anterior à pandemia e chegou ao pico em 2023, segundo o índice ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), que mede o fluxo nas estradas pedagiadas.

Durante a crise sanitária, o setor teve impacto relevante na movimentação, mas a recuperação foi mais rápida em comparação com os demais modais. A movimentação nas estradas caiu especialmente para veículos leves. No auge, em abril de 2020, a retração chegou a 51%, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Em novembro deste ano, último dado divulgado, o fluxo de carros já era 2,9% maior do que no mesmo mês de 2019.

Porém, para as concessionárias de rodovias, para além do efeito na movimentação, um forte impacto que ainda deixa marcas é a inflação de insumos, como o asfalto, aponta Marco Aurélio Barcelos, presidente da ABCR. Hoje, as empresas ainda discutem com agências reguladoras a possibilidade de reequilíbrio dos contratos pela disparada de preços. “É um impacto indireto da pandemia, que precisa ser enfrentado.”

Entre janeiro e setembro de 2023, o Brasil registrou mais de um milhão de viagens interestaduais de ônibus, 20% acima do mesmo período de 2022, embora ainda abaixo do pré- pandemia, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati).

Leonardo Sousa, gerente de Operações da Buser, diz que a elevada tarifa aérea deve fazer a startup transportar 700 mil passageiros entre o final de semana antes do Natal e o fim de janeiro, superando o mesmo período de 2022.

O setor de transporte como um todo, entretanto, pode vir a receber um apoio menos intenso do turismo neste ano, porque 2024 terá bem menos feriados prolongados. Considerando os feriados nacionais, serão dez no total, sendo que apenas três vão ser próximos a um fim de semana, a metade do que ocorreu em 2023.

Reprodução Valor Econômico
Reprodução Valor Econômico

08/01/2024 – Valor Econômico