O presente artigo é um extrato do documento de Benchmark Técnico “Por que o desenvolvimento de projetos de transporte de passageiros sobre trilhos é a melhor opção para a sustentabilidade das grandes cidades latino-americanas”, publicado em 2017 pela Associação Latino-Americana de Metrôs e Subterrâneos (ALAMYS) e entregue aos membros operadores dessa instituição.
Introdução
Durante os últimos tempos têm sido construídos quilômetros de trens urbanos (VLT, metrôs e trens metropolitanos) em diferentes cidades do mundo. Não obstante, sua conveniência econômica foi questionada diante de outras tecnologias mais baratas baseadas em ônibus como, por exemplo, o BRT.
Na literatura científica, é possível encontrar evidência a favor da implementação de serviços de trens urbanos, na qual principalmente se argumenta que são capazes de atrair significativamente mais passageiros do que um serviço baseado em ônibus, inclusive se ambos oferecerem níveis similares de serviço (tempo de viagem, tarifa, frequência e número de transferências), principalmente por causa dos atributos menos tangíveis como confiabilidade, conforto, segurança e outros.
Também se acredita que a construção de trens urbanos ajuda a revalorizar e a revitalizar as cidades, com impactos sobre o sistema das atividades e do transporte, conseguindo, inclusive, aumentar os preços das residências próximas das estações, até o ponto de que em algumas cidades foi possível capitalizar essa revalorização, o que permitiu financiar a infraestrutura de novos projetos.
Preferência dos passageiros pelos trens urbanos
Em Ben-Akiva e Morikawa (2002) se enumera uma série de fatores considerados pelos usuários, mas que, geralmente, são desconsiderados nos modelos devido à dificuldade para quantificá-los. Entre esses fatores, mencionam-se:
1. Confiabilidade: os trens urbanos em geral são mais confiáveis, devido à pouca ou nula interferência com outros modos.
2. Informação aos usuários: os trens urbanos tendem a ter determinadas vantagens no momento de oferecer informação aos usuários com respeito a horários, localização das estações, serviços nos destinos, entre outros.
3. Conforto: inclui disponibilidade de assentos, qualidade da viagem, qualidade da espera, ventilação no veículo, entre outros. Em geral, nos trens a viagem é mais tranquila e as condições de espera nas estações são melhores.
4. Segurança diante dos acidentes: em geral, os trens urbanos, por possuírem um sistema de controle centralizado e serem guiados mecanicamente oferecem uma vantagem em termos de percepção do usuário em comparação aos sistemas baseados em ônibus.
5. Segurança diante de crimes: embora os ônibus possam apresentar uma vantagem neste âmbito devido ao fato de haver um condutor a bordo, os trens urbanos são vistos como mais seguros, pois, em geral, transportam mais gente e na maioria das cidades possuem pessoal de segurança especializado e dispõem de um circuito fechado de segurança.
6. Disponibilidade: este ponto é discutível, embora os sistemas de ônibus ofereçam em geral um número maior de paradas, os sistemas de trens urbanos dispõem de uma frequência por estarem concentrados nos corredores.
Esses autores, usando dados dos passageiros da cidade de Washington, concluem que o modo metrô é o preferido sobre os modais ônibus local, ônibus expresso e o trem metropolitano (nessa ordem), o que explica que o serviço de metrô atrai significativamente mais usuários do que um serviço de ônibus com tempo de viagens e custos similares.
No estudo desenvolvido por Scherer and Dziekan (por 2012), busca-se explicar esse fator, usando como fonte de informação para a análise das pesquisas as respostas dos usuários do transporte público (trem, VLT, ônibus e ônibus regional) na Alemanha e na Suíça.
No caso da pesquisa feita na Alemanha, a maioria dos atributos para a eleição do trem foi:
• Atributos emocionais (38%);
• Espaço para fazer as atividades (12%);
• Argumentos contra os ônibus (7%);
• Atributos da viagem (5%).
Com base nos dados da pesquisa aplicada na Suíça, os principais atributos que justificam a eleição do trem foram:
• confiabilidade (29%);
• aspectos ambientais (17%);
• disponibilidade de espaço e assentos no veículo (15%);
• conforto da viagem (12%).
Baseados no primeiro atributo declarado pelos entrevistados de ambos os países, os autores desenvolveram um esquema (compreendido como uma organização de conjunto de atributos que permitem formar uma imagem de um produto ou serviço) para cada modo de transporte (Figura B). Esse conceito de “esquema” é usado em psicologia cognitiva e viria a ser uma abreviação e economia de recursos cognitivos (Eysenck e Keane, 2000) .
Considerando os resultados alcançados, obteve-se uma tendência influenciada por atributos emocionais e aspectos sociais como sentimentos positivos e hábitos. Nas áreas congestionadas com altas demandas de viagens, as principais considerações por parte dos passageiros têm relação com a confiabilidade (trens) e com o espaço nos veículos (ônibus). Este último é interessante, já que muitos dos usuários dos ônibus têm a expectativa que mais usuários do transporte público usam o VLT, o que implicitamente se reflete na consideração do fator trem em sua decisão.
Figura B
Esquema para o VLT, trem, ônibus regional e ônibus urbano.
Fonte: Eysenck, M. W. & Keane, M. T. (2000)
Embora os atributos emocionais tenham um peso importante na explanação psicológica do fator trem, um outro atributo destacado pelos usuários é a possibilidade de realizar atividades no veículo.
Revalorização dos terrenos (impacto no sistema de atividades)
Existe evidência de que os sistemas de transporte baseados em trens podem ter impactos redistributivos e influenciam onde e o modo como crescem algumas zonas da cidade (Cervero and Seskin, 1995; Handy, 2005; Huang, 1996; Vesalli, 1996) . Em Higgins et al (2014) , concluiu-se que o metrô ou os sistemas similares são um elemento importante para dar forma a um crescimento e revitalização das cidades. Além do mais, identificam seis fatores ou condições que ajudam e potencializam o impacto que pode ter a construção de uma linha do metrô na mudança no uso do solo e no desenvolvimento urbano:
1. Deve aumentar a acessibilidade e criar vantagens locais de localização, principalmente nas cidades orientadas para o udo do automóvel.
2. Idealmente deve existir um crescimento econômico, populacional e de emprego com o objetivo de favorecer uma demanda adequada de viagens.
3. A infraestrutura fornecida deve ser de boa qualidade, amigável com o ambiente e oferecer condições físicas favoráveis.
4. É necessário conseguir as condições sociais em torno das estações e as linhas devem ser positivas (menos pobreza e crimes, melhores escolas etc.).
5. Deve existir disponibilidade de solo para o desenvolvimento urbano.
6. É importante desenvolver um planejamento e políticas governamentais complementares como, por exemplo, investimentos em zonas de estacionamento, restrição ao uso de automóvel, políticas de densificação etc.
Com respeito à relação entre os projetos de metrô e o aumento no valor das propriedades, a maioria dos estudos emprega modelos de preços hedônicos, obtendo resultados diversos, ainda que a maioria evidencie um aumento do preço das moradias em torno das estações de metrô. Baseado na evidência dos Estados Unidos, o aumento da mais valia das moradias varia entre 0%-45% (Landis et al, 1995; Debrezion et al, 2007; Hess and Almeida, 2007) . Em Cervero (2004) , mostra-se que o aumento de uma propriedade próxima de uma estação de metrô (a 400-800m) é de 6,4% em Filadélfia, 6,7% em Boston, 10,6% em Portland, 17% em San Diego, 20% em Chicago, 24% em Dallas e 45% em Santa Clara.
Na mesma linha, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Toronto em 2000 evidencia que a proximidade a uma estação de metrô em Toronto gera aproximadamente US$ 4.000 em valor adicional para uma propriedade residencial com um valor de US$ 225.000.
Com base nos estudos anteriores, o impacto significativo no valor das propriedades que têm a infraestrutura do transporte público sugere que essa infraestrutura deveria ser considerada pelos planejadores urbanos e políticos como uma ferramenta para guiar o desenvolvimento e a revalorização de diversas zonas da cidade. Uma capitalização efetiva desse impacto implica a possibilidade de criar outras estratégias financeiras interessantes, como a desenvolvida exitosamente em Hong Kong chamada “Rail + Property” (R+P), que permitiu, inclusive, financiar projetos de infraestrutura de metrô.
Roland Zamora é Secretario General de ALAMYS.
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.
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