Rogério Princhak 150pxpor Rogério de Faria Princhak

1. Introdução

É inegável a necessidade de investimento do estado brasileiro no setor de infraestrutura, notadamente em mobilidade urbana setor este que se apresenta como um dos maiores desafios na atualidade tanto para o Brasil quanto para vários outros países. O termo designa “a capacidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano para a realização das atividades cotidianas em tempo considerado ideal, de modo confortável e seguro, potencializando a troca de bens, serviços, cultura e conhecimento” (Vargas, 2008).

Dentro desse contexto entendemos como relevante citar a experiência do Estado da Bahia que solucionou um problema existente a quase 16 anos: a conclusão das obras do metrô, bem como complementá-la de forma a torná-la um projeto com viabilidade econômica e financeira. Nesse sentido, a forma de contratação do respectivo projeto teve um papel decisivo para a sua consecução, tanto que hoje o metrô é uma realidade.

Não é pretensão desse artigo entrar nas questões técnicas e operacionais do projeto, e sim comentar como a opção pela contratação através de uma Participação Público-Privada (PPP), na modalidade concessão patrocinada, contribuiu para viabilizá-lo.

Num primeiro momento, entendemos como importante tecermos alguns comentários acerca do que efetivamente significa uma contratação através de PPP e o ambiente institucional ao qual esse instituto está inserido, incorporando as experiências de outros países.

2. Caracterização de um Contrato de PPP

É notório a ideia que a Lei Federal nº 11.079 de PPP desenvolveu-se amplamente no Brasil no contexto possibilidade de atração de capitais privados em um cenário de relativa escassez de recursos públicos viabiliza a realização de investimentos, que ensejou a reforma do estado insuflado pelo ambiente vigente, de forma a complementar a legislação existente para viabilizar contratos específicos que, embora interessantes para a Administração, ainda não podiam ser celebrados, por insuficiência normativa ou proibição legal.

Tornando mais claro, as concessões patrocinadas apresentam como peculiaridade a previsão legal de participação do parceiro público no pagamento do concessionário, juntamente com o usuário, de quem são cobradas as tarifas. Segundo Cretela Neto (2005), as concessões administrativas são definidas pela prestação de serviços, dos quais a Administração Pública é usuária direta ou indireta, ainda que envolva somente fornecimento e a instalação de bens e /ou equipamentos ou a execução de uma obra, onde o parceiro público recebe apenas contraprestação pública, já que não há cobrança de tarifas ao usuário.

Para que a PPP traga, de fato, vantagens representativas à sociedade, em relação à sua alternativa, a PPP deve proporcionar ao setor público alguma economia mensurável ou ganho identificado de eficiência; em caso contrário, corre o risco de se tornar apenas uma forma de deslocar gastos presentes para uma necessidade de fluxo de desembolsos futuros.

Assim, é preciso muita atenção ao analisarmos eventuais projetos que considerem a utilização da PPP, especialmente na indispensável realização de estudos que demonstre, conforme ensina a literatura sobre a matéria, o value for money do projeto especifico, que é a combinação ótima entre o custo do projeto ao longo da concessão e qualidade do serviço prestado, visando atender com eficiência o usuário.

Uma das características de um contrato de PPP é que o pagamento público condicionado à efetiva prestação dos serviços e à performance do parceiro privado, cujo foco é a efetiva prestação do serviço aos usuários. Na hipótese do serviço não atender aos indicadores de desempenho estabelecidos contratualmente, a contraprestação pública não é paga integralmente, sendo paga parcialmente ao parceiro privado.

Outro ponto importante e de fundamental importância é a possibilidade de transferir para o parceiro privado a responsabilidade por fazer os projetos, financiá-los, construí-los e operá-los, podendo o risco de demanda ser parcial ou totalmente transferido a este, vez que há a distribuição de riscos entre parceiros públicos e privados. Nos contratos de PPP como o modelo de gestão é claramente definido, a repartição de risco e sua precificação são conhecidas, tornando-os mais transparentes

O contrato de concessão/PPP será sempre um contrato incompleto, por mais extenso e detalhado que seja. Ao longo de sua execução, ocorrerão mudanças sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e jurídicas que seriam impossíveis de serem previstas quando de sua celebração, e que necessariamente impactarão na avença, fazendo com que seja necessária sua revisão.

Devido a mudanças sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e jurídicas, resta claro que a Administração Pública e o parceiro privado jamais poderão elaborar uma matriz de risco tão suficientemente abrangente que afaste por completo a possibilidade de revisão do contrato no curso de sua vigência.
Dessa forma, a necessidade de adoção de uma metodologia contratual que previamente já defina como os parâmetros contratuais serão recalculados confere mais transparência aos contratos. O método do fluxo de caixa marginal vem sendo utilizado em alguns contratos de concessão brasileiros recentes como instrumento para que sejam analisados eventuais pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro, assim como mensurados eventuais desequilíbrios.
Por fim, um ponto relevante que merece ser comentado é a recente alteração na Lei de PPP, que passou a prever o aporte de recursos em favor do parceiro privado para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis, lembrando que para tal aporte, quando realizado durante a fase dos investimentos a cargo do parceiro público, deverá guardar proporcionalidade com as etapas efetivamente executadas. Financeiramente, o aporte possibilita uma eficiência tributária com a postergação da incidência do PIS/COFINS, que passa a ser devido a partir do início da operação até a vigência do prazo contratual.

Caso o contrato seja extinto, o parceiro privado não receberá indenização pelas parcelas de investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizadas ou depreciadas, quando tais investimentos houverem sido realizados com valores provenientes do aporte de recursos.

3. O Contrato do Metrô Bahia

3.1 Principais pontos do contrato

O Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas faz parte do Programa Mobilidade Bahia, que possui diversas ações integradas visando a melhoria da Mobilidade Urbana na Região Metropolitana de Salvador.

O empreendimento está contratado como uma PPP – Parceria Público-Privada na modalidade de concessão patrocinada, cuja assinatura do contrato ocorreu em 15 de outubro de 2013 e o prazo contratual estabelecido foi de 30 anos, inclusos o prazo de execução das obras e sua operação pela CCR.

A remuneração da concessionária ocorrerá através de Contraprestação Pública , que é o valor pago pela administração pública pela operação do sistema; Tarifa de Remuneração , que se refere ao valor pago por passageiro transportado; Aportes relativo as etapas de investimento, ou seja, uma parte da obra , e Receitas Extraordinárias, que são receitas não tarifárias

Um item sempre presente em contratos de PPP, e que integram o contrato são os indicadores de desempenho. Nesse contrato, especificamente, são divididos considerando-se aspectos relativos a operação, manutenção e conservação do sistema, além da satisfação do usuário. A sua apuração é realizada pela equipe de fiscalização da secretaria contratante, auxiliada pelo Verificador Independente .

Por sua vez, foram compartilhados os seguintes riscos: atrasos ou não obtenção das licenças e autorizações; riscos socioambientais; caso fortuito e força maior; risco de interrupção do fornecimento de energia elétrica; risco de variação da demanda projetada, no qual o risco de demanda está mitigado.
Outro ponto digno de registro no contrato de PPP do metrô, refere-se a utilização do Fluxo de Caixa Marginal para reequilíbrios contratuais ocasionados por investimentos e/ou serviços originalmente não previstos, o qual apresenta grande respaldo na literatura econômica e jurídica , com o objetivo de evitar a contaminação entre o Fluxo de Caixa Marginal (Reequilíbrio) e o Fluxo de Caixa Original (Plano de Negócios).

3.2 O Investimento da Concessionária

O investimento previsto para o projeto foi de R$ 3,8 bilhões (base abril/13), tendo como fonte de recurso. Este contrato incorporou a recente alteração na Lei de PPP, que prevê possibilidade de aporte público durante a fase de investimentos, o que exigiu uma estruturação de garantias robusta por parte do ente público.

O valor complementar do investimento, CAPEX (Capital Expenditure) será bancado pela própria concessionária através da captação de recursos junto ao mercado financeiro.

3.3 As Garantias Publicas

Conforme comentado anteriormente, a previsão do aporte por parte do Poder Concedente trouxe um risco adicional ao projeto na percepção do investidor, no sentido que a não liberação desses recursos no prazo pactuado poderia comprometer a viabilidade do projeto.

Assim, surge a necessidade da estruturação de um modelo de garantia pública que mitigasse possíveis atrasos na liberação dos valores do aporte ou até mesmo a não liberação de parte dos recursos do OGU – Orçamento Geral da União , e consequentemente, atrasando o pagamento da contraprestação pública e gerando um possível déficit do clearing .

De forma conceitual, propomos a seguinte a classificação de garantias levando em consideração o setor relacionado ao projeto:

a. Garantias intrínsecas: aquelas cujo setor de atividade permite a estruturação de garantias com base em recebíveis gerados pelo negócio, como exemplo temos: Iluminação Pública, Saneamento, Resíduos Sólidos;
b. Garantias Extrínsecas: aquelas que, em razão do setor de atividade, não se podem estruturar uma estrutura de garantias com recebíveis do próprio negócio, havendo necessidade de criação de garantia específica com recursos de natureza diversa da atividade da concessão, a título de exemplo: projetos dos setores de saúde e educação, sistema prisional, dentre outros.

Para o projeto em análise, enquadra-se no nosso conceito de garantias extrínsecas, e de forma resumida são:

i. Recebíveis constitucionais: fluxo do FPE: a Lei 11.477/2009 que autoriza a transferência de parcela dos recursos financeiros oriundos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), destinados ao Estado da Bahia, à DESENBAHIA – Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A., para fins de adimplemento das obrigações contraídas pelo Estado da Bahia e entidades da sua administração indireta em contratos de parceria público-privada. Posteriormente, a Lei 12.604/2012 ampliou o percentual de FPE autorizado a efetuar a transferência para pagamento dos contratos de PPP ampliando o limite de 12% (doze por cento) para o percentual correspondente a 18% (dezoito por cento)

De forma esquemática temos:

metro bahia

Essa estrutura assegura o pagamento do valor da contraprestação, bem como de possíveis valores relativos a déficit do clearing.

  1. FGBP: Fundo Garantidor :a Lei 12.610/2012 autorizou o Poder Executivo a criar o Fundo Garantidor Baiano de Parcerias – FGBP, a Lei 12.912/2013 o de 2012, por sua vez, autorizou a o aporte de até 5% (cinco por cento) do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal – FPE ao Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico –FUNDESE, cujo montante inicial integralizado ao FGBP foi de R$ 250 milhões. Ao FGBP compete prestar garantias às obrigações assumidas por quaisquer dos entes da Administração Direta e Indireta do Estado da Bahia, no âmbito de contratos de PPP, se previstas em projeto previamente aprovado pelo Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas.

Esquematicamente, temos:

Metr

  1. Conclusão

O Metrô na capital baiana, uma realidade hoje, contratado sob a modalidade de contratação através de uma PPP contribuiu sobremaneira para a sua viabilidade, bem como o seu sucesso na implementação e operação, destacam-se:

  1. Uma matriz de risco bem distribuída;
  2. A estrutura de garantia instituída permitiu que os eventos de aporte fossem pagos, possibilitando que a obra não sofresse interrupção;
  3. A estrutura de receita através da contraprestação pública e da tarifa de remuneração constituiu um incentivo para que a concessionária cumprisse os prazos acordados relativos as etapas de operação, uma vez que essas receitas só são aferidas com a disponibilização dos serviços;
  4. Regras contratuais claras que permitiram que reequilíbrios em função de exigências da Prefeitura fossem cumpridos.[1]

Nestes 05 (cinco) anos iniciais de contratos, podemos destacar que cerca de 90% das obras físicas de investimentos foram concluídas e o sistema encontra-se em sua funcionalidade total. Operando com 12 estações metroviárias em funcionamento e com um volume de passageiros superior aos 320 mil/dia.

Durante a fase de construção da obra civil, foram exigidos alguns novos investimentos de adequação do projeto pela Prefeitura de Salvador para a concessão do alvará da obra, que foram celebrados por meio de Termos Aditivos Contratuais. Atualmente, são 5 Termos Aditivos celebrados.

Ressaltamos que a gestão e acompanhamento do contrato é realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano – SEDUR.

Ademais, vale destacar que trata-se da primeira capital do País que, através da implementação deste modal, consegue ligar o principal aeroporto da cidade ao centro histórico e comercial por uma malha metroviária com padrões internacionais de operação, instalações e performance.

[1] A Prefeitura de Salvador fez algumas exigências para a concessão do alvará da obra, dentre eles destacamos os três novos viadutos ao longo da Avenida Paralela e alterações nas estações de Pernambués e do Iguatemi.

Rogério de Faria Princhak é Engenheiro Civil pela Universidade Federal da Bahia -UFBA, possuiu mestrado em Administração pela UFBA, Auditor Fiscal do Estado da Bahia atuando como Secretário Executivo de PPP da Bahia, tendo participado da modelagem de cerca de 10 projetos em PPPs e Concessões, dos quais cerca de 7 contratos já foram assinados.

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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