Por Joubert Fortes Flores Filho

O setor de mobilidade urbana, em especial o de transportes sobre trilhos, passa pela maior crise financeira da sua história. A pandemia impactou diretamente a demanda de passageiros que circulam diariamente pelo sistema metroferroviário e, consequentemente, trouxe resultados terríveis para as operações e para as receitas das concessionárias. Agora, diante da segunda onda e da adoção de novas medidas restritivas para o combate ao coronavírus, o cenário se agrava e exige dos governos uma solução rápida, de curto prazo, para que esses prejuízos não atinjam quem mais precisa dos serviços públicos: a população.

Em um ano, desde o decreto que trata das questões relacionadas à pandemia, os sistemas de metrô, trem urbano e Veículo Leve sobre Trilhos acumularam um déficit de R$ 8 bilhões, somente em receitas tarifárias. No Rio de Janeiro, o metrô opera, atualmente, com uma redução de 55% na demanda, mas chegou a ter uma queda da ordem de 85% nesse volume, acumulando perdas de mais de R$ 600 milhões. Nos trens, a situação se repete, com uma diminuição no número de clientes em mais de 83 milhões no número de clientes, o que equivale a uma perda de receita de cerca de R$ 450 milhões.

Apesar de todas as dificuldades, o transporte não parou. As empresas têm renegociado suas dívidas, mobilizado fornecedores e acionistas, e feito todos os esforços para continuarem operando. O serviço segue funcionando, apesar de todos os altos custos de manutenção, da redução drástica de passageiros, da falta de subsídio governamental e da inclusão de novos gastos, como os investimentos em higienização por causa da pandemia. As concessionárias conseguiram sobreviver até aqui com a expectativa de que, neste ano, a recuperação se iniciasse a partir da retomada da demanda. No entanto, a situação atual no país nos indica que isso está longe de acontecer. E pior: talvez haja quedas ainda maiores no número de usuários.

Todos os ajustes possíveis já foram feitos. O que o setor de transportes precisa agora é de uma política emergencial por parte do governo. É inevitável que tenhamos um auxílio financeiro que garanta o serviço de mobilidade urbana e o direito de ir e vir das pessoas. Em diversos países, houve uma ação rápida com o aporte de recursos públicos nessas operações para que não paralisassem. A título de exemplo, somente nos EUA foram direcionados cerca de 25 bilhões de dólares para o transporte público; no Reino Unido, Londres recebeu 1,6 bilhão de libras. No Brasil, até o momento, nada foi feito, e o setor agoniza.

No Rio de Janeiro, em especial, chama a atenção a falta de apoio direto do poder público. Ao contrário de outras localidades, como São Paulo, onde o transporte público conta com subvenções pagas pelos governos e que cobrem 20% das despesas, no Estado do Rio, os custos de trens e metrô são suportados exclusivamente pela receita tarifária. A equação é simples: se não há passageiro, não há receita. Mas os custos, majoritariamente, fixos, permanecem, sem muito espaço para serem reduzidos. O transporte coletivo, de alta capacidade, precisa ser estimulado pelos governos de forma a oferecer acesso e preço justo para todos. É assim que funciona, por exemplo, em Londres, que recentemente inaugurou uma nova linha de metrô financiada por recursos vindos de pedágios urbanos; ou em cidades dos EUA, onde o percentual de subsídio governamental varia entre 60% e 70%. O Rio de Janeiro segue na contramão dessas políticas públicas que visam à coletividade.

Para além do socorro ao setor, a pandemia surge como uma oportunidade de se promover a modernização das políticas públicas de mobilidade urbana. Precisamos rediscutir os contratos de concessão e pensar novas formas de financiamento e viabilidade das operações no longo prazo. Avançamos na infraestrutura, com expansão do metrô e inauguração de novas linhas de VLT e BRT, mas não avançamos nas práticas de gestão com planejamento integrado entre os modais e eficiência de custos.

Com o alongamento da crise e sem perspectivas de retomada, o sistema de transporte público não será capaz de suportar os graves impactos da pandemia. Caso governos e agências reguladoras não se mobilizem, de forma ágil, para subsidiar as operações, o que teremos como resultados serão tarifas mais altas e equipamentos degradados. E, mais uma vez, quem pagará por tudo isso será a população.

*Presidente do Conselho Administrativo da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos)

Artigo publicado no Jornal O Globo, no dia 04 de maio de 2021.