Quanto custa a viagem? A questão parece simples, apenas se for em relação ao valor pago para embarcar em um ônibus, trem ou metrô. Mas o tema gera debates acalorados em gabinetes de gestores públicos ou escritórios de operadoras de transporte. A pandemia deixou a situação mais patente. O financiamento do transporte público, problema de longa data, ganhou contornos que ameaçam deixar empresas e até sistemas inteiros em colapso.

“No pico da quarentena, chegamos a perder 80% dos passageiros. Levávamos cerca de 2,2 milhões de pessoas por dia e, de repente, passamos a transportar entre 400 e 450 mil”, diz Luis Valença, presidente da CCR Mobilidade, que opera a Linha 4 Amarela do Metrô de São Paulo, entre outros serviços no País. Para amenizar a situação, a empresa reduziu despesas (com redução de jornada de trabalho e contenção de compras), adiou pagamentos de dívidas com fornecedores e revisou financiamentos.

Valença considera que a crise joga luz em problemas estruturais que devem ser revistos. No caso dos transportes sobre trilhos, critica o custo para manter a rede com alta ou baixa demanda. “No pico da Linha 4 de São Paulo, uma das nossas mais carregadas, chegamos a cinco passageiros por metro quadrado. Já na maior parte do tempo transportamos menos de dois por metro quadrado. A viagem de um trem cheio ou vazio custa o mesmo.”

Subsídio do governo ao transporte

Outro grande problema estrutural seria a dependência que os sistemas de transporte público têm nas tarifas para sobreviver. A solução envolveria, diz Valença, repensar os subsídios. “Não é o cidadão, com o pagamento da tarifa, que vai determinar a qualidade do serviço. Quem tem de determinar é a sociedade, por meio de seus governos. Portanto, temos que discutir seriamente meios de subsidiar o transporte público.”

Propostas por subsídios maiores são um dos temas mais espinhosos para os gestores. Em julho, a Prefeitura de São Paulo foi cobrada por vereadores a dar esclarecimentos sobre o aumento de repasses a empresas de ônibus na pandemia. Um relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou subsídio 34% maior em abril, em comparação ao mesmo mês de 2019. O TCM estima que a prefeitura feche 2020 com repasses de mais de R$ 3 bilhões, que representam R$ 850 milhões acima do orçado.

Ao mesmo tempo, crescem questionamentos sobre a discrepância entre os subsídios e a qualidade dos serviços. “Temos um gigantesco desafio no subsídio do transporte, que hoje subsidia a ineficiência das empresas e não o passageiro”, diz José Police Neto (PSD), vereador de São Paulo. “Temos visto as empresas querendo oferecer menos. Querem ter mais conforto em receber sua lucratividade sem um transporte melhor e mais seguro.”

Elisabete França, secretária municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo, não vê condição para expansão de repasses. “Vamos ter de buscar em nossas cidades mecanismos para financiamento do transporte público. As prefeituras não podem continuar a subsidiar no nível que estamos fazendo.”

Pedágio urbano para carros

Uma alternativa para financiamento pode estar em um tema que por muito tempo foi tabu no poder público, mas que tem sido cada vez mais debatido: o pedágio urbano. “Os carros para circularem nas cidades vão ter de dar uma contribuição para o sistema de transporte público. Esse é um dos grandes debates que a sociedade brasileira tem de ter no momento”, diz Elisabete. Segundo Police Neto, isso já foi feito na capital. “A primeira vez na história do País que se paga pedágio urbano é na cidade de São Paulo a partir dos aplicativos de transporte individual.”

Seguindo o exemplo paulistano, Porto Alegre pretende implantar uma taxa sobre os aplicativos de transporte. Ainda há planos de instituir taxas de congestionamento em regiões que haja atratividade para as pessoas irem com seus carros. “Temos de buscar formas de dividir esse custo com pessoas que usam o transporte individual. Afinal, os veículos particulares recebem mais investimentos nas vias e geram mais acidentes, mais engarrafamento e poluição”, diz o prefeito da capital gaúcha, Nelson Marchezan Júnior (PSDB).

Mas ele ressalta a necessidade de ampla mobilização. “Se não houver uma discussão nacional de que o veículo individual tem de pagar o transporte coletivo público, é difícil avançar no tema, que é consenso, é uma pauta social.” Em consonância com especialistas, o prefeito não vê a medida como penalização, mas como forma de melhorar a cidade também para os motoristas. “Todos os habitantes, até os usuários de veículos, vão viver melhor em uma cidade que tenha um transporte coletivo mais adequado.”

Pagamento hi-tech

Nos debates sobre financiamento do transporte, um dos pontos mais defendidos é a simplificação da forma de pagamento. Por décadas, o papel moeda cumpriu a tarefa de universalizar o pagamento em ônibus e trens. Porém, garantir a segurança em cabines sempre foi uma dor de cabeça para operadores. Agora as cédulas ainda têm o agravante de serem meios favoráveis à disseminação do novo coronavírus.

Há tempo visto no comércio, o pagamento por aproximação ou contactless ganha destaque no transporte. Nele, basta ter um cartão de débito ou crédito compatível com o recurso e aproximá-lo da maquininha ou do terminal de pagamento. “Hoje não dá para impor ao usuário pagar de uma forma específica. Ele precisa ter a liberdade de escolha. A facilidade para pagar com os meios que já tem na carteira é um estímulo para quem deixou de usar o transporte coletivo voltar a usá-lo e os usuários habituais terem uma experiência mais fluida”, diz Fernanda Caraballo, diretora de Desenvolvimento de Negócios da Mastercard.

Para carregar menos itens, dá para usar versões digitais de cartões, armazenadas em celulares ou relógios inteligentes. Os aparelhos precisam contar com a tecnologia NFC (Near Field Communication), já bem difundida entre os modelos atuais. Basta aproximar o aparelho e pagar.

No mundo, Londres é um exemplo de sucesso desse tipo de pagamento. Desde 2014, quando a opção ficou disponível, cerca de 1,7 bilhão de viagens já foram feitas assim. Conforme dados da Transport for London (TfL), que administra o sistema inglês, todo dia no metrô metade delas é paga por aproximação.

Aqui é possível usar a tecnologia no metrô do Rio, nos ônibus de Jundiaí e em algumas linhas de São Paulo. Na capital paulista, porém, faz parte de um projeto-piloto iniciado em setembro de 2019, com 200 ônibus em 14 linhas, nas estações do Expresso Tiradentes e sem a integração do Bilhete Único. Cada viagem paga por aproximação é debitada integralmente. Entre janeiro de julho de 2020 foram realizadas mais de 17 mil transações.

19/08/2020 – O Estado de S.Paulo