Pedro Machado _PACM 150pxpor Pedro Machado

A crise de mobilidade que afeta as aglomerações urbanas apresenta como efeito associado à degradação da qualidade de vida das pessoas, o aumento do tempo gasto nos deslocamentos, a elevação dos custos operacionais, o aumento da poluição, a queda de produtividade dos trabalhadores que dependem do transporte público, entre outros aspectos já exaustivamente estudados e até quantificados.

Somente algumas regiões metropolitanas contam com sistemas de transporte sobre trilhos, nos quais dois problemas são, em geral, recorrentes: a falta de continuidade no planejamento de longo prazo (os planos existem, mas mudam com frequência em função das trocas de governo) e a falta de recursos financeiros. Ou seja, crescemos aos soluços e com voos de galinha.

O transporte sobre trilhos quase sempre não faz parte da agenda de governos e governantes, e a matriz de transportes é altamente concentrada no modo rodoviário (de carga ou de passageiros, urbano, regional ou de longo percurso).

A recente greve de caminhoneiros demonstrou isso de forma inequívoca. O País e as cidades ficaram reféns, por não possuírem modos alternativos de transporte, especialmente o transporte sobre trilhos. A sociedade está viciada no modo rodoviário e isso precisa ser mudado em busca de equilíbrio.

Mas há males que vêm para bem. A crise no transporte rodoviário de cargas torna a sociedade mais disposta a apoiar os investimentos em trilhos. É preciso destravar urgentemente os empreendimentos iniciados e/ou paralisados, especialmente aqueles que já estão prontos para serem implantados.

Em Brasília, temos a proposta de expansão da rede do metrô não apenas em Ceilândia e Samambaia, mas também em direção à Asa Norte. No Rio de Janeiro, a Linha 4 e o VLT Carioca estão sendo concluídos e a extensão da Linha 2 precisa ser equacionada. Em Fortaleza, há dois projetos significativos de metrô: a Linha Sul e a Linha Leste. Em Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte também existem empreendimentos viáveis a serem iniciados ou que necessitam ser concluídos.

Em São Paulo, estão próximas as conclusões da Linha 4 e da Linha 5; avançam a Linha 13, a Linha 15 e a Linha 17. Buscam-se soluções para a complementação da Linha 6 e também para a extensão da Linha 2 e para a implantação da Linha 18. Isso, sem falar de possíveis empreendimentos greenfield, como a implantação de linhas para ligação do centro de Guarulhos com o centro de São Paulo, para o atendimento da área urbana em torno do início da Rodovia Raposo Tavares e para os eixos das avenidas Faria Lima e Celso Garcia.

Em Salvador, houve recentemente uma licitação para a implantação e operação de um novo sistema em monotrilho para o Subúrbio Ferroviário, em substituição ao atual trem suburbano. É fundamental ainda que se consolidem as duas linhas de metrô recentemente implantadas e que sejam asseguradas as integrações física e tarifária entre as linhas metroferroviárias e os outros modos de transporte, especialmente o sistema de ônibus.

A EMERGÊNCIA DO VEÍCULO LEVE SOBRE TRILHOS (VLT)

As cidades de porte médio, que já apresentam severos problemas de saturação da sua rede convencional de ônibus, em geral, possuem parcos recursos financeiros, o que praticamente torna inviável a implantação de linhas de metrô.

Em muitas dessas cidades, o modo ônibus já se encontra em processo de saturação, mas o metrô não é indicado, tanto pela inexistência de demandas compatíveis com a oferta, como pela proporção dos custos de implantação e operacionais.

Nem só de metrô, porém, vive o transporte sobre trilhos. Os sistemas de VLT constituem soluções adequadas para a requalificação de redes de transporte público. Além disso, eles podem estar associados a programas de requalificação urbana e de renovação de toda a rede de mobilidade do município, com investimentos cujos valores sejam proporcionais à realidade de cidades de porte médio.

Tradicionalmente, as análises de viabilidade para implantação do VLT ancoravam-se na capacidade de oferta de lugares, em um dado eixo, no período de uma hora. Em que pese a correção dessa análise, ela é, hoje, insuficiente para justificar ou refutar a adoção desses sistemas, justamente porque o VLT ostenta outro predicado que deve ser considerado na equação: a capacidade de requalificar sua área de influência e de reformular a rede alimentadora, integrada por outros modos de transporte.

O Brasil conta com duas importantes experiências de operação de sistemas de VLT, que levaram, cada uma a sua maneira, à reformulação da mobilidade onde foram implantadas: a implantação da rede de VLT na região central do Rio de Janeiro e o sistema em operação na Baixada Santista, conectando São Vicente/SP a Santos/SP.

Alguns aspectos são bastante notáveis em cada um desses dois serviços. No caso do VLT Carioca, um dos pontos de destaque está no fato de o sistema ser integrador de três importantes equipamentos de transporte regional na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: o Aeroporto Santos Dumont, a Estação Rodoviária do Rio de Janeiro e a estação das barcas da ligação entre o Rio de Janeiro e Niterói. Também houve a disponibilização de um sofisticado modo de articulação e oxigenação da microacessibilidade da região central, com a articulação de estações de trens e metrô na área de operação do novo sistema.

Observou-se a reconstrução de todo o sistema viário na área de influência do VLT, com adoção de paisagismo, iluminação, mobiliário urbano, pisos e materiais de acabamento de grande qualidade e resistência, para assegurar modernização da ambientação urbana e nova identidade visual vinculada à renovação proporcionada pelo novo modo de transporte.

O projeto do VLT da Baixada Santista baseou-se no aproveitamento de faixa ferroviária de antiga ligação, atuando como renovador de áreas antes ociosas e degradadas. O projeto depositou ênfase na articulação regional, com a conexão dos dois mais importantes municípios da região metropolitana da Baixada Santista e o estabelecimento de um novo meio de acesso ao porto, importante polo de empregos.

O VLT da Baixada Santista também trouxe a oportunidade de implantação de novo modelo institucional para o transporte na região metropolitana com a inclusão desse sistema na licitação de toda a rede intermunicipal. Como parte desse processo, houve a implantação de uma central única de monitoramento da operação, com participação futura de órgãos municipais de monitoramento da mobilidade.

Essas duas experiências podem ser consideradas referências para implantação de soluções semelhantes em várias cidades de médio porte em nosso País.

OS DESAFIOS IMPOSTOS PELA TECNOLOGIA

A revolução trazida pelas inovações de base tecnológica – recursos de ITS (Sistemas Inteligentes de Transporte), smartphones, redes sociais e, de modo especial, os aplicativos de compartilhamento, como o Uber – fez aumentar em muito as expectativas e as exigências dos passageiros em relação ao serviço ofertado. É necessário repensar o papel estruturador do modo metroferroviário nas redes de transporte público, principalmente considerando que tal papel não é mais automático. Os passageiros esperam uma viagem “una”, da origem ao destino, na qual as integrações intermodais sejam perfeitas e confortáveis, e a duração, disponibilidade e outras informações sobre a própria viagem e seus desdobramentos estejam disponíveis em tempo real e sejam, sobretudo, confiáveis.

Esse passageiro do nosso tempo enxerga sua viagem, ainda que realizada por vários modos de transporte, como um único evento, e espera que todos os modos empregados funcionem muito bem e estejam impecavelmente harmonizados, desde a calçada na frente de sua casa, passando pelo Uber, ônibus, metrô ou trem, até o elevador no local de destino. Essas exigências requerem uma mudança de paradigma, pois a qualidade de serviço dos modos parceiros, que se integram aos trilhos, passa a ser também uma preocupação do operador metroferroviário.

A agenda, portanto, é muito vasta e positiva, é urgente e necessário efetivar as oportunidades de desenvolvimento e de humanização de muitas de nossas cidades por meio da implantação de sistemas sobre trilhos – metrô ou VLT – integrados a todos os outros modos de transporte, em favor de condições de mobilidade amigáveis e sustentáveis.

Pedro Machado, Presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Metrô (AEAMESP). Engenheiro Civil e Mestre em Engenharia de Transportes pela Politécnica/USP. Especialista da Gerência de Planejamento, Integração e Viabilidade de Transportes Metropolitanos do Metrô de São Paulo. Atualmente desenvolve estudos de planejamento de transportes no Metrô.

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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