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por Marcus Quintella

Há décadas, muitos países vêm utilizando o transporte urbano sobre trilhos como solução para os graves problemas de mobilidade em suas cidades de médio e grande portes, ainda mais que existe um consenso entre os especialistas de que o modo metroferroviário produz magníficos benefícios, tangíveis e intangíveis, desde que bem planejado e integrado com os demais modos de transporte.

O transporte público sempre foi um desafio para os governantes em todo o mundo, especialmente no Brasil, onde cerca de 85% da população reside em áreas urbanas, gerando cerca de 214 milhões de viagens diariamente, visto que os locais de moradia, de trabalho e de lazer estão cada vez mais separados espacialmente entre si. Além disso, o Brasil sofre as consequências da infeliz opção pelo transporte rodoviário, tanto de carga como de passageiros, feita na metade do século passado, em detrimento do transporte sobre trilhos. Nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, o ônibus responde por 86% dos passageiros dos transportes coletivos. Enquanto nossas grandes cidades possuem insuficientes linhas de metrôs e deficientes sistemas de trens urbanos, dezenas de metrópoles pelo mundo afora contabilizam, há muito tempo, extensas e competentes redes metroferroviárias, que são a base de seus sistemas de transporte público e responsáveis pelo excelente nível de mobilidade urbana de suas populações.

A classe política e os governantes precisam prestar atenção aos gravíssimos problemas dos transportes urbanos que afetam a vida das pessoas e são serviços públicos fundamentais para o bem-estar da população. O transporte público deveria ser tratado como uma necessidade humana básica, assim como educação, saúde, habitação, saneamento, segurança e nutrição. Contudo, não é isso que constatamos na maioria das cidades brasileiras, que possuem sistemas de transportes deficientes e altamente dependentes do transporte sobre pneus.

O transporte metroferroviário tem de ser visto como a espinha dorsal do sistema de transporte público de qualquer grande cidade brasileira, devido a sua enorme capacidade de atender às crescentes demandas por transporte de massa e por sua reconhecida produtividade, competitividade e eficácia. Além disso, o transporte de passageiros sobre trilhos tem um grande poder estruturante sobre a economia das regiões metropolitanas e apresenta uma viabilidade socioeconômica e ambiental incontestável.

Existem muitos estudos comprobatórios da viabilidade socioeconômica e ambiental dos projetos metroferroviários, que mostram claramente que são gerados benefícios suficientes para superar os investimentos públicos realizados. Os benefícios tangíveis mais conhecidos e mensurados monetariamente são as reduções de acidentes de trânsito, diminuição dos tempos de viagem, redução do consumo de combustíveis, eliminação de congestionamentos, redução das poluições atmosférica e sonora, valorização imobiliária, redução dos custos de manutenção e operação das vias urbanas, redução dos custos operacionais dos veículos e aumento de arrecadação tributária. Além disso, são gerados benefícios intangíveis como conforto, segurança, tranquilidade e melhor qualidade de vida.

A gasolina e o diesel usados no transporte urbano são os principais poluentes que contribuem para o aquecimento global e a poluição do ar, com emissões de monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, hidrocarbonetos, óxidos de enxofre e material particulado. Essas emissões causam danos ambientais, como o aumento do efeito estufa, e contribuem fortemente para o adoecimento e morte de milhares de brasileiros, todo ano. O monóxido de carbono, em grande quantidade e em ambientes fechados, causa tonturas, vertigens, alterações no sistema nervoso central e pode levar ao óbito. O dióxido de enxofre, presente na combustão do óleo diesel, provoca coriza e danos irreversíveis aos pulmões e também pode ser fatal, em alta dosagem. A fuligem pode atingir o pulmão das pessoas e agravar quadros alérgicos como asma e bronquite, irritação de nariz e garganta e facilitar a propagação de infecções gripais. Os sistemas metroferroviários emitem 75% de óxido de nitrogênio a menos que os automóveis e quase nenhum hidrocarboneto e monóxido de carbono.

A poluição sonora produzida pelo trânsito caótico provoca distúrbios do sono, estresse, perda da capacidade auditiva, dores de cabeça, náuseas, perda de concentração, taquicardias e alergias.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2016, confirma que a mobilidade urbana interfere em aspectos como qualidade do ar, estresse, sedentarismo e obesidade, e pede mais incentivos para o transporte coletivo, especialmente redes de metrô. A OMS preconiza que a poluição do ar em ambientes externos causa severos prejuízos para a saúde humana, responsável por cerca de três milhões de mortes por ano no planeta. Os modos ineficientes de transporte figuram entre as principais fontes de poluição do ar causadoras dessa tragédia humana.

O grau de eficiência energética dos sistemas metroferroviários, traduzido em economia de energia, constitui uma das grandes vantagens que essa modalidade tem sobre a concorrência rodoviária. A escassez das fontes de energia em relação à demanda crescente, aliada aos aumentos vertiginosos nos preços do petróleo, justifica o redirecionamento de políticas de incentivo a investimentos em transporte metroferroviário. Para cada 10 mil veículos, com apenas 1 ocupante, atraídos para o sistema metroferroviário, são economizados cerca de 10 milhões de litros de combustível. A energia elétrica, combustível propulsor dos sistemas metroferroviários modernos, configura-se uma fonte de energia renovável e limpa, se comparada aos combustíveis derivados do petróleo. Um trem cheio possui uma eficiência energética 15 vezes superior à do automóvel.

Por exemplo, o Metrô-SP é responsável pela poupança de cerca de 435 milhões de litros de combustíveis por ano, em média, equivalentes a 4,35 milhões de barris de petróleo bruto, o que proporciona uma economia de US$ 325 milhões para o país. Entre 2005 e 2016, os benefícios sociais totais acumulados gerados pelo Metrô-SP totalizaram R$ 114 bilhões, montante suficiente para retornar todo o investimento aplicado na construção da rede metroviária da capital paulistana.

A implantação de sistemas metroferroviários também proporciona significativos ingressos de impostos aos cofres municipais, estaduais e federal. Em 20 anos, um metrô típico brasileiro tem a potencialidade de arrecadar em tributos o equivalente a 33% dos investimentos de sua implantação. Apenas a Linha 1 do Metrô-SP proporcionou, nos primeiros 25 anos de operação, em seus entornos, um incremento de receitas de IPTU equivalente a todo o investimento realizado pela prefeitura.

Os sistemas metroferroviários apresentam baixos índices de acidentes e evitam milhares de mortes no trânsito, gerando menos danos às famílias e à sociedade. Os imóveis residenciais e de negócios lindeiros às estações metroferroviárias são valorizados. Os trens, estações e leitos ferroviários podem ser explorados para a veiculação de propaganda de diversos modos, gerando receitas acessórias e promovendo o interesse público.

O transporte metroferroviário faz melhor uso do espaço urbano, visto que uma via de metrô pode transportar 60.000 passageiros por hora, enquanto uma faixa de ônibus urbano pode chegar a 6.700 passageiros por hora e três faixas para automóveis não ultrapassam a 5.450 passageiros por hora. Aproximadamente 1.200 passageiros são transportados em um trem de metrô, o que corresponderia a uma fila de 25 ônibus ou 830 automóveis.

Em última análise, não há argumento algum que possa suportar as decisões governamentais contrárias à implantação de sistemas metroviários nas grandes regiões metropolitanas brasileiras. Independentemente de seus altos custos financeiros de implantação, manutenção e operação, em termos sociais, econômicos e ambientais, os metrôs e trens urbanos serão sempre viáveis.

Marcus Quintella, Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), pós-graduado em Administração Financeira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Engenheiro Civil pela Universidade Veiga de Almeida (UVA).

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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