Vitória a Minas: 120 anos na travessia de histórias

Com novas tecnologias, estrada de ferro segue firme no transporte de carga e de passageiros, com 30 pontos de parada entre BH e a capital do ES

13/05/2024 – O Estado de Minas

A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) completa 120 anos hoje (13/5). Construída inicialmente para transportar café, hoje leva minério de ferro e outros produtos entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Além disso, pelos 664 quilômetros percorridos em 13 horas e meia, o trem de passageiros conecta histórias de pessoas em busca de transporte seguro e lazer.

De acordo com a Vale, concessionária que administra a ferrovia, em 2023, 740 mil passageiros foram transportados pelo trem de passageiros. Diariamente, um deles sai de Belo Horizonte, com destino a Vitória, no Espírito Santo. Entre os passageiros que embarcavam na estação no Centro de BH na manhã de quarta-feira (8/5), uma turma chamava a atenção de quem estava na plataforma esperando para embarcar. Uma excursão de 63 pessoas, a maioria senhoras idosas, usava um abadá com a expressão “Partiu Vitória”.

O grupo saiu de Goiânia, Goiás, na terça-feira (7/5) e viajou 12h de ônibus até BH. Na quarta-feira, seguia animado para enfrentar mais de 13 horas de viagem até Vitória. Entre as viajantes, a aposentada Vilma Rodrigues de Abreu, de 66 anos. “Nunca viajei assim. Agora que estou começando a participar dessas viagens. Acho maravilhoso, estou adorando ter minha liberdade.” Ela conta que ficou viúva há pouco tempo. “Graças a Deus, estou livre, aposentada e agora vou curtir minha vida”, disse, animada diante de sua primeira viagem de trem.

A aposentada Maria Lúcia da Silva, de 67, também estava no grupo e viajando de trem pela primeira vez. “Estou até emocionada.” Questionada sobre o que faria para passar o tempo até Cariacica, na Grande Vitória, ela listou. “Atividade física que ele (professor de dança) coloca a gente pra fazer na cadeira, tem música, a gente canta, dança.”

O organizador da “aventura” é o professor de dança Mauro Mendes da Silva, conhecido como Mauro Negrão. “O objetivo da excursão é fazer um passeio alegre, divertido e com muita dança, além de conhecer novos lugares. É uma experiência. Há dois anos planejamos essa viagem e hoje estamos aqui realizando o sonho dessas jovens senhoras”, disse.

Já a passageira Cristiane de Freitas Nogueira, de 39, viajava com a família também com destino à Vitória. Era a primeira experiência no trem. Com o filho Theo, de 2, no colo, ela disse como pretendia distrair a criança durante todo o trajeto. “Essa era uma dúvida. Ele é pequeno, cheio de energia, não sabíamos como seria. Mas está sendo tranquilo. Já a filha Sofia, de 11, contou que estava adorando admirar a paisagem e ver vídeos no telefone celular. A família está de férias e aproveitou a oportunidade para fazer a viagem.

Segurança e acessibilidade

O trem de passageiros percorre 42 cidades e tem 30 pontos de parada entre BH e Vitória. A composição inclui as classes executiva e econômica, além de elevador para o acesso em cadeira de rodas e um espaço destinado para pessoas com mobilidade reduzida.

A velocidade máxima é supervisionada de forma automática. Há ainda um sistema de comunicação de dados via satélite e uma rede de rádio para diálogo direto e exclusivo entre o maquinista e a equipe de bordo, além da comunicação com o Centro de Controle de Operações.

O gerente de operação do trens de passageiros, Eduardo Soares, conta que, em média, a composição viaja a uma velocidade de 65km/h, levando 500 passageiros por trem. “Geralmente, eles podem rodar com 700 a 800 passageiros. São pessoas com necessidade de deslocamento e que fazem turismo. Temos uma série de pessoas que vêm sempre e outras que estão vindo pela primeira vez”, afirma.

Ele destaca que a segurança proporcionada pelo meio de transporte também é um dos atrativos. “Até dentro da empresa priorizamos que os funcionários façam o deslocamento pelo trem de passageiros, para evitar utilizar as estradas. Sabemos que o risco é maior nas estradas.”

O trem também conta com uma equipe com técnico de enfermagem, para eventuais questões de saúde que possam ocorrer com os passageiros. Em alguns casos, ele pode até parar em alguma cidade para que o passageiro seja atendido. Para fazer a viagem são necessárias duas equipes. A troca acontece em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce.

TECNOLOGIA

Na operação e formação de pessoas para atuar na ferrovia, a Vale usa tecnologias como inteligência artificial, realidade virtual, simuladores e sistemas de monitoramento. A inspeção de vagões, por exemplo, é feita por inteligência artificial. Algoritmos avançados, câmeras e sensores ao longo da via conseguem identificar com precisão se os componentes e estruturas estão dentro dos padrões esperados. Cerca de 3 mil vagões são inspecionados, de forma automática, diariamente. De acordo com a empresa, isso antecipa as necessidades de manutenção, aumenta a segurança e a eficiência operacional, além de prolongar a vida útil dos equipamentos.

Há também o carro controle, um veículo com equipamentos de medições da geometria da linha que possibilita programar manutenções preventivas com base em suas leituras. Já o carro ultrassom percorre a linha para identificar e prevenir fraturas de trilhos.

Ao longo do trecho ainda são usados equipamentos que fazem a leitura de todo o material rodante, observando as condições dos rolamentos, a temperatura e o perfil de rodas. Todas as informações são repassadas ao Centro de Controle Operacional (CCO), em Vitória. Até mesmo as condições climáticas são avaliadas. Por meio de sistemas de pluviometria e temperatura é possível reforçar os cuidados em épocas de chuvas e temperaturas elevadas.

Os sistemas de controle de tráfego também garantem a segurança da circulação dos trens pelo adequado distanciamento entre eles. Esse sistema prevê, inclusive, a parada automática dos veículos em casos de alguma falha ou desvios de operação.

DESENVOLVIMENTO

O diretor da Estrada de Ferro Vitória a Minas, Gildiney Sales, afirma que a ferrovia contribuiu para o desenvolvimento de cidades em território mineiro e no Espírito Santo. “Ainda é um vetor de desenvolvimento regional. Muitas cidades ao longo da ferrovia nasceram devido a ela.”

Sales destaca ainda que, hoje, a ferrovia é responsável por 30% do transporte de produtos por este meio no país. “Além do minério, ela transporta celulose, carvão, calcário, produtos siderúrgicos e combustível.” O volume transportado em 2023 foi de 105,3 milhões de toneladas, sendo 85,1 milhões de toneladas de minério e 20,2 milhões de toneladas de carga geral.

“O trem de passageiros possibilita um transporte seguro, eficaz, confortável. Antigamente, ele era junto com o de cargas. Ao longo do tempo, por questões de segurança, foi implantado um trem único de passageiros, para atender com mais rapidez, conforto e segurança.”

TREINO EM SIMULADORES

A formação dos profissionais que vão atuar na ferrovia também usa recursos tecnológicos. Três Centros de Operações de Aprendizagem são usados para qualificar maquinistas, oficiais de operação, controladores de pátios, controladores de tráfego, entre outros profissionais.

Todos têm cabines, capazes de simular as funções que o maquinista executa durante uma viagem real do trem, em um ambiente seguro e controlado. O cenário é programado para que ele seja desafiado a executar a melhor condução possível e todas as suas ações são avaliadas de forma automática.

“Usamos realidade virtual na formação de profissionais, para simular o ambiente real. Operar com chuvas, de dia, à noite, em situações adversas. Isso traz mais segurança e melhor preparação para os maquinistas quando forem a campo”, pontua Sales.

O modelo de simulador foi desenvolvido no Brasil e faz parte de uma parceria entre a Vale e a Universidade de São Paulo (USP). Desde que passou a ser usada pela empresa, há 11 anos, a tecnologia já possibilitou 1,5 mil capacitações.

SOBRE OS TRILHOS

O projeto da ferrovia foi aprovado em 1902 e as obras começaram no ano seguinte. Em 13 de maio de 1904, foi inaugurado o primeiro trecho com 30 quilômetros, entre as estações Porto Velho, em Cariacica, na Grande Vitória, e Alfredo Maia, no município de Santa Leopoldina, na região serrana do Espírito Santo.

A estação Pedro Nolasco, em Cariacica, só foi inaugurada em dezembro de 1905, um ano depois do início da operação da ferrovia. Até então, o trem parava na Estação Porto Velho, a cerca de sete quilômetros dali. Logo depois da construção da estação Pedro Nolasco, Porto Velho foi desativada.

O traçado original da ferrovia não passava por Itabira, na Região Central de Minas. Em 1º de julho de 1942, o então presidente, Getúlio Vargas, fundou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que mais tarde passou a se chamar apenas Vale. A empresa incorporou a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia (que havia absorvido a EFVM) e a Companhia Itabira de Mineração, que estava em fase de organização. Também recebeu do governo federal a posse das jazidas de minério de ferro de Minas Gerais.

Em 1943, finalmente, foram entregues as estações que faltavam para completar o trajeto — uma no município de Nova Era (Estação Capoeirana) e três em Itabira (estações Oliveira Castro, Engenheiro Laboriau e Itabira).

Na década de 1970, foi feito um grande investimento em duplicação, tornando a EFVM a primeira ferrovia totalmente duplicada das Américas.

A operação da ferrovia contribuiu para a ocupação efetiva de extensas regiões do Vale do Rio Doce, fazendo surgir cidades como Colatina, no Espírito Santo, e Aimorés, Resplendor, Governador Valadares e Coronel Fabriciano, em Minas, antes pequenos arraiais.

Desde que a ferrovia foi criada, a operação e a manutenção passaram por grandes mudanças. No passado, a retirada de trilhos para troca era feita manualmente. Várias pessoas se reuniam para levantar um único trilho. Hoje, todo o movimento é feito com auxílio de guindastes.

Ferrovia em números

3,5 mil – empregos diretos
317 – locomotivas
12.123 – vagões de minério
905km – de ferrovia, sendo 601km de linhas duplas
45 – túneis (27,5 km)
127 – pontes
185 – passagens de nível
43 – passarelas
27 – equipamentos de via permanente (EGP)
30 – estações de Vitória a Belo Horizonte
42 – municípios atendidos
664km – percorridos em 13,5 horas
740 mil – passageiros em 2023