Vagão Exclusivo Feminino – Uma Política de Segregação que não Pune o Agressor

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por Roberta Marchesi
Superintendente da ANPTrilhos

A Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), entidade que representa 99% dos operadores de trens e metrôs do Brasil, acompanhou a tramitação do Projeto de Lei nº 175/2013, que obriga a adoção do vagão exclusivo feminino no Estado de São Paulo, e repudia sua aprovação pela Assembleia Legislativa, na última semana. Agora o projeto está com o Governador, para veto ou sanção.

Os operadores metroferroviários brasileiros representados pela ANPTrilhos não concordam com a justificativa apresentada para a criação do projeto, que tem como objetivo uma suposta minimização das situações de abuso sexual às mulheres que utilizam o sistema metroviário nas cidades paulistas. Na visão do setor, essa é uma medida que não protege as mulheres e que vai na contramão do que elas precisam: respeito e dignidade. Por isso, espera que o Governador, no uso de suas prerrogativas, vete a iniciativa do Legislativo.

Segregar as mulheres que utilizam diariamente os trens e metrôs da capital paulista, dando a elas uma ilusória sensação de “proteção” contra os assediadores, promove uma limitação injusta, fazendo aceitar o entendimento de que aquelas que não utilizam o vagão exclusivo podem estar sujeitas à agressão. Mais grave do que isso, a medida em aprovação fragiliza a liberdade das mulheres nas ruas, nos outros meios de transporte, nos elevadores e em suas próprias comunidades, porque não promove a civilidade e, a longo prazo, cria uma cultura de que a mulher, para se proteger, precisa ser segregada.

A ANPTrilhos reconhece a existência do problema de assédio nos meios de transporte e se posiciona firmemente a favor da proteção às mulheres. Os operadores metroferroviários sempre trabalharam para dignificar a utilização dos sistemas, buscando minimizar as ações dos agressores. Em todas as estações de trens e metrôs, aqui no caso específico dos paulistas, existem agentes de segurança prontos a atuar e a receber a queixa de pessoas que se sintam lesadas, não só por assédio, mas por furtos, agressões, entre outros. As imagens das câmeras de vigilância, existentes tanto dentro dos carros, quanto nas estações e seus entornos, também ajudam a coibir e a identificar os agressores, auxiliando sobremaneira nas ações públicas movidas para a sua punição. Avisos sonoros e campanhas informativas sobre a segurança dos passageiros são regulares em nossas estações e trens e visam contribuir para a melhor utilização do sistema de transporte público.

Tecnicamente, a medida aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo também cria um problema para a operacionalização do sistema metroferroviário do Estado. Atualmente, mais de 6,8 milhões de pessoas circulam diariamente nos trens e metrôs paulistas, sendo mais de 50% mulheres. Como garantir o embarque de mais de 3 milhões de mulheres, num único vagão, especialmente nos horários de pico? Como fazer com que esses 3 milhões de mulheres se acumulem nas estações e seus entornos aguardando uma vaga em um dos carros femininos? Como garantir a fluidez do transporte numa situação como esta? Essas são perguntas que permitem verificar a inversão que essa política promove na cultura da sociedade que, ao invés de buscar fiscalizar e punir os agressores, transfere para as próprias mulheres a responsabilidade por sua proteção e segurança.

A política de utilização de vagões exclusivos para mulheres já foi adotada no Rio de Janeiro e os dados existentes apontam a ineficiência da medida para tratar o problema. Na busca por um deslocamento rápido, seja na ida para o trabalho ou na volta para casa, as mulheres acabam optando por utilizar qualquer vagão que esteja disponível e, uma vez que não há punição prevista para a utilizações dos vagões femininos pela comunidade masculina, os homens também acabam se utilizando dos carros exclusivos.

Os operadores metroferroviários representados pela ANPTrilhos compartilham o desejo de que as políticas públicas suscitem em toda a sociedade – homens, mulheres, crianças – a formação de uma consciência pela educação moral e cívica, cuja ausência está promovendo a segregação como meio de proteção.

Debater essa questão e unir a comunidade na busca de uma solução efetiva não foi exatamente o espírito da legislação aprovada, que durante toda a sua tramitação não promoveu uma única Audiência Pública para tratar do tema. Se tivessem a oportunidade de colaborar com o debate público em torno dessa medida, antes que se tornasse um instrumento legal, os operadores metroferroviários brasileiros poderiam ter apresentado uma série de argumentos e ponderações, de modo a instigar os legisladores paulistas a refletir com mais propriedade sobre a segurança do público feminino no transporte de massas. A ANPTrilhos está disposta a ampliar essa discussão e a buscar uma alternativa concreta não só para tratar dos problemas de assédio, mas de todas as formas de agressão que envolvem a utilização do transporte público, tanto no setor metroferroviário, quanto nos seus demais meios.

Por todo o exposto, a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) manifesta-se publicamente contrária à sanção da Lei que institui a política de segregação no transporte público metroferroviário, ao mesmo tempo em que propõe unir a sociedade e a comunidade de transporte urbano na busca por alternativas que dignifiquem a utilização dos sistemas e crie o sentimento de que o desrespeito é que merece uma resposta .