24/06/2024 – Revista Ferroviária – Entrevista da Edição Março/Abril – 2024
Primeira Parceria Público-Privada (PPP) integral no setor metroferroviário brasileiro – aquela em que o operador privado também é responsável por construir a linha –, o Metrô de Salvador vive desde a sua inauguração, em junho de 2014, algumas situações que fogem positivamente da curva. O modelo de concessão adotado pelo governo do estado em conjunto com a CCR Metrô Bahia resultou num avanço recorde no país: em cinco anos de operação, o sistema da capital baiana já tinha 33 km de vias, duas linhas e 20 estações construídas. Atualmente, é o terceiro maior em extensão, atrás apenas do de São Paulo e do Rio de Janeiro. Com a chegada da pandemia, o sistema sofreu, como todos, com a falta de demanda. Mas hoje é um dos poucos (talvez o único) a ter não só recuperado, como também superado o patamar de passageiros que registrava antes da crise sanitária.
Parte dos atuais 400 mil usuários/dia veio com a inauguração de duas novas estações (Águas Claras/ Cajazeiras e Campinas) na Linha 1, pelo governo do estado no início de ano. Mas o diretor da Unidade Negócio CCR Metrô Bahia, Júlio Freitas, também credita nesse número o esforço da concessionária em implementar uma cultura de metrô em Salvador durante os últimos dez anos. Numa cidade que era dominada pelo transporte de ônibus, o sistema metroferroviário chegou para ser alimentado por veículos sobre pneus. São nove terminais de integração com ônibus, que levam e trazem passageiros para o metrô. Em paralelo a isso, outro fato vem surpreendendo: o de pessoas que usam de forma exclusiva (sem ser integrada) o metrô, para chegarem a seus destinos. Na previsão inicial, esse número não passaria de 8% da demanda total. Hoje são cerca de 20% dos usuários por dia.
“Fizemos um estudo para analisar o impacto do metrô na redução de tempo de transporte para a população. Em alguns aspectos e tipos de deslocamentos, o usuário chegar a ter uma economia de 18 dias em um ano. São 18 dias livres em que ele pode estudar, estar com a família, ter um lazer”, menciona Freitas. Nascido e criado na CCR Metrô Bahia, desde o início da operação, o executivo passou por diversas áreas da companhia, como bilhetagem, comercial e gestão de contratos. Esse ano, assumiu a diretoria geral do negócio baiano do grupo. “O metrô de Salvador tem uma característica de estar em crescimento. Somos um sistema novo. Quando nos comparamos a outros do Brasil, estamos sempre um pouco melhor”, diz.
O sistema ainda tem previsão de se expandir além dos limites de Salvador. Pelo contrato de concessão, a CCR tem obrigação de entregar os estudos para levar a linha até Lauro de Freitas, município colado à capital baiana. O governo do estado seria o responsável pelas obras. A entrega dos estudos, porém, está condicionada a um gatilho de movimentação na estação Aeroporto, da Linha 2, que ainda está longe de ser alcançado. Nessa entrevista, Freitas pondera que o estado vem avaliando a possibilidade de estender a via a despeito dessa condicionante. “Lauro de Freitas é um município muito importante na região. Ele traz muitos passageiros e a região Norte de Lauro de Freitas, Camaçari, tem crescido muito. Entendemos que é um caminho natural”.
Com a expansão da linha e aumento da demanda de passageiros, os 40 trens de quatro carros do sistema já operam com uma folga pequena. A CCR sinalizou ao governo do estado a necessidade de, em breve, ter que aumentar a frota. Pelas contas da empresa, serão necessárias de sete a oito novas composições. Mas essa, pontua Freitas, é uma decisão que compete ao poder concedente: “Aquisição de frota é de responsabilidade do estado, assim como a expansão do sistema. Por aqui, estimamos que em três anos mais ou menos a gente já tenha que começar a colocar trem novo no sistema”.
“O que deu certo na Bahia foi a junção da CCR com o governo do estado nesse projeto, que foi muito bem concebido desde o início.”
Júlio Freitas – Diretor da Unidade Negócio CCR Metrô Bahia
Revista Ferroviária – Conte-nos um pouco de sua trajetória no setor de transportes?
Júlio Freitas – Eu tenho um histórico em empresas de transporte, onde atuei por 12 anos, e no setor de construção civil pesada, por cerca de 20 anos. E eu cheguei ao Metrô Bahia em maio de 2014, logo no início da operação, para auxiliar a empresa a implantar o sistema de bilhetagem, a parte de compensação tarifária e toda a interface com as empresas de ônibus, para viabilizar a integração entre ônibus e metrô. Em Salvador, a principal fonte de passageiros do metrô é a integração com ônibus. Fiquei cerca de cinco anos nessa área e implantamos com sucesso. Depois fui assumindo outras áreas na empresa, como comercial e gestão de contratos. Em 2023, a superintendência de Operações. E esse ano, assumi a diretoria da empresa. Então, sou nascido e criado no Metrô Bahia. Andei nos trilhos antes de o trem rodar na via.
RF – E agora não quer sair da ferrovia, aposto!
JF – Não, não saio. Até porque eu não voltaria para o segmento de ônibus, não. Vou fazer uma confissão: respeito todos os meios de transporte, mas com ônibus eu não trabalho mais (risos).
RF – Qual a sua visão sobre o setor metroferroviário no Brasil?
JF – A grande maioria das pessoas habita os centros urbanos e a mobilidade passou a ser um tema central, porque as pessoas não estão conseguindo se deslocar dentro da cidade, os sistemas tradicionais de ônibus não conseguem resolver o problema. Obviamente, a solução passa pelo transporte sobre trilhos de alta capacidade. Sou uma pessoa que, desde a época em que trabalhava em ônibus, acreditava na intermodalidade, na integração. Cada sistema tem a sua vocação. Acho que o Brasil tem uma capacidade enorme de expandir o de alta capacidade. Isso vai depender da quantidade de capital alocado. Além do aporte público, o Estado precisa avançar no projeto de suporte a essa estratégia. É claro que o sistema metroferroviário não tem condições de ser pago somente com tarifa. E existe um discurso que tem que ser levado junto às regiões metropolitanas para ser equacionado. Os sistemas ficam muito dependentes na centralidade do principal município.
RF – Em Salvador também?
JF – Salvador hoje tem uma capacidade de decidir a política de transporte que afeta a região metropolitana toda. Além da questão de financiamento e funding, de toda a questão da tarifa e do investimento, a gente tem que resolver o problema de organização. As áreas metropolitanas têm de começar a ter valor e poder. A região metropolitana tornou-se um ente público desde a Constituição Federal. Mas não há uma característica específica, é um ambiente virtual.
RF – Você se refere à Autoridade Metropolitana, que até hoje não se tornou uma realidade no país?
JF – Por causa das forças antagônicas que impedem que isso vá para frente. Porque resulta num enfraquecimento do poder municipal muito grande, é preciso fazer todo um pacto federativo para poder viabilizar. É a política na sua essência, uma troca. Mas precisa ser feito. Como? Uma das possibilidades é colocar capital à disposição dos locais onde a área metropolitana for criada, onde a Autoridade Metropolitana for instituída. Ou seja, você põe capital à disposição de quem tem essa solução. E as pessoas passam a se beneficiar de uma política pública, que normalmente sempre tem recurso alocado.
RF – O que mais falta para ser criada, na sua opinião?
JF – A capacidade de implantação é grande, mas uma estratégia de funding, de marco legal precisa ser endereçada e é fundamental para poder viabilizar a Autoridade Metropolitana, senão a gente vai ter sempre o periférico e pequenos projetos. Eu entendo que existe uma grande capacidade de crescimento, mas precisa de uma estratégia um pouco mais coordenada para resolver isso.
RF – O metrô de Salvador foi concluído por meio de uma Parceira Pública-Privada integral. Há alguns anos, o governo do estado tentou implementar o sistema de monotrilho através de outra PPP integral, sem sucesso. Na sua opinião, o que fez o pro jeto da CCR dar certo e o do monotrilho, não?
JF – O que deu certo na Bahia foi a junção da CCR com o governo do estado nesse projeto, que foi muito bem concebido desde o início. Houve um pré-alinhamento das prefeituras de Lauro de Freitas e Salvador com o estado para a transferência dos ativos, pois o metrô era da Prefeitura de Salvador, e fizeram um acordo de que o sistema principal da região metropolitana seria o metrô. Esse acordo deu garantia para que a prefeitura tivesse interesse e compromisso em viabilizar um sistema de alta capacidade que seria alimentado pelo sistema de ônibus dela. Esse foi o primeiro ponto.
RF – Que mais?
JF – A estruturação de fundo garantidor. A concessionária teve que aportar um valor muito alto para receber ao longo de 30 anos. E a garantia que foi montada com um fundo garantidor da Bahia, que assegurava o repasse, deu uma segurança para o privado muito forte. E, por fim, a forma como o estado da Bahia gere esse projeto. É um estado extremamente competente na gestão fiscal. Comprovadamente é um dos que mais bem gere a questão das contas, com política fiscal bem realista, cumpre com os pagamentos religiosamente. É um fiscal duro, mas parceiro. É aquele que exerce o contrato na sua plenitude, cobra quando tem que cobrar, mas entende que algumas coisas têm que ser resolvidas dentro de uma PPP, que não é um contrato de concessão normal, unilateral. Resolvemos nossos problemas de forma muito profissional, técnica e juridicamente respaldados.
RF – Você acha que com o monotrilho foi diferente?
JF – O que pode ter acontecido no caso do monotrilho foi o problema da pandemia, que pegou o contrato no meio do caminho. Transformou o investimento, que ficou muito alto. Imagine: você tinha um investimento que era grande e aumentou mais ainda. A demanda que era X caiu pela metade e com uma operadora (SkyRail, composto pelas chinesas BYD e Metrogreen) que não conhecia, era entrante no mercado. Isso tudo criou uma certa dificuldade. Mas são momentos e projetos completamente diferentes. Apesar de tudo ter partido na mesma base, eles estavam em momentos completamente diferentes. O do metrô começou em 2014, o Brasil estava numa outra pegada. Quando o outro surgiu já estava próximo da pandemia.
RF – A CCR acabou nem participando do leilão do monotrilho da Bahia…
JF – Sim, porque na época já estávamos com um risco alocado aqui. A gente achou que precisava azeitar ainda a operação, que estava muito no início ainda. Então, optamos por não entrar.
RF – E qual o balanço que você faz dos 10 anos de operação do metrô de Salvador?
JF – O primeiro desafio foi ter sido entrante num mercado já estabelecido com outros modais. E criar uma mudança na cultura de transporte da cidade. As pessoas estavam acostumadas a pegar um ônibus, no máximo dois. A grande maioria pegava um ônibus só para qualquer lugar, mas gastavam mais de duas horas para chegar no destino. Entramos com uma solução e uma forma de venda de bilhete diferente. O desafio foi grande, os primeiros anos foram muito concentrados nisso. De a gente se preparar para, quando estivesse operando, estar em cima de um marco operacional legal. Tanto com a prefeitura quanto com os operadores de ônibus. E a gente conseguiu fazer isso bem. O grande aprendizado é saber esperar as coisas acontecerem da forma que tinham que acontecer.
RF – A estratégia teve que envolver uma comunicação forte com o cliente?
JF – Sim. Tivemos que lançar uma campanha: “Bora de metrô”, porque precisávamos mostrar que o metrô era uma coisa diferente, mas que eles deveriam testar. Muita gente tinha medo de andar no metrô, ou achava que era pra outras pessoas e não eram para elas. Existia aquela visão de que metrô é elitista. Desmitificamos isso, e conseguimos trazer o pessoal para cá. Hoje, estamos com 400 mil passageiros/dia.
RF – Foi difícil criar essa cultura de metrô?
JF – Ainda temos os resistentes, que ainda não migraram porque algumas linhas de ônibus concorrem com o metrô, mas a grande maioria entendeu que o tempo é fundamental. Mesmo que fazer um transbordo não seja a melhor coisa do mundo, sair de um ônibus para o metrô e do metrô para outro ônibus, muitos entenderam que no final da jornada há uma vantagem de tempo.
RF – Como isso é balizado?
JF – Fizemos um estudo em 2021, com o Instituto Miguel Calmon, para uma análise do impacto do metrô. Em alguns aspectos e tipos de deslocamentos, o usuário chegar a ter uma economia de 18 dias num ano, ou seja, em 365 dias, a pessoa tem 18 dias livres, para poder estar com a família, estudar, ter um lazer. O metrô melhorou muito a questão do tempo. Quando conversamos com clientes, alguns dizem que economizaram meia hora, 40 minutos ou uma hora em cada deslocamento, e isso é uma vantagem muito grande, impacta na vida das pessoas de forma direta. Outro ponto é que nosso sistema é muito confortável. Tem ar condicionado. É rápido, não tem trânsito, é confiável e seguro.
RF – O sistema de Salvador atende quem mora na cidade, e não turistas. Como isso impacta na operação em geral?
JF – Realmente o metrô foi concebido para levar as pessoas do trabalho para casa ou para escola. Essa foi a configuração principal. A ligação dele com o aeroporto de Salvador é uma forma de expandir o metrô para outros públicos. Quase todos os shoppings da cidade se conectam ao metrô. Temos hoje uma quantidade de pessoas que usa de forma exclusiva o metrô sem ser de forma integrada. É um número muito maior do que os 8% que prevíamos. Atualmente, cerca de 20% dos nossos passageiros usam somente o metrô. Temos também uma quantidade grande de usuários que usam metrô junto com carros de aplicativos. Fizemos até uma parceria com uma empresa, para estimular as pessoas a fazerem o primeiro trecho com aplicativo para chegar ao metrô, porque isso facilita a vida e elas podem deixar o carro em casa. Há pesquisas que mostram que muitos deixaram o carro – ou até venderam – para usar o metrô.
RF – Essa movimentação de 400 mil usuários/dia supera o patamar pré-pandemia?
JF – Sim, muito em função do trecho novo, o tramo 3, inaugurado no início deste ano, quando observamos um aumento de 6% e 7% no volume diário. Mas já estávamos quase batendo o nível pré-pandemia, mesmo sem esse trecho. Isso mostra que muita gente ainda está se organizando e entendendo como é usar o metrô.
RF – Muitos sistemas no país não conseguiram ainda atingir, muito menos superar seus patamares antes da pandemia. Por que em Salvador foi diferente?
JF – Há sistemas em que há mais mescla de usuários. Que não atende apenas classe C, D e E, mas tem A e B também. Esses perderam, não conseguiram recuperar ainda. Mas como a grande parte do nosso público é da classe C, D e E, que não aderiu tanto ao home office, as pessoas voltaram a trabalhar efetivamente. Temos também uma característica de estar em crescimento. Somos um sistema novo. Devemos ter pedido alguns estudantes, que agora só fazem ensino à distância, mas trouxemos mais gente. Não se trata de uma recuperação, hoje é como se fosse uma reciclagem. Quando nos comparamos a outros sistemas do Brasil, estamos sempre um pouco melhor.
RF – Como funcionou a banda de demanda e o compartilhamento dos riscos com o governo do estado durante a pandemia?
JF – O contrato prevê um compartilhamento de demanda, mas a parte de caso fortuito já estava incluída. Então, fomos ressarcidos com a demanda perdida com a pandemia. Em relação à demanda prevista inicialmente em contrato, existe uma cláusula de compartilhamento que também funciona.
RF – Como?
JF – Hoje, a nossa demanda é de 400 mil/dia. A previsão inicial para esse tempo de contrato era de 600 mil/dia. Estamos ainda bem abaixo do que foi previsto. Existe uma regra contratual que rege essa diferença. O contrato vem funcionando conforme foi previsto.
RF – Então, o sistema não passou por uma crise financeira durante a pandemia?
JF – Vamos dizer que tivemos uma crise operacional. Obviamente, sofremos com isso, porque a demanda perdida foi recebida posteriormente, não tínhamos a tarifa. Recebi no ano seguinte pelo estado, então teve realmente um impacto financeiro na companhia, mas ela conseguiu seguir adiante, muito em função da solidez do grupo CCR.
RF – O projeto do metrô de Salvador abrange também o município de Lauro de Freitas, mas para expandir até lá, o contrato tem como condicionante um certo volume de passageiros por hora na estação Aeroporto. Ainda está longe de se atingir esse patamar?
JF – Na verdade, são os estudos. Há um gatilho de 6 mil passageiros/hora pico de manhã e à tarde nos dois sentidos na estação Aeroporto, para que os estudos de expansão comecem a ser feitos e sejam entregues ao governo do estado. Hoje estamos em 4 mil. Existe a obrigação de a concessionária fazer esses estudos. A extensão do Tramo 3, com duas estações, foi uma decisão do estado. Apresentamos em 2014 um projeto para essa expansão, o governo do estado construiu e nós operamos. Com a estação Lauro de Freitas é similar. Importante dizer que a estação do Aeroporto já é situada dentro de Lauro de Freitas. O metrô é um sistema intermunicipal.
RF – Em que momento essa demanda deverá ser atingida? Existe alguma previsão?
JF – Não temos previsão, mas sabemos que o estado está avaliando, mesmo sem esse gatilho, a possibilidade de expandir. Porque Lauro de Freitas é um município muito importante na região. Ele traz muitos passageiros e a região Norte de Lauro de Freitas, Camaçari, tem crescido muito. A gente entende que é um caminho natural, independentemente de gatilho ou não, o de estudar algum tipo de situação.
RF – Dentro do contrato de concessão existe a previsão de entrega de outros estudos?
JF – Por parte da CCR, não. No contrato existem dois estudos. Fizemos do Tramo 3, entregue em 2014, e o governo decidiu implementar em 2020, e tem essa possibilidade do estudo para Lauro de Freitas. Existe uma ideia de expansão do Tramo 1 em direção à Barra e Campo Grande, avaliada pelo governo do estado, e que parece que foi incluída no Novo PAC. Estamos aguardando a decisão do estado. Se vierem a fazer, vamos operar como uma obrigação contratual. São expansões de um sistema que realmente tem melhorado a vida do soteropolitano. É natural que o poder concedente entenda que vale a pena expandir esse sistema.
RF – A concorrência com linhas de ônibus municipais e metropolitanas ainda é forte?
JF – Isso é a realidade do Brasil. Quando se coloca um sistema de alta capacidade, há um rearranjo possível e o ideal. Chegamos no possível, dentro da falta de um poder central de definição. Uma boa parte das linhas foram racionalizadas e ajustadas. Até porque temos nove terminais ligados ao metrô, então naturalmente os ônibus foram começando a alimentar esses terminais por uma questão meramente econômica e técnica. Mas, na minha visão, é questão de tempo. Porque é o tipo da coisa que é ruim para os dois lados. É uma tendência que vai acontecendo à medida em que o sistema de alta capacidade for entrando. Hoje, temos o melhor sistema de integração tarifária do Brasil. Se você pegar um ônibus metropolitano e o urbano, vai pagar duas tarifas. Se você fizer isso através do metrô, paga uma tarifa só.
RF – O metrô não alcançou a demanda prevista incialmente devido principalmente a essa concorrência?
JF – Fazendo um recorte entre a nossa demanda e a demanda que deveríamos ter, nós temos a questão da racionalização do sistema que não foi totalmente feita. Eu creditaria uns 40% dessa diferença. Uns 10% disso de saldo de pandemia ainda, que não conseguimos recuperar. E o restante por questões estruturais. Lá atrás também o projeto de matriz de origem e destino de Salvador era outro. Vou dar um exemplo: Lauro de Freitas era uma cidade dormitório. Mas nos últimos anos cresceu muito, começou a ter hospital, escola, empresas. As pessoas que moram lá não precisam mais sair da cidade, vêm com menos frequência a Salvador. Isso mudou um pouco as viagens previstas. Por outro lado, teve gente que morava em Salvador e agora está em Lauro de Freitas. A crise econômica também afeta a dinâmica. Acho que 80% da variação é metade econômica, metade devido à concorrência e tem uns 10% que veio da pandemia.
RF – Com a estação Lauro de Freitas esse patamar de 600 mil deverá ser atingido?
JF – Vamos avançar, mas esse patamar eu já acho que não é mais viável, é uma realidade completamente diferente. Acho muito difícil de acontecer diante do que a gente vê hoje e das tendências de médio a longo prazo. Mas a gente pode se aproximar dele, eliminando as concorrências e ajustando o sistema, isso já dá um grau. Quanto à economia, parece que estamos retomando. Isso por si só, também, já traz um pouco mais de passageiros.
RF – E se expandir a linha significativamente?
JF – Se expandir vai crescer a demanda, mas falar que vai chegar nessa quantidade eu não consigo prever, porque o transporte é tão dinâmico…As pessoas têm menos interesse de sair de casa. Por uma mudança de comportamento. Acho que temos que aperfeiçoar a nossa qualidade de serviço, para voltarem ao transporte público. O problema do Brasil é que o transporte público tem um viés ruim para as pessoas. Se você puder ir de carro ou de transporte público, você vai de carro. O que não acontece em outros locais.
RF – Há alguma discussão junto ao estado para que a CCR Metrô Bahia construa novas estações/linhas?
JF – Existe a possibilidade, sim. Até pela própria orientação do grupo CCR, de trabalhar no estímulo do crescimento do transporte público sobre trilhos. Só que é preciso analisar caso a caso. O grupo é bem realista na questão de alocação de capital. É uma questão que afeta o resultado da companhia. Temos que estar sempre balanceando prós e contras desses investimentos.
RF – A concessionária avalia alguma questão nesse sentido, no momento?
JF – Não. Nesse momento, não. Entendo que o estado vai nos procurar para alguma negociação, se tiver alguma coisa nesse sentido.
RF – O projeto de VLT, que substituiu o famigerado monotrilho, deve impactar positivamente a demanda do metrô?
JF – Até onde conhecemos o projeto, o VLT encosta no metrô nas duas linhas: em Águas Claras, na Linha 1, e em Barra da Paz, na Linha 2. Então, há uma conexão muito interessante. Quanto mais robusto ficar o sistema de alta capacidade, na região metropolitana, melhor para os sistemas. Com o sistema mais eficiente, as concorrências começam a sucumbir. Eu acho que vai ter um benefício muito grande, de longo prazo, para a região metropolitana e até para desenvolvimento urbanístico, novas áreas da cidade crescendo. A gente vê com muito bons olhos essa implantação.
RF – A frota de trens é suficiente hoje para as expansões inauguradas e previstas?
JF – Temos 40 trens, de quatro carros. Obviamente por haver menos passageiros do que prevíamos, temos uma pequena folga de frota. Mas com o tempo essa folga não vai existir mais, então o estado já está analisando a compra de trens adicionais para esse Tramo 3 que começamos a operar. Aquisição de frota é de responsabilidade do poder concedente, assim como a expansão do sistema.
RF – As duas estações inauguradas já demandam mais trens?
JF – Para essas duas estações a gente vai precisar de trens, mas não agora. O governo do estado já está iniciando os estudos para a compra de sete a oito trens.
RF – Para quando seria?
JF – É um processo que acontece pelo poder concedente. Sinalizamos essa necessidade, e eles estão fazendo os estudos. Pela nossa conta, em torno de sete, oito trens, mas essa decisão da quantidade é deles. Porque é uma questão que roda internamente lá dentro. Mas estimamos que em três anos mais ou menos a gente já tenha que começar a colocar trem novo no sistema.