Por Daniel Rittner
Antes de desfilar um festival de propostas vagas para a área de infraestrutura na campanha eleitoral, os presidenciáveis e seus conselheiros econômicos deveriam ir ao site da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e baixar gratuitamente um documento de 165 páginas que ficará disponível nos próximos dias.
Ideias como expandir as ferrovias, universalizar o saneamento básico e promover a autonomia de agências reguladoras são lugares-comuns no discurso de candidatos de direita, de esquerda ou de centro. A necessidade de um ambiente favorável à ampliação de investimentos privados para se contrapor à escassez de recursos orçamentários na infraestrutura tornou-se um mantra, como sinal de rendição à realidade, até mesmo entre os apreciadores de maior intervencionismo estatal.
É preciso, no entanto, ir além de clichês quando se apresenta a oportunidade de pensar sobre o futuro do país. O documento da FGV, elaborado por pesquisadores do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri) e coordenado pela economista Joisa Dutra, tem como mérito qualificar essa agenda de convergências e permitir que ela seja aprofundada a partir de bases consensuais menos rasas.
Um documento para deixar menos raso o debate presidencial
Veja-se o caso do saneamento, um dos três setores analisados na primeira parte do relatório, que contempla ainda um raio-X sobre transportes/mobilidade urbana e energia/gás natural.
A ONU identifica 90 países que não vão atingir a meta de universalização dos serviços até 2030 – o Brasil é um deles. A coleta de esgoto alcança só 52% da população. Há 110 mil quilômetros de trechos de rios comprometidos pelo excesso de carga orgânica. Seria necessário aplicar R$ 15 bilhões por ano, durante uma década e meia, para levar abastecimento de água potável e esgotamento sanitário para toda a população.
Esse dinheiro não vai brotar dos orçamentos estaduais ou municipais. Mesmo quando há recursos disponíveis, o poder público entrega apenas 65% das obras contratadas após um período de oito anos, segundo levantamento do Ceri. Alguma dúvida se é o caso de aumentar a participação do setor privado?
Dezoito Estados manifestaram interesse em entrar com suas companhias de saneamento no programa federal de concessões e privatizações, mas não houve tempo suficiente nem clima político para avançar no atual mandato. Estruturar um marco regulatório coerente, com tarifas justas e segurança ao investidor, passa a ser então o ponto de partida para o próximo governo.
A segunda parte do documento traz um olhar acurado sobre o estado das agências. Descobre-se ali como a demora do Executivo para substituir dirigentes, quando há vacância nos cargos, enfraquece a capacidade decisória dos órgãos reguladores. Foram 117 meses acumulados de diretores interinos na ANTT, 58 meses na Antaq, 42 meses na Anatel. Os cortes no orçamento das autarquias têm ficado entre 20% e 30% dos recursos alocados.
Uma nova lei geral das agências tramita no Congresso e talvez ainda seja aprovada neste ano, com critérios mais rigorosos de seleção dos diretores e medidas para dar mais transparência nas decisões, mas a prova dos nove será sua implementação. A melhoria efetiva do ambiente de negócios dependerá do compromisso explícito do novo mandatário com a autonomia financeira e operacional dos reguladores.
O terceiro item do tripé são os mecanismos de financiamento e alocação de riscos. Se tudo der certo, investimentos em projetos de infraestrutura vão requerer R$ 8 trilhões nos próximos 20 anos. Está claro que a contribuição do BNDES, hoje maior agente de crédito, ficará aquém das necessidades.
O centro de estudos em regulação da FGV levanta propostas interessantes: ajustes para aumentar a atratividade de debêntures incentivadas, a criação de títulos de infraestrutura nos moldes das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), um novo índice de sustentabilidade com a certificação verificável de projetos para financiamento dedicado a “ativos verdes”.
Daniel Rittner é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Ribamar Oliveira