Trilhos turísticos no Sul

Com seu tradicional Trem do Vinho, o roteiro ferroviário gaúcho ganhará outro percurso em breve, o Trem do Pampa

O tec tec do contato roda-trilho e o apito do trem chamam a atenção das pessoas em Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, mesmo que a Maria Fumaça ainda não tenha surgido no horizonte, acendendo o alerta do “lá vem o trem”. Em poucos minutos, em meio à grande expectativa, surge a imponente Mikado 156, uma locomotiva a vapor fabricada nos Estados Unidos, em 1941, puxando seis carros de passageiros.

A euforia é por conta da chegada do famoso Trem do Vinho, que percorre um trajeto de 23 quilômetros entre as cidades de Carlos Barbosa, Garibaldi e Bento Gonçalves, com duração de cerca de duas horas. A viagem é um dos principais atrativos do Rio Grande do Sul, estado que deverá abrigar, em breve, outro passeio turístico: o Trem do Pampa, que percorrerá 20 quilômetros entre Sant’Ana do Livramento e Cerro de Palomas. Tanto o Trem do Vinho quanto o Trem do Pampa são de responsabilidade da operadora Giordani Turismo.

O Trem do Vinho é um passeio regado à nostalgia ferroviária e também à história da colonização italiana. No percurso ida e volta, a Maria Fumaça utiliza, em média, de 800 quilos a 1 tonelada de pequenas toras de madeira. A lenha ecológica, chamada de briquete, é feita com pó de serragem, proveniente da reciclagem de produção da Tramontina, tradicional empresa de utensílios domésticos que diversificou seus produtos ao longo dos anos e conta com um portfólio, inclusive, de componentes ferroviários.

“É uma lenha ecológica que não polui o meio ambiente, quando cai a brasa no chão ela se apaga e não tem perigo de incendiar a máquina”, explica o maquinista Rafael Molina, que atua na função há cinco anos. Além dele, a composição conta com um auxiliar de maquinista e um foguista, responsável pelo abastecimento da fornalha e da água na caldeira da locomotiva ao longo do percurso.

Maria Fumaça

A locomotiva a vapor Mikado 156 opera há 30 anos no Trem do Vinho. Durante muitos anos, a máquina puxou vagões de cargas e de passageiros em Tubarão (SC). Ela foi fabricada pela American Locomotive Company e operava na antiga Estrada de Ferro Donna Thereza Christina, projetada para o transporte de carvão mineral entre a então localidade de Minas, atualmente cidade de Lauro Müller, e o porto de Imbituba, ambos em Santa Catarina. A atual concessionária do trecho é a Ferrovia Tereza Cristina (FTC), que o opera desde 1997.

A Maria Fumaça possui uma caldeira, onde a água é aquecida com lenha ou briquete. Quanto atinge o estado de ebulição, transforma-se em vapor, pressurizando o corpo cilíndrico da locomotiva que servirá de energia, conforme a demanda de consumo. O vapor é distribuído nos cilindros de força, através dos cilindros de distribuição de vapor e pressão, que deve ser entre 100 e 150 libras. Esse é, tecnicamente, o processo responsável pela tração da locomotiva.

A cada viagem, ida e volta, são utilizados 8 mil litros de água.

A composição do Trem do Vinho é formada pela locomotiva e seis carros de passageiros, que contam com poltronas duplas bidirecionais, que permitem ser ajustadas para que fiquem frente a frente, para a acomodação de grupos de quatro pessoas. A capacidade dos carros varia entre 55 e 60 passageiros, totalizando cerca de 350 pessoas por trem. Todos eles possuem numeração. O de número 215 é preservado e já foi cenário para a gravação de programas televisivos e de filmes de repercussão nacional. A composição pesa em torno de 300 toneladas.

A linha ferroviária onde hoje circula a rota do vinho começou a ser construída em 1909 e foi concluída em 1919. Era utilizada para o transporte de passageiros e de cargas – sendo suspenso, respectivamente, entre os anos 70 e 90. A ferrovia corta as cidades de Carlos Barbosa, Garibaldi e Bento Gonçalves, sendo a primeira e a última pontos de partida do trem e em Garibaldi a parada para degustação. O trilho vai margeando as cercas das casas, trechos urbanos com cruzamentos rodoferroviários, áreas industriais e de vegetação. Durante o passeio, o trem para na estação de Garibaldi, onde é feita a degustação de vinhos, espumantes e sucos de uva da região.

Durante a viagem são realizadas apresentações culturais dentro do trem, que animam as pessoas que fazem o passeio, acompanhadas de degustação. A Maria Fumaça realiza trajetos diários desde 1992, ano em que a Giordani Turismo se tornou a operadora oficial do passeio. No fim do percurso, os turistas podem fazer uma imersão na cultura italiana no Parque Cultural Epopeia Italiana, com um espetáculo com nove cenários em tamanho real e que retratam a história real do casal Lázaro e Rosa, imigrantes italianos que passaram por inúmeras dificuldades ao chegar ao Brasil e prosperaram nas terras gaúchas.

Lá vem o Trem do Pampa

O pampa gaúcho (nome que se dá à vegetação da região, composta por campos em planície e área de pasto) deve ganhar ainda neste segundo semestre um novo trem turístico em Sant’Ana do Livramento. Mais moderno que o trem da Serra Gaúcha, o percurso será realizado pelo modelo “VLT Prosper”, produzido pela Marcopolo Rail e entregue em julho deste ano.

Para a implantação do trajeto entre as estações Livramento e Palomas, a Giordani Turismo está realizando roçada e manutenção de trilhos, dormentes e da via férrea. A reforma e melhorias na estação férrea de Livramento, que será usada como bilheteria e área de acesso à plataforma de embarque do passeio, já foram concluídas. A empresa de turismo tem a autorização da Rumo, concessionária do trecho, para operar o trem e regularmente é auditada pela operadora ferroviária, de acordo com as normas para o transporte de passageiros.

No deslocamento de 20 quilômetros entre as estações Livramento e Palomas, o Trem do Pampa também terá atrações turísticas e culturais, como no Trem do Vinho. Com janelas panorâmicas, ar-condicionado, sistema de som e imagem, poltronas reclináveis e acessibilidade, o VLT é composto por dois carros, que foram batizados de “Tannat” e “Cabernet”, nomes das uvas usadas na produção de vinhos na região.

A fabricação do VLT Prosper é 100% nacional, com condução bidirecional, tração diesel-hidráulica e velocidade máxima operacional de 80 Km/h. O VLT foi transportado por duas carretas para cargas especiais, que percorreram mais de 730 quilômetros entre Bento Gonçalves e Sant’Ana do Livramento. A operação envolveu 35 pessoas. Ele foi produzido em Caxias do Sul e levado, primeiramente, para Bento Gonçalves para testes. Os testes técnicos foram iniciados em Sant’Ana do Livramento na segunda quinzena de julho.

Inicialmente, o passeio será operado apenas aos sábados, em dois horários, sendo a primeira saída às 14h (sentido Sant´Ana do Livramento/Palomas, visitação à Vinícola Almadén e retorno de ônibus até a estação férrea de Livramento; e a segunda saída partindo de ônibus da estação de Livramento, às 13h30, com visita à Vinícola Almadén e, em seguida, embarque no Trem do Pampa na estação Palomas, finalizando o passeio de volta à estação de Livramento. Cada horário poderá ter até 100 passageiros e os roteiros têm duração aproximada de 2h30, sendo 1h10 a bordo do trem.

“É mais um sonho que estamos construindo, sempre de olho no desenvolvimento do turismo aliado à nossa expertise em trens e no bom atendimento”, afirma Susana Giordani, diretora geral da Giordani Turismo.

21/09/2023 – Revista Ferroviária – Edição Julho/Agosto – 2023