NOSSAS CIDADES MUDARAM. As cidades históricas, fortificadas, deram lugar ao comércio aberto, mas ainda local. Antes da revolução industrial, as pessoas moravam e trabalhavam praticamente no mesmo lugar, fossem artesãos, agricultores ou mesmo comerciantes. As distâncias a percorrer eram curtas e passíveis de serem feitas a pé ou a cavalo.
A revolução industrial separou os locais de trabalho e moradia dos trabalhadores. A produtividade nas cidades, bem maior que no campo, atraiu investimentos e por consequência mais pessoas para nelas morarem. As cidades se expandiram e as distâncias a percorrer foram ficando cada vez maiores. E o crescimento da indústria fez surgir os serviços coletivos de transportes. O atendimento por bondes e trens se implantou no Brasil e no mundo.
A expansão urbana, a carência de investimentos nos serviços públicos de transporte, as facilidades para aquisição e uso dos automóveis terminaram em um círculo vicioso, por reduzirem as vantagens de uso dos bondes e trens relativamente ao uso dos ônibus e posteriormente destes em relação aos automóveis.
As consequências hoje são claramente vistas. Como regra, nas grandes e médias cidades brasileiras, os deslocamentos diários se tornaram mais difíceis: maior distância a percorrer, passagens mais caras, viagens mais demoradas, mais desconfortáveis etc.
As decisões, quase sempre com foco no curto prazo, visaram reduzir esses tempos de viagem e não eliminar ou reduzir o que provocava esses aumentos: espraiamento urbano e os investimentos que invariavelmente o alimentavam.
De igual forma, também não entravam em pauta discussões sobre o modo como o setor transportes poderia ajudar na construção de um modelo mais equilibrado de cidade, compacto, inteligente e socialmente inclusivo. Pelo contrário, implantaram-se investimentos que mais ainda provocavam o espraiamento. Esses investimentos facilitaram o uso de automóveis e, somente como segunda derivada, o uso dos modos coletivos. Isso sinalizava às famílias e ao setor imobiliário que havia vantagens em morar longe. O uso do automóvel seria a felicidade e a solução de todos os problemas!
A CONTA CHEGOU. Nossas médias e grandes cidades são espraiadas e isso nos custa caro. Muito caro.
O processo que alimenta o morar longe resulta em elevados custos para a sociedade: mais ruas, mais sinalização, mais varrição, mais canalização de água e de esgoto, mais rede de energia e de fibra ótica, maior distância para coletar resíduos etc. e, evidentemente, maior distância e tempo de viagem todo dia a percorrer.
As cidades brasileiras, mesmo as mais ricas, não dispõem de recursos para sustentar esse modelo. Ainda que tivessem, não seria racional. É urgente, portanto, tratar desse assunto, estancar esse processo que faz nossas cidades ficarem mais custosas e excludentes, aumenta o custo de tudo o que nela se produz e exige sacrifícios diários de seus habitantes, em especial daqueles em piores condições socioeconômicas.
Dispor de boa mobilidade é imprescindível não apenas para a economia urbana e muito especialmente para as famílias e para a cidade em geral. O círculo vicioso precisa ser quebrado.
TRILHO É POP. O trilho é pop em razão do importante papel que pode ter na redução do espraiamento e dos custos urbanos.
Mais que as vantagens operacionais usualmente ressaltadas relativas à alta capacidade, velocidade adequada, custos de longo prazo e não poluição, os sistemas de modos de transporte sobre trilhos podem ter papel estratégico na (re)estruturação das cidades brasileiras e na redução dos custos para a população e para as atividades sociais e econômicas em geral.
Reestruturação, sim, porque as cidades continuaram mudando. E nas últimas décadas mudaram muito mais ainda. Estão em contínuo processo de transformação, e uma de suas características importantes é o surgimento de novas centralidades, uma resposta e também uma oportunidade para conter a hipertrofia dos núcleos centrais dessas aglomerações.
Diferentemente do passado, essa estrutura de transporte precisa estar articulada com o planejamento urbano, integrados.
Os modos de transporte possuem características variadas e, por isso mesmo, têm usos e objetivos distintos, além de diferentes impactos na urbanização.
As características técnicas e operacionais dos sistemas sobre trilhos, associadas a políticas inteligentes de ocupação urbana, podem incentivar dois importantes movimentos para conter ou minimizar o espraiamento urbano: a indução do adensamento nas proximidades das estações, com redução das distâncias entre essas atividades e multiplicação de oportunidades de interação social e econômica no ambiente próximo, promovendo então o desenvolvimento local; e a indução à articulação entre as novas centralidades, interligando centralidades menores e oferecendo oportunidades de realização de atividades sociais e econômicas alternativamente ao núcleo central da aglomeração, tudo isso sem desperdiçar espaço.
Os sistemas sobre trilhos, como vistos acima, têm grande potencial para ajudar a conter o espraiamento urbano, para a redução dos custos de transportes e para a melhoria da produtividade em nossas cidades, produtividade esta imprescindível para alcançar melhores padrões de desenvolvimento.
Os sistemas sobre trilhos serão fundamentais, portanto, para permitir às cidades brasileiras extrair o melhor dos esperados impactos decorrentes dos avanços tecnológicos que modificarão profundamente a mobilidade urbana no mundo.
Sim, o trilho é pop. Pop de população.
Romulo Orrico é Membro titular do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior da CAPES e coordenador da Área de Engenharias 1 da CAPES.
Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.
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