Ano passado, sem pandemia, circulação foi interrompida 70 vezes; Supervia faz levantamento e admite que precisa de reforço na segurança. Vagões passam por 122 comunidades
Cenas como as desta segunda-feira — de interrupção dos ramais da Supervia — em decorrência de tiroteios e confrontos entre policiais e bandidos, é mais comum que se imagina. Só no ano passado, ao menos 70 interrupções desse tipo foram feitas pela empresa que administra os trens do Estado do Rio. Neste ano, já são 24 ocorrências nos trilhos da companhia, que corta 12 municípios do Rio de Janeiro. Nesta manhã, criminosos chegaram a sequestrar uma locomotiva de manutenção para fugir da polícia.
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Desde o início de 2020, a concessionária informou que já registrou 24 alterações na circulação dos trens por causa de tiroteios nas proximidades das estações. Ao todo, foram 34 horas e 44 minutos de paralisações. Os ramais afetados foram Saracuruna (17 ocorrências, com 18 horas e 21 minutos); Belford Roxo (5 ocorrências, com 15 horas e 50 minutos) e Santa Cruz (2 ocorrências, com 33 minutos). No ano passado, foram 70 tiroteios, que culminaram em 69 horas e 10 minutos de alterações na circulação.
Pelo menos um milhão de passageiros foram afetados por essas paralisações momentâneas. Na manhã desta segunda-feira, por conta de uma operação policial na Comunidade do Jacaré, na Zona Norte do Rio, a Supervia precisou paralisar o serviço por quase seis horas no ramal Belford Roxo. Só nesta ação, cerca de 200 mil passageiros foram afetados. Criminosos que fugiram do Jacaré em direção à Mangueira sequestraram uma locomotiva de manutenção e obrigaram quatro funcionários a os levarem até as proximidades da estação de São Cristóvão.
Antônio Carlos Sanches, presidente da Supervia, conta que, após tiroteios, é feita uma ação preventiva de manutenção antes de os trens serem liberados. Foi neste momento, que a locomotiva de serviço foi alvo de criminosos. Ele dá detalhes de como agiram os bandidos.
— Por volta das 5h a operação do ramal Belford Roxo foi interrompida. Houve um bloqueio na região e policiais acessaram a via férrea para a ação. Depois que acontece um tiroteio, a gente desloca um trem de manutenção, que é uma locomotiva, que puxa um vagão com equipamentos e ferramentas para fazer a vistoria na rede elétrica, porque muita das vezes a rede elétrica é atingida e nossos trens a não tendo como circular. Nessa vistoria, o pessoal que estava próximo à estação de Triagem, por volta das 7h, foi surpreendido por mais de 10 bandidos armados que acessaram a linha e abordaram a locomotiva que tinha dois maquinistas, um agente de plataforma e um funcionário da manutenção. Eles obrigaram que os maquinistas os levassem até a estação próxima da Mangueira. Ali, eles desembarcaram e saíram do sistema — contou Sanches.
Segundo a empresa, o trajeto é de pouco menos de 2 quilômetros. Depois do sequestro, os funcionários seguiram até a Central do Brasil onde foram medicados e receberam atendimento psicológico e médico. De acordo com o presidente da empresa, os profissionais ficarão afastados de 15 a 30 dias para se recuperarem.
— Quando acontece alguma coisa desse tipo eles são afastados do trabalho, alguns ficam de 15 a 30 dias (em casa) dependendo do estado emocional de cada um. A gente dá toda a assistência.
Após o crime, a Supervia entrou em contato com o Grupamento de Policiamento Ferroviários (GPFer) e registrará o boletim de ocorrência na 17ª DP (São Cristóvão). Segundo o delegado Márcio Esteves de Jesus, titular da distrital, dois dos dez criminosos já foram identificados. Dois menos foram apreendidos por agentes da Unidade de Polícia Pacificadora da Mangueira nas proximidades da estação de São Cristóvão. Com os adolescentes, a PM diz ter encontrado material de contabilidade do tráfico.
Não é a primeira vez que traficantes em fuga sequestram um trem da Supervia. Em setembro do ano passado, seis criminosos em fuga e armados de fuzis entraram em uma composição do ramal Gramacho-Saracuruna. O bando viajou por aproximadamente seis quilômetros até desembarcarem nas proximidades da Mangueira.
— Essa ocorrência foi em um trem de serviço, mas no ano passado tivemos uma ocorrência semelhante onde seis bandidos entraram, três na cabine do trem e três no primeiro vagão, também armados de fuzis, e ordenaram que o trem seguisse viagem. Essa composição tinha passageiros. Então, em um prazo de menos de um ano é a segunda vez que isso acontece — conta Antônio Carlos Sanches.
Empresa reconhece que segurança é ‘insuficiente’
A Supervia tem 270 quilômetros de trilhos e corta dezenas de municípios da Baixada Fluminense. Segundo a empresa, os trens da empresa cortam 122 comunidades. Muitas delas, com bocas de fumo na linha férrea. Para a direção da concessionária, o ramal mais crítico é o de Belford Roxo. São 32 quilômetros dos mais variados problemas e falta de segurança.
— Nesse ramal passamos por diversas comunidades. Muitas delas conflagradas. Mas, temos outros locais. Na semana passada tivemos um tiroteio ao lado da estação de Barros Filho que aconteceu próximo de uma passarela e isso afetou a estação como um todo: um clima de terror — lembrou o presidente da empresa.
De acordo com levantamento da Supervia, criminosos abriram ilegalmente em todos os cinco ramais 180 passagens de níveis irregulares. Oficialmente, a empresa tem 90 passagens.
— (Essas passagens) foram abertas ou pela população, ou a maioria delas abertas por bandidos para atividades ilegais. O pessoal quebra o muro para fazer uma passagem e circular por ali de um lado e por outro. A maioria se encontra nos ramais de Belford Roxo, Santa Cruz, e Japeri, mas em todos os ramais tem essas passagens de níveis irregulares — destacou Antônio Carlos Sanches.
Atualmente, a empresa conta com cerca de 700 agentes de seguranças e de plataforma, os que orientam os passageiros. No entanto, nenhum deles tem poder de polícia. Quando acontece alguma intercorrência, a empresa solicita o apoio do GPFEr. Outrora com um contingente de 400 policiais, hoje o batalhão ferroviário conta apenas com 90 agentes. Para a Supervia a quantidade de PMs para a quantidade de quilômetros a serem patrulhados é pouco.
— É insuficiente. Apesar de eles fazerem um ótimo trabalho, são poucos. Temos conversado frequentemente com o governo do estado e as policiais (Militar e Civil), muitas vezes temos apoios em operações. Mas tudo é muito pouco e insuficiente. O fato é: pelo trajeto que cruzamos, é importante ter não só um trabalho de inteligência, mas um trabalho mais ativo de policiamento e fiscalização em alguns locais. É preciso ter mais ações para desmontar o crime em algumas regiões que passamos — afirma Antônio Carlos Sanches.
19/10/2020 – O Globo