Não se faz ferrovias de forma emergencial. A frase é consensual entre representantes do setor ferroviário e foi muito falada nas duas últimas semanas em virtude da paralisação dos caminhoneiros, que gerou desabastecimento em todo o país.
Para se desenvolver, o transporte de cargas e de passageiros por meio das ferrovias e trilhos urbanos brasileiros depende de planejamento de longo prazo, na avaliação de Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários).
“Há um problema estrutural no país, de algumas décadas, que é a falta de planejamento de longo prazo. As ferrovias representam um setor de capital intensivo e longa maturação. É preciso tratá-lo como uma política pública estruturada”, afirmou.
Hoje, o setor responde por 15% do total de cargas transportadas no país, segundo a ANTF. Para a CNT (Confederação Nacional do Transporte), o índice é de 20,7%. Independentemente do patamar, há campo para crescimento, especialmente no agronegócio, segundo Paes.
O problema atinge também o transporte de passageiros por meio dos trilhos. Com malha viária –incluindo metrô, VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos) e trens– de somente 1.040 quilômetros, o país já tem necessidade de pelo menos mais 800 quilômetros de trilhos, segundo João Gouveia, diretor-executivo da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).
O investimento para que isso seja possível é estimado em R$ 167 bilhões. Mas, conforme Gouveia, a ausência de política pública para o setor é o grande entrave.
“Para conceber, fazer ordem de serviço, entrar em fabricação e colocar em operação são necessários três ou quatro anos. Curto prazo para a gente são quatro anos.”
De acordo com Paes, porém, um ponto positivo no setor de cargas foi que, mesmo com a mudança de comando na Presidência da República, houve a manutenção do processo de renovação das concessões das ferrovias.
“Com isso, abriu-se a possibilidade real para uma plataforma de investimentos muitíssimo significativos de curto e médio prazos, capazes, aí sim, de alterar a participação do modal na matriz de transportes.”
Segundo a CNT, o setor é o segundo em volume de cargas transportadas, atrás do sistema rodoviário (61,1%) e à frente do aquaviário (13,6%), dutoviário (4,2%) e aéreo (0,4%).
Sem impacto
Paes disse ainda que a paralisação dos caminhoneiros nas rodovias do país não gerou impactos perceptíveis na rede ferroviária nacional.
“Os contratos ferroviários são, em geral, bastante complexos e de longo prazo. Você não contrata um ou dois vagões de uma hora para outra para levar uma pequena carga de um lugar para o seu destino final. É preciso aqui também planejamento, neste caso, das empresas.”
Desde o início das concessões, em 1997, as ferrovias tiveram aumento de mais de 170% no volume transportado, de 137 bilhões de toneladas para 375 bilhões.
02/05/2018 – Folha de São Paulo