Transporte de SP é melhor do que paulistanos pensam, diz diretor inglês

Damian Brown, diretor de desenvolvimento de negócios do aplicativo Citymapper, tem como uma de suas funções viajar pelas metrópoles do mundo para testar o transporte público de cada uma delas e coletar dados sobre o tempo de viagem.

Brown esteve em São Paulo durante duas semanas e andou em todas as linhas de metrô e trem e fez alguns trajetos de ônibus, para conferir se os dados passados pelo governo estavam corretos. Essas informações são usadas pelo app para calcular rotas com mais precisão.

“O transporte de São Paulo é muito bom. As pessoas que o criticam deveriam experimentar”, disse, em entrevista no espaço de coworking usado pelo aplicativo em Londres.

Damian conhece bem a cidade. Na década de 1990, ele morou por três anos na Vila Mariana e trabalhou em uma fábrica de escovas em Diadema. Engenheiro mecânico, ele mudou de área após fazer um MBA e trabalha com dados de transporte há mais de uma década. Leia a seguir a entrevista.

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sãopaulo – Como avalia o transporte de São Paulo?

Damian Bown – Passei duas semanas andando em todas as linhas do CPTM e do metrô, cronometrando tempos de viagem. O transporte da cidade é muito melhor do que a maioria dos paulistanos acha. As estações são super limpas e, geralmente, modernas. Tem gente que reclama que a transferência na Paulista é lotada, mas é igualzinho a passar em Embankment às 8h da manhã. Essas redes são feitas para estar cheias na hora do pico. Quem usa carro em Sâo Paulo como desculpa de que o sistema não funciona tem que tentar usar uma vez. Vão descobrir que os sistemas estão melhores do que imaginavam.

Não presenciou superlotação?

Sim, quando cheguei a Guaianases. Estava tão lotado que não consegui levantar meu braço para ver meu relógio. Tive que voltar no dia seguinte para pegar o tempo.

E os ônibus?

São bons, mas o problema é que eles enfrentam o trânsito e os motoristas de Sâo Paulo, que fecham cruzamentos, travam ruas. Nas faixas exclusivas, funcionam muito bem.

Como é a relação com o governo?

A prefeitura [de São Paulo] faz um trabalho bem feito com os dados abertos. A qualidade dos dados é razoável, mas não suficiente para onde precisamos chegar. Às vezes, percebemos que os dados do site da SPTrans estão melhores do que os que recebemos. E falta uma relação mais próxima para passarmos a eles os feedbacks dos usuários sobre erros nos dados. Não é enviar um e-mail de vez em quando. Precisa ter um formato que precisa ser combinado. Recebemos centenas de milhares de feedbacks. Todos os dias, em Londres mandamos informações para a TFL (órgão de transporte local) e uma vez por semana, temos um telefonema para rever esse feedback. [Procurada, a SPTrans disse que “não há versões e/ou acessos diferenciados aos usuários” e que disponibiliza um formulário para desenvolvedores enviarem sugestões].

Há planos de mapear locais de risco para criar rotas seguras?

Estamos tentando melhorar nesse aspecto, mas precisa ser feito com cuidado. Onde você chama de favela, tem um morador ali que pega ônibus todos os dias. Se tiro essas rotas do sistema, essas pessoas não terão como ir para casa. E de onde vou pegar esses dados sobre quais lugares são perigosos? Onde você não vê problemas, outra pessoa pode não querer passar ali sozinho. Até agora, acho que ninguém resolveu esses aspectos.

O relevo de São Paulo atrapalha o uso da bicicleta?

Impedimento é, mas tem muito lugar que é bom para andar de bicicleta, como entre Jardins e Vila Olímpia. Se já está lá em cima, na Paulista, indo pro Paraíso, não é tão íngreme. Mandamos alguém ir checar no local as rotas por ciclovias antes de incluir no app.

Como mudar a cultura que privilegia o carro?

Tem que fazer pequenos passos em ambos os lados. Não só colocar multas nos carros, mas fazer melhorias nos ônibus, como no sistema de bilhetagem. Ruas de Londres estão sendo estreitadas para virar ciclovias, inclusive avenidas principais. A opinião pública já aceitou. A guerra já passou. Nâo tem um lobby do carro que atrai audiência ao defender as ruas para automóveis.

Porque aplicativos para motoristas vieram primeiro?

Para montar algo como o Waze, só precisa de marketing para atrair usuários, e estes geram os dados, o que facilita a expansão. O Citymapper depende das políticas de dados abertos de cada cidade. Se eles não existem, temos que ir lá e trabalhar. Em Istambul, não havia dados e os usuários se juntaram para organizar as informações sobre as linhas. Os dados fornecidos pelos usuários às vezes são melhores do que os das fontes oficiais.

Qual o tamanho do mercado para apps de transporte público?

Uma cidade como Londres tem 10 milhões de viagens por dia em transporte público. São Paulo tem um pouco mais do que isso. Multiplique isso por todas as zonas urbanas do mundo. Esse é nosso público-alvo. Estar na tela principal dos celulares de todo mundo que vive nas cidades grandes vai criar oportunidades de renda no futuro.

E como o aplicativo se mantém hoje?

Temos investidores, que não estão preocupados em gerar renda agora. Eles têm foco em atrair o máximo de usuários pela qualidade do serviço. Se você faz isso, vem renda. No futuro, as fontes podem ser bilhetagem ou venda de serviços para quando o usuário está com tempo sobrando, por exemplo.

Os repórteres Avener Prado e Rafael Balago viajaram a Londres a convite da missão diplomática britânica no Brasil.

06/12/2015 – ANTP