Peter Alouche 200pxpor Peter Alouche

A população brasileira está hoje concentrada nos grandes centros urbanos, o que ocasiona uma imensa demanda por transporte. Essa demanda é em grande parte, mais de 90%, garantida por sistemas de ônibus, cuja capacidade de atendimento é insuficiente na maioria das cidades. Esse fato vem se agravando, em vista da limitação dos recursos públicos para o necessário investimento e o custo expressivo dos sistemas de transporte, principalmente dos sistemas estruturais. Esse panorama acarreta graves entraves na economia das cidades e do País, causados pelos custos operacionais significativos, pelas tarifas sociais subsidiadas, pelo tempo de espera e de viagem dos usuários, além dos grandes congestionamentos e dos problemas ambientais consequentes.

O transporte sobre trilhos em geral não tem sido considerado prioritário no Brasil, por décadas. Isso se torna evidente ao se analisar o Transporte ferroviário de carga, degradado e ineficiente e na grande parte do País inexistente. Um terço dos trilhos de antigas linhas ferroviárias brasileiras está abandonado. Segundo dados da ANTT, dos 28 mil km de malha ferroviária no Brasil, só 8,6 mil são usados, com o resto apodrecendo. Quanto ao transporte ferroviário de passageiros de longa distância, que já teve sua época áurea no passado, é simplesmente inexistente no Brasil.

A rede de transporte metroferroviária é ínfima em face das necessidades das regiões metropolitanas. As redes atualmente em operação, com raras exceções como São Paulo, Rio, Brasília e Salvador, deixam muito a desejar em termos de atendimento às necessidades e à sua qualidade de serviço. Segundo dados da ANPTrilhos de 2016, sua extensão é de 1.000km e sua demanda é de 10 milhões de passageiros/dia, em 40 linhas, o que é muito pouco, considerando que grande parte desse transporte é concentrada em São Paulo e no Rio. Há perspectivas otimistas de que mais 216km de trilhos urbanos sejam implantados nos próximos anos, com a conclusão de 19 projetos já contratados ou em execução.

Os dados publicados pela ANPTrilhos indicam muitas linhas de metrôs, trens metropolitanos, monotrilhos e VLTs contratadas ou em execução, como a extensão de linhas em São Paulo, implantação de VLTs em cidades do Nordeste, em Goiânia e em Cuiabá. Os dados indicam também uma longa lista de Projetos com potencial de contratação até 2022, como o Metrô de Curitiba, novas linhas para Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, VLTs em muitas cidades como Brasília, Salvador, Maceió, Rio de Janeiro etc., além de projetos de trens regionais. Esse quadro extenso poderia nos indicar um panorama otimista, mas infelizmente não é real. Quantos projetos foram prometidos nesses últimos 30 anos e que não saíram do papel, quantos iniciados e não concluídos, para não falar de sistemas mal implantados que não chegaram à uma operação eficiente. É muito triste lembrar de uma edição antiga de uma revista francesa, Le Rail, que estampou em sua capa, em letras garrafais o seguinte título irônico: Brésil… projets… projets… projets…

A preocupação, porém, não é tão somente com os sistemas planejados, mas também e principalmente com os atuais que estão em implantação ou em operação. O sinal amarelo está bem aceso para esses, com perigo de que mude para o vermelho, se não forem tomadas providências urgentes. Um exemplo flagrante de um projeto mal planejado e mal implantado é o sistema do VLT de Cuiabá. Com 44km, previsto para circular em superfície, iniciado em 2012 e licitado pelo valor de R$ 1,47 bilhão, está com suas obras paradas desde dezembro de 2014. Seu material rodante adquirido tem seus 44 veículos imobilizados deteriorando.

Outros exemplos preocupantes são visíveis no que está acontecendo com os sistemas sobre trilhos de Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Esses trens metropolitanos planejados como linhas troncais, aproveitando, em parte, a faixa de domínio de antigas vias férreas em algumas regiões urbanisticamente degradadas e de difícil acesso, dependem fortemente da integração intermodal, mas enfrentam em algumas localidades uma duplicidade de oferta entre o sistema sobre trilhos e a rede de ônibus. Além disso, com a falta de recursos, enfrentam gravíssimos problemas na sua operação e manutenção, demonstrando sinais de franca degradação.

A Trensurb, o Metrô de Recife e o Metrô de Belo Horizonte por exemplo, por falta de recursos do Governo Federal, atravessam momentos difíceis para sua manutenção. Parte de seus trens está paralisada. Os três Metrôs aguardam, há anos, recursos para sua necessária expansão. O caso de Recife é mais emblemático, visto que o Metrô de Recife competia, há uns vinte anos, em termos de limpeza e até de confiabilidade, com o de São Paulo. Não serão analisados aqui os sistemas metroferroviários das outras cidades brasileiras para que o texto não se alongue, nem o transporte regional de passageiros entre cidades, este, aliás, praticamente inexistente no Brasil, a não ser alguns trens turísticos de linhas isoladas.

O caso do Metrô de São Paulo é um caso à parte por ser um paradigma de transporte eficiente e de boa qualidade. Demonstra uma eficiência operacional e um desempenho ímpares, internacionalmente reconhecidos. Sua importância na Região Metropolitana de São Paulo se traduz na excelência do serviço que presta à Cidade e pode ser medido com seus dados operacionais. Nas suas seis linhas em operação, seus 89,8 quilômetros de rede e 79 estações, transporta anualmente mais de 1 bilhão e 300 mil passageiros. O Metrô estatal opera cinco das seis linhas e atende diariamente cerca de 4 milhões de usuários. A Concessionária Via Quatro opera a Linha 4 – Amarela, de 8,9km, com seus trens operando em UTO (sem condutores), considerada uma das mais modernas do mundo, servindo a 780.000 passageiros por dia.

O Metrô de São Paulo é sim um sucesso, mas para ele também o sinal amarelo está aceso. Ao comemorar os 50 anos de existência da Companhia, o Metrô se confronta com um processo acelerado de concessão de suas linhas, por decisão do Governo de São Paulo. A mesma decisão foi anunciada para as linhas da CPTM. Começou com a Linha 4 – Amarela do Metrô, o primeiro contrato de parceria público-privada do País. Foi depois feita a concessão da Linha 6 – Laranja por meio de uma PPP integral, da Linha 5 – Lilás e da Linha 17. Outras já foram recentemente concedidas à iniciativa privada, como também o monotrilho da linha 18 – Bronze e foi anunciada a concessão do monotrilho da Linha 15 – Prata, assim como algumas linhas da CPTM.

Esse processo de concessão não significa obrigatoriamente a degradação operacional das linhas. A Linha 4 – Amarela tem apresentado uma eficiência e uma qualidade de serviço incontestáveis. O que preocupa, isso sim, é a falta total de uma iniciativa clara e firme por parte das autoridades governamentais, para garantir ao Metrô de São Paulo, como empresa estatal, o controle global da operação das linhas sobre trilhos. É absolutamente necessária a criação de um Centro Operacional Global Único, para toda a rede sobre trilhos de São Paulo (incluindo as redes do Metrô e Monotrilhos e da CPTM), a ser operado pelo Metrô.

Também não há garantia de que o Metrô como Autoridade Pública será o gerenciador da expansão da Rede, concebendo as novas linhas, especificando as tecnologias e monitorando a qualidade de serviço das linhas em concessão. Só o Metrô de São Paulo tem a competência e o acervo acumulado para garantir a salvaguarda da tecnologia na mão da engenharia brasileira, portanto só a ele cabe a responsabilidade do seu gerenciamento. Uma eventual Agência de Transporte, a ser criada, cuidaria dos contratos de concessão, mas não teria condições de conhecer e atuar nos meandros da técnica operacional.

Se não forem tomadas com urgência as medidas necessárias, certamente haverá uma degradação da operação das linhas, com a consequente deterioração da qualidade de transporte. O sinal está, portanto, amarelo para todo o transporte metroferroviário do Brasil, indicando a necessidade de ações urgentes e drásticas para que o sinal não fique vermelho. Muitos recursos financeiros serão necessários e será preciso que haja, sem dúvida, uma vontade política sincera e generalizada para obtenção desses recursos. É uma questão vital para a sobrevivência das nossas cidades e para a Economia do nosso País. É uma questão de Segurança Nacional.

Peter Alouche, Engenheiro Eletricista, formado no Mackenzie, pós-graduado para mestrado em Sistemas de Potência na Poli-USP, com diversos cursos de especialização em Transporte Público em universidades e entidades do Brasil, da Europa e do Japão. Foi durante 35 anos metroviário, assessor técnico da presidência do Metrô de São Paulo para Projetos Estratégicos, representante da Companhia na UITP e no CoMET.

 

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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