O setor de infraestrutura deve depender mais dos investimentos privados e de entidades multilaterais para suprir a lacuna deixada pela mudança de papel do BNDES e pela redução dos aportes de recursos dos governos, segundo os analistas da agência de classificação de risco Fitch.
“Privatização, concessão e lucro deixaram de ser palavras proibidas no Brasil”, afirmou Rafael Guedes, diretor-presidente da Fitch Ratings no Brasil em evento promovido pela agência. Para o executivo, o ideal para o país é que entre 3% e 4% do PIB fosse investido em infraestrutura, sendo que o patamar atual do Brasil é de pouco mais de 1%.
Da parte do BNDES, a abertura para parceiros privados ou de órgãos multilaterais como o Banco Mundial é muito bem-vinda, de acordo com Luciane Machado, superintendente do banco para a área de infraestrutura.
Segundo Luciane, o banco tem passado boa parte do tempo recebendo investidores estrangeiros, na maior parte da Ásia, que querem entrar em projetos no Brasil. “A gente ainda está consolidando como devemos nos posicionar, mas já digo de antemão, a gente não se vê fora desse negócio [de infraestrutura]”, afirmou.
Contudo, Luciane reconheceu que o BNDES vai manter uma postura mais contida em relação ao tamanho dos desembolsos para os projetos. “A ideia é ser um financiador de longo prazo que se junta a outros financiadores e não seja o único patrocinador”, ponderou.
Com relação à participação de investidores privados, o interesse nos ativos de infraestrutura existe, mesmo que com pesos diferentes para cada segmento.
A gestora de investimentos Pátria é uma das que declaradamente está interessada no setor, com investimentos recentes em transmissão de energia e rodovias. O foco principal são concessões novas, com o mercado secundário em segundo plano. “Os projetos futuros são melhores que o estoque problemático”, destacou Otavio Castello Branco, sócio da gestora.
Castello Branco exalta que o país já possui grande experiência em concessões de rodovias pedagiadas. O Pátria, inclusive, entrou este ano no setor, com a vitória em um leilão para operação de rodovias no Estado de São Paulo, a partir da criação da Entrevias.
Outros projetos no radar da gestora estão em transmissão de energia, fontes renováveis, gás natural e infraestrutura de telecomunicação. Já as áreas de ferrovias e saneamento são vistas como investimentos mais distantes por ora.
As energias renováveis também são o interesse da Cubico, gestora de investimentos controladas por fundos de pensão canadenses, com foco em fontes solar e eólica.
No Brasil, a Cubico detém 620 megawatts (MW) operacionais de energia eólica dos cerca de 1 gigawatt (GW) já construído no país. “A melhora da atividade econômica, a agenda reformista, são fatores que ajudam a melhorar percepção de risco”, afirmou Eduardo Klepacz, diretor da Cubico no Brasil.
Por negócio, a visão da Fitch é mais positiva em energia do que em transportes, pela maior previsibilidade da regulação. Apesar de uma melhora recente, a perspectiva do setor de transportes no Brasil continua negativa devido ao recuo do tráfego das rodovias nos últimos anos, cuja reversão só começou a aparecer no início do segundo semestre de 2017.
A equipe da agência alertou inclusive para a possibilidade de ocorrerem novos rebaixamentos de participantes do setor, caso o cenário de fluxo nas estradas não melhore. Segundo a analista Alessandra Braga, apenas 35% do portfólio de rodovias acompanhadas alcança nota “AA” ou superior. Em 2015, esse grupo era de 70% das avaliadas.
Outro setor ainda em baixa, segundo a agência, é o de aeroportos, cuja primeira leva de concessões foi fortemente afetada pela queda de demanda e alta necessidade de investimentos.
Do ponto de vista do setor privado, Edson Ogawa, diretor do Santander, acredita que o mercado de capitais sozinho não será capaz de suprir a lacuna deixada pelo banco de fomento. “O financiamento terá de vir de diversas fontes, como os bancos comerciais, com o BNDES ainda mantendo papel muito relevante no crédito de longo prazo.”