Sem dinheiro nos cofres e com dificuldades na prospecção de investimentos privados, governos estaduais estão recorrendo aos chineses como tábua de salvação para reativar suas fragilizadas economias. Uma sequência de missões conduzidas pessoalmente pelos governadores tem ido buscar em Pequim o capital necessário para destravar empreendimentos paralisados com a crise.
A lista de projetos em negociação abrange uma megausina siderúrgica no Maranhão, um porto de águas profundas na Bahia, um trem de passageiros no Paraná e até a ressuscitação da refinaria premium do Ceará, que foi abandonada pela Petrobras.
As recentes turbulências enfrentadas pelas bolsas da China geram certa preocupação quanto à concretização dos projetos, mas a aposta geral é que o país tem interesse de longo prazo no Brasil, principalmente nas áreas industrial e de infraestrutura.
O próximo a pegar um avião com destino à Ásia é o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que deve embarcar até março. “A convite dos chineses”, pontua o chefe da Casa Civil, Bruno Dauster, para ressaltar que o governo estadual tem sido procurado por Pequim com propostas firmes de parcerias. “Não é uma missão para pescar possibilidades de investimentos. Eles querem uma conversa olho no olho para dar prosseguimento ao que já conversamos.”
No topo das prioridades está o Porto Sul, em Ilhéus, que já tem licença ambiental emitida pelo Ibama, mas não saiu do papel. Outro projeto de interesse é a construção do VLT de Salvador. Investidores chineses já estão avaliando os estudos de engenharia referentes a trecho de 20 quilômetros, orçado em R$ 1,5 bilhão. Há ainda a expectativa de aliança para a construção da ponte ligando a capital baiana à cidade de Itaparica. Sonho antigo do governo local, o empreendimento terá 13 quilômetros de extensão e custaria até R$ 7 bilhões.
As principais negociações avançam no âmbito da agenda estabelecida entre a presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Li Keqiang, no ano passado, mas boa parte dos projetos é discutida entre os governos locais diretamente. É o caso, por exemplo, da parceria entre o Ceará e a província de Fujian, que fica no sudeste da China e é o berço político do atual presidente Xi Jinping. Foi ele, inclusive, quem assinou o “protocolo de amizade” com os cearenses quando ainda era governador de Fujian.
Somente no último trimestre de 2015, representantes do governo do Ceará fizeram três visitas à China. Uma delas, realizada em setembro, contou com a participação do governador Camilo Santana (PT). De acordo com o secretário de Assuntos Internacionais do Ceará, Antonio Balhman, os asiáticos se comprometeram a erguer na região do porto do Pecém uma fábrica de equipamentos para geração de energia solar, como medidores inteligentes e conversores. O investimento será de US$ 54 milhões.
A grande expectativa, no entanto, recai sobre a refinaria premium. Projetado para 300 mil barris de petróleo por dia, o empreendimento foi abandonado pela Petrobras após a eclosão da Lava-Jato. Orçada inicialmente em US$ 11 bilhões, a unidade deve custar bem menos nas mãos dos chineses, se houver acordo.
Tão grandioso quanto a refinaria é o projeto de construção de uma usina siderúrgica, com capacidade para até dez milhões de toneladas por ano, no Maranhão. “Já fechamos um contrato de cessão de um terreno de dois mil hectares, no município de Bacabeira, temos um cronograma para a ativação do empreendimento”, diz o secretário estadual de Programas Especiais, Felipe de Holanda. A área é cortada pela Estrada de Ferro Carajás, por onde é escoado o minério da Vale, e tem uma fonte de recursos hídricos – o rio Mearim – muito próxima. “Há uma importante vantagem locacional na região.”
Um projeto de siderúrgica da chinesa Baosteel, Arcelor e Vale idealizado no início da década passada nunca foi adiante. O plano era erguer uma usina em São Luís e houve sérias restrições ambientais. Agora, a usina teria capital 100% chinês, podendo receber financiamento do Novo Banco de Desenvolvimento – o Banco dos Brics.
No processo de discussões, pesa um simbolismo: o governador Flávio Dino é do PCdoB. “Percebemos um tratamento muito especial por parte do Partido Comunista. Para eles, os investimentos no Maranhão também são estratégicos como forma de apoio a um governo de orientação comum”, afirma o secretário Holanda. Ele e o vice-governador estiveram na China em novembro. Uma missão oriental irá a São Luís, em fevereiro, para costurar os detalhes da siderúrgica.
Embora o mundo tenha atualmente uma sobreoferta de aço, Holanda acredita na viabilidade da usina maranhense e ressalta os pontos favoráveis: é um projeto moderno, tem matéria-prima barata nas imediações e facilidade logística. Nem o susto nas bolsas chinesas e agravado pelas incertezas em torno da desvalorização do yuan tira o otimismo. “Ficou barato investir aqui e os chineses têm US$ 1 trilhão em reservas.”
“Hoje a geopolítica mundial, sem desmerecer outras regiões, migrou para a Ásia”, diz o presidente da Agência Paraná de Desenvolvimento, Adalberto Netto, também confiante em que a visão de longo prazo dos chineses prevalecerá sobre o susto nas bolsas. Ele esteve na China, em outubro do ano passado, em missão liderada pelo governador Beto Richa (PSDB). Além das conversas com Pequim, Richa teve contatos diretos com governos provinciais.
Cinco setores são prioritários para o Paraná na atração de investimentos: energia, agronegócio, automotivo, aeroespacial e defesa, cosméticos e biotecnologia. Há esperança ainda em seduzir os asiáticos para o trem de passageiros entre Maringá e Londrina, em um traçado de 150 quilômetros cortando 13 cidades, com chamamento para estudos já lançado.
Netto afirma que o governo estadual também discute com a China uma fábrica de painéis solares e tem conversas adiantadas sobre a instalação de uma montadora de caminhões, mas o projeto está sendo repensado por causa dos problemas na economia brasileira. A recessão encolheu o mercado consumidor e o realinhamento cambial encareceu as importações de autopeças.
O setor de energias renováveis também desperta o interesse chinês em Pernambuco. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Thiago Norões, confirmou negociações com quatro investidores. Dois querem fabricar aerogeradores e outros dois estão interessados em produzir placas fotovoltaicas e componentes para geração de energia solar.