O risco de o Rio de Janeiro ficar sem trens em agosto é real e a ajuda financeira que o estado precisa pode não ser imediata. Apesar de enxergar alguma luz no fim do túnel, o secretário Estadual de Transportes Delmo Pinho não descarta totalmente a possibilidade de um colapso no transporte de passageiros sobre trilhos – principalmente, trens e metrô.

Segundo ele, nesta quarta-feira (29), deverá ser votado em Brasília o projeto de lei substitutivo da Medida Provisória 938, que libera recursos do governo federal para o setor de mobilidade urbana de todos os estados.

“Estou animado. Há um mês e meio, eu e os secretários de transporte de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco estamos negociando uma ajuda do governo federal. O transporte de alta capacidade foi um dos setores mais afetados pela pandemia e é fundamental para a retomada da economia. Os deputados estão empenhados em ajudar os estados. Tanto que o projeto foi acordado e vai ser aprovado imediatamente”, disse Pinho.

No início de julho, a SuperVia informou que os trens podem parar de circular em agosto por falta de dinheiro. Segundo a concessionária, a redução de passageiros na pandemia provocou um prejuízo que pode chegar a R$ 120 milhões. E o pagamento de salários e de fornecedores também será afetado.

Mas mesmo com a aprovação imediata na Câmara, os recursos vão demorar a chegar aos cofres dos estados. Pinho diz que a ajuda federal – cerca de R$ 4 bilhões – viria das verbas não utilizadas do Fundo de Participação de Estados e Municípios. E contemplaria a mobilidade urbana nas cidades das regiões metropolitanas com mais de 350 mil habitantes.

“A liberação desse recurso está condicionada à apresentação de iniciativas para melhorar o controle e dar transparência às atividades de mobilidade urbana. Eles propuseram e nós concordamos em fazer uma preliminar da refundação do transporte público. E para que esse socorro chegue a tempo há até a possibilidade de o repasse ir direto para as mãos dos operadores”, disse Pinho.

Mas, apesar do cenário otimista, a burocracia pode ser um entrave. Para superá-la, Pinho diz que os estados vão ter de fazer um primeiro aporte financeiro às concessionárias, que no caso do Rio são SuperVia e Metrô Rio.

“Pelo menos nesse primeiro mês, em agosto, o governo do estado teria de dar um suporte, que acredito pode variar entre R$ 60 milhões e R$ 120 milhões, com distribuição proporcional para cada empresa. A situação de caixa do RJ é bastante restrita, mas o governador está fazendo todo o esforço possível para ajudar. E essa ajuda pode vir através de um projeto de lei que já estamos construindo junto com a Assembleia Legislativa”, disse Pinho.

O secretário confia em um rápido entendimento com a Alerj – até meados de agosto – impulsionado pela prevista aprovação do projeto de lei na Câmara dos Deputados. E admite que até que o dinheiro chegue aos operadores, as concessionárias vão ter de fazer mais sacrifícios.

“O dinheiro vai sair, vai ser rápido. Acredito que antes de 15 de agosto o aporte estadual esteja aprovado. A possibilidade de um colapso a partir da última semana de agosto e início de setembro é muito grande. Mas a expectativa é favorável. Até lá, os operadores vão ter de apertar um pouquinho mais o cinto”, disse o secretário, acrescentando que o RJ tem agora, com essa crise, a grande oportunidade de reestruturar todo o seu sistema de modelagem, controle e gerenciamento do transporte público.

Situação é mais complicada no RJ

A pandemia de coronavírus atingiu o transporte urbano em todo o mundo, com redução do número de passageiros e, consequentemente, de receita. Mas no Rio de Janeiro, segundo Joubert Flores, presidente a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), a situação é ainda mais grave e complicada.

No RJ, os transportes de alta capacidade – principalmente trem e metrô – são totalmente concedidos a empresas privadas, sem subsídio do governo. E como os contratos são muito antigos – datam da década de 1990 – não têm uma espécie de cláusula de segurança, que permite algum socorro em casos excepcionais, como uma pandemia.

“Todos os sistemas de transporte foram atingidos pela pandemia. Mas o efeito sobre os transportes sobre trilhos foi maior. A perda de receita com redução de passageiros foi de 80%. E diferentemente dos ônibus, eles não têm subsídio. Ou seja, vivem da cobrança da tarifa para garantir o serviço, pagar funcionários e fornecedores, assim como taxas de energia, de água e de manutenção e investimento em tecnologia”, disse Flores.

O presidente vê o atual momento no transporte da alta capacidade no Rio de Janeiro com muita preocupação. E diz que, sem um suporte financeiro, as concessionárias serão obrigadas a paralisar os serviços. O que, segundo ele, vai ser uma catástrofe.

“A retomada em todos os setores econômicos está acontecendo muito lentamente. No transporte metroferroviário isso se dá de forma ainda mais lenta. Se o serviço paralisar terá uma imensa dificuldade para se recuperar e ainda há o grande risco de vandalismo, como aconteceu no Teleférico do Alemão. O sistema parou e agora está tão vandalizado que é impossível de ser retomado”, observou Flores.

A ANPTrilhos diz que a agência reguladora de transportes já reconheceu a situação de pré-falência do sistema de trens de passageiros no RJ. No início da pandemia, houve uma queda de 80% no número de passageiros da SuperVia, que era de 700 mil pessoas/dia. Agora, em julho, com a flexibilização, os trens transportam R$ 140 mil pessoas/dia.

“Antes da pandemia, a companhia vinha se recuperando, não estava mal, estava investindo no sistema. Mas agora, está numa situação emergencial, que deve adentrar 2021. O esperado aporte financeiro não vai resolver todos os problemas, mas vai evitar a paralisação. Mas essa ajuda precisa ser rápida”, disse Flores.

A situação no metrô, segundo Flores, não é muito diferente. Dos 800 mil passageiros/dia transportados antes da pandemia, houve redução para 200 mil passageiros/dia. Em julho, houve uma ligeira melhora, com mais 50 mil passageiros/dia. Mas ainda insuficiente para pagar os investimentos na operação.

“Para não ter problemas de salários, nem com fornecedores, e mesmo assim funcionando com o básico, sem investimentos, o metrô precisa de 500 mil passageiros/dia”, disse Flores.

Assim como o secretário Delmo Pinho, o presidente da ANPTrilhos diz que o Rio de Janeiro deveria aproveitar essa crise para reestruturar completamente o transporte público de passageiros.

“O Rio tem a pior estrutura do mundo. Os modais são concorrentes, em vez de complementares. Só para ter uma ideia, na região da Central do Brasil tem um terminal com 17 linhas de ônibus. Desse total, 11 linhas fazem o mesmo trajeto de trens e metrô. Não são linhas alimentadoras, elas se sobrepõem. Isso causa divisão de passageiros e leva a aumento de tarifa. Se não houver uma reestruturação profunda no sistema o transporte público, não pode expandir. E enquanto for desorganizado não vai atrair investimentos. E quem sofre é o passageiro, que acaba pagando uma tarifa alta por um serviço de baixa qualidade. E que agora ainda corre o risco de ficar a pé, sem transporte”, disse Flores.

27/07/2020 – G1 Rio