Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário
As operadoras de metrôs e trens urbanos alcançaram em outubro o maior índice de recuperação de passageiros perdidos ao longo da pandemia. O número de usuários transportados em dias úteis representou 74% da quantidade registrada antes das medidas de distanciamento social. Há seis meses, ainda durante a segunda onda de covid-19 no Brasil, esse indicador estava em 52%.
Essa é a notícia boa no setor. Agora a ruim: as operadoras acumulam perdas tarifárias (diferença entre bilhetagem esperada e efetivamente verificada) de R$ 15 bilhões desde o início da pandemia, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos). Algumas empresas não conseguem reequilibrar seus contatos e veem a recuperação total da demanda cada vez mais longe no calendário, por causa do trabalho remoto e da crise econômica. O projeto de lei que prevê um novo marco legal para o transporte público, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), pode ajudar. Mas está sem sinais de avanço.
Prejuízo se acumula e passageiros voltam aos poucos “Temos vários fatores que contribuem para a recuperação dos passageiros: aumento da vacinação, volta do trabalho presencial e alta dos combustíveis, que faz muita gente optar pelo transporte coletivo”, diz o presidente do conselho da ANPTrilhos, Joubert Flores. Para ele, no entanto, a recuperação plena da demanda
ainda deve demorar um pouco e talvez nem chegue. “Há especialistas que acreditam em perda permanente, de 15% a 20%, na comparação com o prépandemia.”
Outro aspecto que complica o cenário: as seguidas altas da energia elétrica, segundo maior custo operacional das operadoras, atrás apenas da folha de pagamento.
Quase todas as empresas do setor estão no mercado livre de energia, com contratos de fornecimento de três a cinco anos, o que ameniza variações abruptas com bandeiras tarifárias e acionamento das térmicas. Mas, para renovar esses contratos em meio à escassez hídrica, vem outra paulada.
Flores explica que as operadoras vivem três situações distintas. Perdas de companhias estatais, como o Metrô de São Paulo e a CPTM, são cobertas – pelo menos parcialmente – pelo orçamento público. A conta vai para o contribuinte.
Contratos de concessão ou PPPs mais recentes, como operações de mobilidade do grupo CCR (casos da Linha 4-Amarela em São Paulo ou do metrô de Salvador), têm cláusulas pelas quais o Estado paga a operadora privada quando o número de passageiros fica abaixo de certo patamar. O maior drama é vivido por quem administra malhas concedidas na década de 1990, como a SuperVia (RJ) e o Metrô do Rio, sem compartilhamento do risco de demanda.
A SuperVia, que administra 270 quilômetros de trilhos e 104 estações, recebia 600 mil passageiros por dia antes da pandemia. Com a chegada do coronavírus, esse número caiu para 180 mil. Atualmente está em 370 mil usuários diários – 62% do que havia no começo do ano passado – no Rio e em outros 11 municípios da Baixada Fluminense. A empresa, hoje controlada pela japonesa Mitsui, imaginava recuperar os índices pré-pandêmicos no fim do ano que vem. Agora passou a previsão para os últimos meses de 2023 ou primeiros meses de 2024. Reflexo do desemprego elevado, consolidação do modelo híbrido de trabalho nos escritórios, muitas lojas e serviços fechados no centro carioca.
Em um pleito de revisão extraordinária do contrato, apresentado pela SuperVia, a agência reguladora estadual aprovou reequilíbrio econômico no valor de R$ 216 milhões. Como não caberia aumento de tarifa (que oneraria ainda mais o usuário) ou extensão contratual (porque a concessão já vai até 2048), ficou decidido um aporte do Estado. Não houve pagamento até agora. “O governo indica que está em regime de recuperação fiscal, que não permite esse tipo de aporte, mas estamos negociando”, afirma o presidente da companhia, Antônio Carlos Sanches.
O índice de reajuste no contrato é o IGP-M, que explodiu na pandemia. A tarifa teve um aumento homologado de R$ 4,70 para R$ 5,90 em fevereiro de 2021. Por ação do Estado e do Ministério Público, foi “só” para R$ 5. Nos próximos dias, a empresa de trens protocola um pedido no qual estima o direito de elevar a tarifa para mais de R$ 7 a partir de fevereiro do ano que vem. “Isso pode ser negociado? Claro que pode, mas precisamos de agilidade. De um lado, temos o investidor com insegurança jurídica. Do outro, o gestor público com medo de tomar decisões. É o apagão das canetas”, diz Sanches.
A cereja desse bolo indigesto: com o aumento da pobreza e a disparada do preço do cobre, o furto de cabos triplicou neste ano. Cabos de energia, de sinalização, tampas de bueiro, postes metálicos, relés de controle da ferrovia com bobinas que valem R$ 100 em ferros-velhos. Cada vez que isso coloca em risco a segurança dos passageiros, os trens param ou ficam mais devagar.
Daniel Rittner é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras
01/12/2021 – Valor Econômico / Coluna Daniel Rittner