Paralisação dos caminhoneiros expõe deficiências do transporte ferroviário

Brasileiros perdem muito tempo nos deslocamentos urbanos, porque o transporte ferroviário é pouco explorado no país

Diante da enorme dependência que a economia e os brasileiros têm do modal rodoviário, volta à tona a velha discussão sobre a necessidade de alternativas para reduzir a relevância dos carros e caminhões na vida da população. Nessas horas de aperto, as pessoas começam a comparar como países que têm uma boa infraestrutura de trilhos, como trens, metrô e VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), proporcionam maior qualidade de vida nos grandes centros urbanos, além de poluírem menos.

A superintendente da ANPTrilhos, Roberta Marchesi, lembra que a falta de investimentos nas ferrovias vem desde a década de 1950, quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi um dos principais responsáveis pelo sucateamento de uma malha que um dia já foi maior do que a dos Estados Unidos ao apostar na indústria automobilística em detrimento das ferrovias. “Aos poucos, o governo foi abandonando o investimento. O país chegou a ter 5 mil quilômetros (km) de vias de transporte urbano e hoje tem apenas 1 mil km para o transporte de passageiros”, critica, lembrando que o mandato de quatro anos não estimula prefeitos e governadores a investirem em projetos de metrô.

A especialista ressalta que a cidade de São Paulo, com a maior malha de metrô do país, tem apenas cerca de 40km enquanto Londres e Nova York possuem 400km. “A cidade do México, que inaugurou o metrô na mesma época em que São Paulo (no fim da década de 1970), hoje tem 220km”, compara. A predominância do transporte individual em detrimento ao de massa traz, inclusive, uma falsa sensação de mobilidade, na avaliação de Roberta. O brasileiro gasta, em média, 1,5 hora no deslocamento de casa para o trabalho, o que dá 90 horas por mês desperdiçadas no trânsito. “O investimento em trilhos proporciona muito mais produtividade para o indivíduo, que pode usar esse tempo no lazer, na educação e na saúde”, assinala.

O consultor Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), também lamenta a falta de investimento em ferrovias e o fato de o país ter dimensões continentais e necessitar que uma carga seja transportada do Sul para o Nordeste de caminhão. Pelas contas de Figueiredo, o Brasil tem apenas 3km de ferrovia para cada quilômetro quadrado (km²) de território, enquanto os Estados Unidos têm 10 vezes mais: 30km de trilhos para cada km². “Dois terços dos trechos concedidos estão abandonados. Dos 28 mil km de malha concedida, apenas 8 mil km operam atualmente”, diz, lembrando que o transporte de passageiros ficou em segundo plano no processo de privatização.

Para Figueiredo, o mais grave hoje é que as rodovias estão no limite. “As estradas estão malconservadas. Os caminhoneiros fazem sacrifícios para continuar trabalhando, enquanto a oferta de carga ainda não se recuperou”, destaca. O especialista reconhece que, como o problema é estrutural, demanda tempo para ser corrigido. “Melhorar a ferrovia demora, portanto, o país precisa conviver e cuidar do rodoviário para profissionalizar o negócio. O caminhoneiro não pode ficar três dias parado no porto esperando para descarregar”, avalia.

Bonde perdido

Na avaliação de Roberta, por conta da má administração e das escolhas erradas do poder público, o Brasil perdeu o bonde ao deixar de avançar os projetos de mobilidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas. “Nas obras previstas, havia projetos de 70 km de linhas de trilhos e o governo não conseguiu entregar 1 km. O país não aproveitou uma oportunidade única de deixar um legado positivo para a população”, lamenta.

Paulo Furquim, professor de finanças do Insper, afirma que falta uma estratégia de desenvolvimento no país, porque nem a política de incentivo ao etanol, que é um combustível mais limpo e não fóssil, se sustentou. “O que o país tem feito é sujar a matriz energética, usando mais petróleo”, lamenta.

Menos poluição

Roberta Marchesi, da ANPTrilhos, revela que o transporte público, movido, predominantemente, a diesel no Brasil, é muito mais poluente do que o ferroviário, pois emite 100 gramas de gás carbônico por passageiro por quilômetro, enquanto o transporte sobre trilho, 5g por passageiro/km. “Essa emissão seria zero se não tivéssemos que considerar a geração elétrica das usinas térmicas, que funcionam à base de óleo diesel”, explica. “O grande questionamento é que o Brasil é autossuficiente em petróleo, mas temos o combustível mais caro do mundo e que alimenta a indústria mais poluente do mundo. É um contrassenso tanto na questão econômica do petróleo quanto nas emissões”, critica.

27/05/2018 – Correio Braziliense