Governo do Rio articula a concessão do sistema de bondes de Santa Teresa
O Bonde de Santa Teresa, na região central da cidade do Rio de Janeiro, deverá ingressar no rol dos sistemas metroferroviários privados do país. Essa é a expectativa do governo do estado, que manteve aberto, durante todo o mês de março, um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para o recebimento de propostas para a elaboração de estudos financeiro e operacional que demonstrem a viabilidade da privatização do sistema.
Com a transferência do Bonde de Santa Teresa para a iniciativa privada, a secretaria estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), que está à frente do processo, espera expandir e melhorar a qualidade do serviço, castigado não só pelo esvaziamento causado pela pandemia, mas também pela situação fiscal crítica do estado do Rio.
No ano passado, por conta do coronavírus, os bondes foram paralisados por três meses (de abril a junho). Até março de 2020, costumavam receber de 1,5 mil a 2 mil pessoas por dia. Desde julho, quando a operação foi retomada, a média gira em torno de 273 passageiros/dia.
Os estudos deverão indicar se o melhor modelo será uma concessão tradicional (transferir a operação para o setor privado, sem participação e/ou investimento do governo) ou uma Parceria Público-Privada (o que envolveria recursos públicos). No entanto, a Seplag dará preferência a projetos que não onerem o Tesouro com contrapartidas, em função das combalidas finanças do estado.
O projeto deverá contemplar investimentos em aquisição de bondes, na via permanente, em algumas paradas e estações, além da rede aérea e da subestação de energia elétrica. “O estudo oriundo do PMI vai definir o tamanho do investimento. Hoje, há a necessidade de manutenção e reinvestimento no bonde. Mas a gente não tem a expansão da malha, prevista agora no PMI, e nem a viabilidade financeira disso”, disse José Luís Cardoso Zamith, titular da Seplag.
Expansão prevista
A proposta do governo chega quase dez anos depois do acidente que deixou seis mortos e mais de 50 pessoas feridas, após uma composição perder o controle depois de ficar sem freio. Além das perdas humanas e de quatro anos (2011 a 2015) sem qualquer operação em toda a sua malha, desde o triste episódio o sistema não recuperou o trecho Paula Mattos (Largo das Neves), que deve voltar a operar a partir da transferência à iniciativa privada.
Outro trecho inoperante previsto para voltar a funcionar é o Dois Irmãos-Silvestre, desativado após diversos furtos de componentes de cobre e metal da rede aérea do sistema de alimentação, ocorridos desde 2004, quando houve um deslizamento de terra que paralisou a serviço. Após o acidente de 2011, o governo do estado até ensaiou, inclusive por meio de editais de licitação, a reativação do trecho, mas o projeto nunca foi adiante.
A expansão da operação – que, hoje, está presente em 5,5 km – consiste em 2,8 km de extensão do Dois Irmãos até Silvestre (permitindo, assim, a integração com os trens do Corcovado) e mais 3,3 km do Largo dos Guimarães até a estação Paula Mattos. Portanto, serão mais 6,1 km que formarão, no total, 11,6 km de malha.
Zamith afirma que, dessa forma, o governo trabalha com duas vertentes para o projeto: a do desenvolvimento turístico e a do que ele chama de suporte social. “O primeiro é criar mais pontos, alternativas para essa região como turismo. Então, por isso, pretendemos levar o turista da estação Carioca até a Silvestre. E, ao mesmo tempo, queremos entregar para os moradores um transporte melhor, que hoje está precário”, disse o secretário.
O próprio edital do PMI, no entanto, gera dúvidas em relação ao novo modelo de operação. Isso porque o trecho da Paula Mattos, uma das principais reivindicações dos moradores do bairro de Santa Teresa, deverá ser analisado como um “segundo cenário”, que poderá estar incluído ou não no projeto a ser executado, dependendo da viabilidade financeira.
O Termo de Referência do edital também toca num tema caro aos moradores de Santa Teresa, que hoje dispõem de tarifa gratuita no bonde. Segundo o documento, deverá ser extinta essa gratuidade estabelecida pelo Decreto Estadual 45.814/2016. Já a tarifa turística, de R$ 20, será reavaliada.
De acordo com Zamith, todos os valores das passagens serão analisados a partir das conclusões do estudo de viabilidade financeira da concessão. Ele ressalta que a empresa que vier a operar o sistema precisa ser vista como parceira e não inimiga. “O empresário não tem obrigação nenhuma de entrar em um projeto no qual ele não tenha lucro. Então, teremos que fazer uma boa análise sobre o valor que será cobrado, o lucro que ele vai ter”, afirma.
Ainda do ponto de vista financeiro, outra previsão do edital do PMI é a geração de receitas acessórias, por meio, por exemplo, do aluguel de espaços comerciais nas estações Carioca e Silvestre, uso dos direitos de imagem do bonde através da venda de souvenires e exploração de mídia nas estações, para publicidade de terceiros.
A Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) criticou o que chama de “turistificação definitiva” do Bonde. “Isso significa adeus ao bonde popular e universal. Nós vamos dizer não à privatização”, disse Paulo Saad, presidente da Amast.
Intervalo menor
O projeto para a concessão também deverá prever a capacidade de entrega, pelo operador privado, de um serviço com intervalos menores entre as composições. Atualmente, os bondes circulam diariamente com intervalos de 30 minutos (das 8h às 11h e das 13h às 15h) e de uma hora (das 11h às 13h). Segundo a pasta, isso se deve à baixa demanda durante a pandemia. Os novos intervalos serão definidos pelo estudo técnico, sendo que o sistema atual permite que eles sejam reduzidos para até 8 minutos.
A aquisição de novos bondes deverá ser feita de acordo com as análises financeira e de demanda. O sistema possui, hoje, oito composições, com capacidade para 32 passageiros sentados cada. No entanto, apenas metade dos bondes está circulando, devido tanto à demanda reduzida pelo isolamento social quanto ao afastamento de funcionários, incluindo motorneiros, que se enquadram no grupo de risco.
Em relação a investimentos em telecomunicações, o parceiro privado deverá equipar as novas composições com GPS, câmeras e um sistema de comunicação dos condutores entre si, com passageiros e com o Centro de Controle, que hoje não existe (há apenas uma mesa de controle na Estação Carioca) e deverá ser instalado.
O projeto de concessão prevê a aquisição de bondes e expansão da malha
O próprio governo reconhece a precariedade da comunicação. Os condutores usam celulares para falarem, inclusive, com a mesa de controle. Já o monitoramento interno tanto de estações quanto nos bondes é inexistente. Com a instalação de câmeras dentro nas composições, as imagens serão armazenadas no Centro de Controle.
O valor de outorga, se houver, e o período da concessão também são informações que só serão conhecidas após o estudo. “A partir dele, também serão detalhados a operação financeira do bonde, o payback do projeto, a margem de lucro etc.”, esclarece Zamith. O prazo máximo para a conclusão dos estudos técnicos é de seis meses a partir da publicação da autorização pelo governo.
Ícone histórico e turístico
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (INEPAC), o sistema do Bonde de Santa Teresa data de 1896. Apesar de ser um ícone histórico e turístico do Rio, nunca foi de fato completamente reabilitado pelo poder público em relação ao seu traçado original.
A reativação do trecho que permite a interconexão com os trens do Corcovado não passa de promessa desde 2012, ano seguinte ao do grave acidente. Após idas e vindas do processo de licitação na Justiça e reivindicações dos moradores de Santa Teresa, em 2015 o governo estadual começou a entregar oito novas composições (todas fabricadas pela T’Trans), sendo que, no primeiro projeto do certame, 14 tinham sido previstas.
Em 2016, depois de 50 anos de inatividade, o ramal da Rua Francisco Muratori voltou a funcionar. Em 2018, foi a vez do trecho entre Vista Alegre e Largo do França, sem operação por sete anos, após o descarrilamento. O trecho mais recente a ter a operação reativada foi Largo do França-Dois Irmãos, em 2019.
Há três anos, o então secretário de Transportes, Rodrigo Vieira, durante a gestão de Luiz Fernando Pezão, afirmou que deixaria o ramal Paula Mattos para a administração seguinte. Resta saber se esse pleito e o do trecho Silvestre, que passam pelo terceiro governo desde o acidente de 2011, finalmente vão se tornar realidade agora com a iminente chegada da iniciativa privada à operação.
12/04/2021 – RF Notícias da Edição Janeiro/Fevereiro – 2021