Os testes finais para pôr o VLT do Centro em operação mal começaram, e os planos da prefeitura para implantar uma nova linha do bonde moderno até a Zona Sul já estimulam debates entre especialistas em mobilidade urbana e representantes da sociedade civil. Para especialistas, o VLT poderia ser uma opção importante para tirar carros das ruas e não dispensaria a expansão do metrô a partir da Estação Gávea, que faz parte da Linha 4 e só deverá ser inaugurada ano que vem. Muitas associações de moradores da Zona Sul, por sua vez, temem problemas no trânsito devido à adaptação das vias para o novo transporte e reivindicam a expansão do metrô da Gávea rumo ao Centro ou a Botafogo.
A implantação do VLT seria uma opção mais barata do que o metrô e exigiria menos tempo de execução. Além disso, muitas cidades do mundo estão optando por essa alternativa, num esforço para tentar retirar carros das ruas, reduzindo o caos no trânsito. Por outro lado, o VLT teria velocidade menor, porque teria que cruzar várias vias com sinais entre o Centro e a Zona Sul. Por circular em galerias subterrâneas, o metrô ganha em rapidez.
Em comum entre as duas propostas, está a ausência de informações detalhadas sobre custos, já que ambos, VLT e metrô, podem variar de projeto a projeto, conforme características da área onde forem implantados. Em crise financeira, o governo do estado sequer definiu qual seria o traçado ideal da expansão do metrô e já anunciou que a prioridade seria expandir a Linha 2 entre Estácio e Praça Quinze. Já a prefeitura lançou na segunda-feira passada um edital para convocar empresas interessadas em detalhar o projeto do VLT, indicando estimativas de demanda, traçado, número de paradas e custo. O prazo para os interessados se habilitarem termina no dia 30 de março. O projeto conceitual estima que a linha terá 23 quilômetros.
Para efeito de comparação, o VLT carioca, em execução no Centro, prevê um gasto total de R$ 1,57 bilhão por 28 quilômetros (R$ 41 milhões por quilômetro), sendo de fato mais barato que a opção pelo metrô. A implantação da Linha 4 (Barra da Tijuca-Zona Sul) está em R$ 9,7 bilhões (R$ 606,2 milhões por quilômetro).
— O VLT tem a seu favor o fato de ser um transporte de qualidade, diferenciado, que pode atrair muita gente, que hoje prefere andar de carro, para o ônibus. Mas não dispensa a implantação do metrô, que pode cobrir distâncias mais rapidamente por conta da forma como opera. O ideal para uma cidade é ter maior número de opções — diz o diretor do Instituto Mobilize, Marcos de Souza.
MIGRAÇÃO PARA O TRANSPORTE PÚBLICO
O coordenador do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil), Gabriel Tenembau de Oliveira, vê prós e contras na opção pelo VLT para a Zona Sul.
— O VLT poderia reduzir a necessidade de o governo do estado investir no metrô da capital e concentrar recursos para aplicar, por exemplo, na Linha 3 (Niterói-São Gonçalo). Ou para melhorar as condições operacionais dos trens da SuperVia. Além disso, por ser (implantado) na via, o VLT reduziria o espaço para o carro, aumentando a possibilidade de migração para o transporte público — afirma Gabriel, que, no entanto, faz uma ressalva. — Em um contexto de atividade econômica reduzida e perspectiva de corte de investimentos no país, cabe perguntar se a prioridade nesse momento é mesmo fazer um investimento desse nível naquela região. Quantos quilômetros de BRS e ciclovias alimentadoras de BRT/metrô/trem poderiam ser viabilizados com esse valor? Quantos entornos de estações de BRT, metrô e trem nas zonas Norte e Oeste poderiam se beneficiar com um investimento desse porte?
Especialista em transportes, o professor do Departamento de Engenharia Industrial da PUC José Eugenio Leal acredita que o VLT possa reduzir a quantidade de carros na Zona Sul. No entanto, diz temer que o projeto acabe por inviabilizar uma futura expansão do metrô, capaz de absorver, em cada viagem, muito mais passageiros que um trem de VLT.
— É claro que implantar um VLT é bem mais rápido do que uma linha do metrô. Mas o projeto conceitual da prefeitura propõe um traçado que poderia ser utilizado também pelo metrô. Isso pode afetar a demanda da expansão do sistema metroviário, interferindo nos custos para viabilizá-lo — disse Jose Eugenio Leal.
Coordenador do projeto pela prefeitura, o secretário de Coordenação de Governo, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, explica que os estudos técnicos é que vão determinar o traçado final, bem como o custo da implantação. Numa estimativa inicial, ele acredita que seriam necessários cerca de R$ 1,5 bilhão a R$ 1,6 bilhão. O secretário acredita que, mesmo com a crise econômica, seria possível obter fontes de financiamento. Além disso, diz que o projeto não impediria o estado de expandir o metrô no futuro. Pelo modelo proposto pela prefeitura, quem vencer a licitação numa Parceria Público-Privada recuperaria o investimento pela cobrança da passagem e seria ressarcido pelo governo ao longo da concessão, num sistema conhecido como contraprestação pública.
— A prefeitura teria condições de implantar a nova linha com agilidade porque acumulou experiência com as obras do VLT do Centro. Haveria uma migração do transporte público para o VLT, gerando inclusive melhorias ambientais — disse o secretário.
OBRAS NÃO COMEÇAM ESTE ANO
O município reconhece, porém, que não há condições de começar as obras este ano. A decisão de tirar o projeto do papel poderá ficar com o sucessor do prefeito Eduardo Paes nas eleições de outubro. Pelo cronograma do município, este ano só daria tempo para assinar o contrato de concessão. Isso porque, após a escolha da empresa que fará os estudos, ela terá inicialmente 90 dias para desenvolver os estudos de viabilidade financeira e o projeto conceitual. Depois disso, somente no fim de setembro o projeto estaria maduro o suficiente para permitir a abertura de concorrência.
O presidente da Associação de Moradores e Amigos do Flamengo (Flama), Leandro Alecrim, defende o projeto. Para ele, eventuais transtornos na obra seriam compensados com ganho ambiental e qualidade de transporte. Ele não vê problema algum no fato de a linha ter 23 quilômetros se no percurso houver integração com outros modais.
— O VLT opera de forma mais silenciosa, praticamente não polui e permitiria se deslocar entre a Zona Sul e o Centro contemplando uma bela paisagem que não é possível ser vista quando se pega o metrô. Seria um ganho para o Flamengo. Com o VLT, haveria redução da quantidade de ônibus, que fazem mais barulho e poluem muito mais.
O diretor de Mobilidade Urbana e Comunicação da Associação de Moradores do Jardim Botânico (AMA-JB), Mauro Pacanowiski, acha complicado implantar o VLT no bairro até mesmo pelos impactos no trânsito. Para ele, o melhor seria gastar recursos apenas com o metrô.
— As dificuldades de implantação seriam enormes, e o projeto traria transtornos permanentes para os moradores. Imagine o que aconteceria no trânsito com um VLT passando pela Rua Jardim Botânico, que serve de acesso a ruas internas do bairro e também de ligação entre bairros da Zona Sul — afirmou Pacanowiski.
A presidente da Associação de Moradores de Botafogo (AMAB), Regina Chiaradia, também se diz contra o VLT, por motivos parecidos com os de Pacanowiski: os possíveis transtornos causados pelo projeto no dia a dia do bairro:
— E se a prefeitura está com tanto dinheiro para investir no projeto, por que não ajuda a financiar a expansão do metrô? — questionou Regina.