Apesar do pessimismo, setor de transporte busca meios para driblar a retração econômica e assegurar infraestrutura e logística para o país voltar a crescer
O novo ano se inicia exatamente como 2015 se encerrou: com o Brasil mergulhado em uma crise econômica, fortemente influenciada por um cenário de incertezas na política doméstica e pela desaceleração da economia mundial. O FMI (Fundo Monetário Internacional) piorou a perspectiva de queda da economia brasileira em 2016 e não vê mais retomada do crescimento em 2017 – como era previsto em outubro. O PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil deve sofrer queda de 3,5% neste ano. Isso depois de ter encolhido 3,8% em 2015, em estimativa também revisada para baixo (a queda prevista antes era de 3%), segundo atualização do relatório “Perspectiva Econômica Global”.
A atividade transportadora não tem passado incólume por esse período de forte recessão. Muito pelo contrário. Em 2015, a queda na atividade industrial afetou diretamente o transporte, que viu uma redução brusca da demanda pelos serviços e, consequentemente, do faturamento das empresas. A alta da inflação e do dólar e a elevação da carga tributária, da taxa de juros e do preço dos insumos afetaram negativamente o desempenho do setor. Em função disso, houve redução nos quadros de funcionários e adiamento de projetos e de investimentos.
Tal realidade foi constatada na Sondagem Expectativas Econômicas do Transportador – 2015, realizada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) com representantes de todos os modais, tanto de cargas quanto de passageiros. O levantamento revelou um quadro de pessimismo e falta de perspectiva de melhoria a curto prazo. A maioria (86%) dos transportadores entrevistados não confia na gestão econômica do governo federal e praticamente a metade (49%) acredita que o país só voltará a crescer em 2017.
Na edição de dezembro de 2015, a CNT Transporte Atual trouxe o detalhamento desses números. Agora, a primeira edição de 2016 ouve representantes das federações e das associações que representam o setor de transporte sobre as percepções desse momento econômico e as expectativas para o ano. A despeito do horizonte nebuloso, na visão deles, o momento de crise deve ser enfrentado com criatividade, em busca de novas alternativas e nichos de mercado. Para os dirigentes, é na adversidade que as empresas têm a oportunidade de mostrar o que têm de melhor, apresentando soluções logísticas e econômicas inovadoras e trabalhando com mais afinco e eficiência.
As entidades compreendem que o país atravessa um sério período de retração, bem como que o equilíbrio das contas públicas será encontrado com os cortes de despesas e com o incremento da atividade econômica, com a redução dos juros e o estímulo à atividade produtiva. No entanto, todos são uníssonos ao rechaçar a pesada carga tributária brasileira e a possibilidade da criação ou retomada de impostos, como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras). O setor considera que a manutenção do emprego dos brasileiros deve ser, sim, a prioridade do governo, porém, tem certeza de que o aumento da carga tributária em nada colaborará para alcançar tal propósito.
Também é defendida a necessidade de o empresariado adotar postura mais proativa de modo a enxugar estruturas, controlar os custos operacionais e aprimorar a gestão. É consenso que o setor deve investir em planejamento estratégico focado em alternativas para prestar serviços de qualidade à sociedade, como a desconcentração e a diversificação da matriz de transporte. Para isso, a participação da inciativa privada no processo de retomada do desenvolvimento econômico e do investimento em infraestrutura de transporte e logística é considerada compulsória. O governo, dizem, não dispõe de capacidade para investir tudo que o país precisa para melhorar a infraestrutura de transporte. Portanto, a participação da iniciativa privada brasileira ou estrangeira nas concessões de rodovias e de ferrovias e nos novos editais dos portos e dos aeroportos é encarada como estratégia – até mesmo para desonerar os cofres públicos.
Entretanto, o sentimento predominante no setor é o de incerteza em relação aos investimentos já previamente definidos. Os dirigentes temem que, em decorrência dos sistemáticos contingenciamentos no orçamento do transporte, o governo não leve a cabo projetos essenciais ao setor para aperfeiçoar a infraestrutura, a logística, a mobilidade urbana e a intermodalidade. Os empresários transportadores compartilham das mesmas reservas e arrematam: no ano que se inicia, não haverá novos investimentos. O desafio será manter os existentes.
De acordo com dados da PMS (Pesquisa Mensal de Serviços) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os transportadores terrestres, aquaviários, aéreos e de armazenagem, até novembro de 2015, acumularam redução de 6%. Em alguns casos, há relatos de perdas de até 30% na receita líquida das em presas. Irani Bertolini, diretor presidente da Transportes Bertolini, que realiza transportes rodoviários e fluviais a partir da região Amazônica, informa que, em 2015, houve queda na demanda de serviços na empresa. Para tentar contornar a situação, esclarece ele, foram mantidos somente os serviços e os gastos essenciais. “Com ou sem pessimismo, a orientação é a mesma: só o trabalho constrói. Tivemos redução participativa no mercado, e o ano de 2015 foi perdido. Mesmo assim, mantivemos os investimentos essenciais, pois precisamos estar preparados para a retomada da economia. nossa perspectiva é de que, a partir de agosto de 2016, já tenhamos um crescimento de demanda e os negócios se aquecerão. A instabilidade política provocou a crise econômica. Os políticos organizam sua casa (executivo e Legislativo), volta a credibilidade e o consumo normaliza”, diz.
No caso dos caminhoneiros autônomos, o desaquecimento da economia contribuiu para aumentar significativamente a inadimplência do setor. Segundo profissionais que atuam nas ruas de Brasília (DF), que se aglomeram nos terminais à espera de serviço, a queda por demanda, em alguns momentos do ano passado, chegou a 80%. Danilo Barros, autônomo que realiza fretes e mudanças na capital brasileira, informa que esse cenário de recessão acirrou ainda mais a concorrência entre os caminhoneiros, porque, em função da baixa oferta, a maioria teve de depreciar o valor do seu trabalho para não perder oportunidades.
“Já tivemos outras crises, mas acho que essa é a que mais estamos sentindo, porque vínhamos de uma realidade, nos últimos anos, com trabalho de sobra, e, agora, tem gente até pensando em se livrar do seu caminhão”.
Diante desse cenário, o setor tem empreendido esforços para absorver os efeitos da crise da maneira menos danosa aos trabalhadores e à população. Contudo, todos reiteram que o governo federal precisa manter uma agenda de desenvolvimento, que priorize a infraestrutura de transporte. Na leitura dos representantes do segmento, somente por meio de um pacto coletivo que envolva todos os setores produtores e logísticos do país, será possível recuperar a economia brasileira e assegurar a competitividade necessária para fazer frente a mercados mais desenvolvidos e garantir
um crescimento socioeconômico de maneira sustentada, em que o planejamento de médio e de longo prazos dê lugar a iniciativas paliativas.
Ferroviário de Passageiros – Investimento reduzido
No transporte metroferroviário de passageiros, o cenário é de pessimismo. O setor também foi impactado pelo corte de R$ 17,2 bilhões (54,2%) no orçamento do Ministério das Cidades e as expectativas para 2016 não são boas.
“Tudo indica que o Brasil terá orçamento mais restritivo para investimentos, tanto por parte do governo federal quanto por parte dos governos estaduais. Não se espera que isso seja diferente com o setor de transportes sobre trilhos”, prevê Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).
Diante do contingenciamento, os aportes em transporte de massa, com foco na mobilidade urbana, tornaram-se estratégicos para o setor. Destacam-se, nesse cenário, os projetos de novas linhas de transporte de passageiros sobre trilhos contratados e/ou em execução. Entre eles estão VLT Cuiabá (MT), VLT Goiânia (GO), diversas linhas de monotrilhos em São Paulo (SP), Metrô e VLT Fortaleza (CE), Metrô Salvador (BA) e VLT Rio (Porto Maravilha-RJ). Com relação aos projetos que estão sendo estudados, alguns estão em estágio mais avançado e devem ter andamento em 2016. São eles: expansão do Metrô de Brasília (DF), VLT Eixo Monumental (DF), VLT da W3 (DF), Aeromóvel Canoas (RS), implantação do Metrô de Curitiba (PR), trem Brasília-Goiânia (DF/GO) e trem Brasília-Luziânia (DF/GO).
O presidente da ANPTrilhos acredita na parceria público-privada como opção para o segmento minimizar os impactos causados pela crise e alavancar o setor. “Trata-se de uma excelente opção para desonerar os cofres públicos e acelerar a implantação das obras. Os parceiros privados têm condições de investir”, pondera Flores. Dos 13 projetos de novas linhas de transporte de passageiros sobre trilhos que estão contratados ou/e em execução no Brasil, sete vêm de operação privada.