O progresso pelos trilhos

Estradas de ferro, o trem, seu apito… a plataforma da Estação Ferroviária era uma inocente diversão e um atraente ponto de encontro do povo para ver quem estava chegando e quem estava partindo. E para muitos era local de encontro de namoro.

Dia desses, caminhando por ali, passei por vários meninos, que num campinho improvisado disputavam uma bola. Parei por um momento, e ao observar a cena vi que não consegui me livrar do menino que fui um dia. Viajei no tempo, infância inocente, correndo descalço por ruas empoeiradas, dando pinote em cavalo de cabo de vassoura, vivendo a vida de moleque no mundo de sonhos e imaginação. Procurando córregos para nadar, brincar de xerife e bandido com revólveres de espoleta, pular o muro do vizinho para roubar frutas, chupar, lambuzar, e limpar a boca com o dorso da mão. E nessas recordações, levei minha infância para os trilhos do trem de ferro que atravessou e marcou a minha vida e de muitos meninos de meu tempo. Nós, meninos, quase todos os dias corríamos para a Estação de ferro, e ficávamos observando o chefe da Estação na sala do telégrafo, ouvindo o tac-tac do telegrafista enviando e recebendo mensagens das outras estações, e ao ouvir o telégrafo com seus bipes informando o chefe da Estação que o trem acabara de partir de Itaú para Passos, na espera do trem chegar, ficávamos olhando e observando os vagões de carga, alguns cheios de gado engaiolados aguardando o trem de passageiros chegar para poder dar seu apito de partida. O transporte ferroviário de passageiros atendia a necessidade tanto de famílias mais abastadas como as de baixas rendas.

E o trem vinha chegando, serelepe, apitando, puxando e exibindo seus vagões, não respeitando ninguém a sua frente. Tinha o vagão de primeira, com poltronas acolchoadas, o de segunda, com tábua pura, serrada, e o vagão restaurante com vários tipos de refeições.

Na chegada seu apito prolongava com mãos se pondo de fora das janelas dos vagões em acenos repetidos, retribuindo os acenos também erguiam mãos na plataforma, e com sorrisos de alegria havia os emocionantes encontros de pessoas embalados pela emoção. E o trem chegava, resfolegando, espirrando fumaça para o alto, fagulhando, apitando, passageiros sorrindo com a cabeça de fora do vagão, acenando com a mão para alguém ali à espera. Pelas portas e janelas via – se sair sacos, cestas, malotes e velhas malas!

Ver a chegada do trem e o desembarque dos passageiros era o divertimento da maioria da população. As pessoas faziam amizades, reviam velhos amigos, e no vai e vem do trem nasciam muitos amores, muitas esperanças!

E como era gostoso fazer uma viagem de Maria Fumaça: sentir o trem ir sacolejando e apitando nas curvas e nos caminhos, passando em cortes de serra, mata nativa, pontes sobre rios, cruzando os vilarejos e cidades, de dia e de noite cortando as paisagens e levando passageiros a tantas cidades. Cada um passava o tempo de um jeito, uns tentando dormir, outros puxando assunto e fazendo amizade. E o povo viajante levava na bagagem de tudo para comer: bolo, farofa de galinha, de carne seca, queijo, rapadura, laranja, litro de água…

E o trem seguia, via – se fazendas, casas, bois, boiadas… e aquela grande máquina de ferro, com seus vagões ia serpenteando entre lavouras, morros, matas, engolindo os trilhos, soltando fumaça e fagulhas até perder as energias, e se deixando morrer na plataforma das saudosas Estações, lembradas como local de encontro, reencontros e despedidas. Quando chegava, trazia sempre a esperança na bagagem e de volta a alegria e a saudade que ficava entre nós. O trem de ferro foi um símbolo que deixamos para trás, mas que não queríamos que acabasse. Era uma inesquecível nostálgica viagem em que o progresso chegava pelos trilhos. Agora, só saudade e lembranças daqueles que viveram o tempo daquela máquina capaz de soltar fumaça pela narina, e que sentiram seu sacolejo e seu apito adentrando ou saindo das saudosas Estações das cidades de nossa região.

A inauguração da Estação Mogiana em Passos se deu em 11 de dezembro de 1921 e foi desativada em 1977. A retirada dos trilhos começou em janeiro de 1986.

É o tempo passando e a gente “Memoriando!”

23/02/2016 – Clic Folha – Belo Horizonte/MG