Na tentativa de melhorar o transporte coletivo nas grandes capitais e aquecer a indústria ferroviária, que trabalha atualmente com 60% de ociosidade, o governo pretende oferecer uma nova linha bilionária de crédito para a renovação de frota por operadoras de metrôs e trens urbanos.
Já batizado de Retrem, o programa vai usar recursos do FGTS, com financiamentos de 20 anos – sendo quatro de carência.
Também poderá ser utilizado dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As taxas de juros anuais devem ficar em torno de 5,5%. O plano é ter empréstimos de R$ 1 bilhão por ano.
A nova linha, voltada exclusivamente para trens urbanos, deve ressuscitar um ponto de honra das políticas industriais de governos anteriores: a exigência de conteúdo local. O financiamento será liberado apenas para a compra de trens novos e exclusivamente de fabricação brasileira, com índices de nacionalização.
Não estão previstas isenções tributárias. O programa já foi praticamente fechado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e está com lançamento previsto para o dia 28 de junho, na sede da Fiesp, em São Paulo.
“O Retrem surgiu para viabilizar a modernização e a expansão das frotas de trem, seguindo linha bem semelhante à do Refrota, que tem o mesmo objetivo, mas voltado aos ônibus”, afirmou ao Valor o ministro Gustavo Canuto.
“Do ponto de vista da mobilidade, o trem é fundamental para melhorar o tráfego nos grandes centros urbanos. Se usarmos como base o metrô de São Paulo, dez trens equivalem a 60 ônibus, que transportam cerca de 200 mil passageiros diariamente. Esses vagões podem gerar, ainda, 5 mil empregos diretos e indiretos por ano”, acrescenta o ministro.
O nome oficial do Retrem será Programa de Renovação da Frota do Transporte Público Coletivo Urbano de Passageiros sobre Trilhos. Inicialmente, a ideia era contemplar também a reforma e a modernização de trens mais antigos. Esse segundo objetivo, no entanto, ficará para outras ações que estão sendo planejadas pela Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos (Semob) – ligada ao ministério.
Para o vice-presidente-executivo da ANPTrilhos (associação das operadoras metroferroviárias), João Gouveia Ferrão Neto, a nova linha de crédito representa um “ganha-ganha-ganha”. “Ganham a indústria, as empresas operadoras e, mais importante, o passageiro em termos de conforto.”
Segundo ele, há vantagens na aquisição de trens nacionais em vez de se optar por fornecedores estrangeiros. Uma delas é a facilidade maior de manutenção e assistência técnica para os equipamentos. No caso dos importados, apesar do crédito farto, existe a necessidade também de “hedge” para suavizar desvalorizações bruscas do dólar ou do euro, o que encarece o custo total. Por isso, diz Gouveia, o financiamento em condições melhores ajuda na escolha pelos fabricantes locais.
Os sistemas de metrôs e trens urbanos alcançaram uma média de 10,9 milhões de passageiros transportados por dia em 2018, com crescimento de 9,2% em relação ao ano anterior, graças sobretudo à incorporação de mais duas linhas e 30 estações. “Mas ainda temos uma rede muito incipiente, e vejo o Retrem como o começo de uma estratégia na área de mobilidade.”
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, afirma que o setor está trabalhando com apenas 40% da capacidade instalada atualmente. O pico de 4,7 mil vagões para trens de passageiros e de cargas, verificado em 2014 e em 2015, deve cair para cerca de 1,5 mil entregas neste ano. “É uma queda vertiginosa. Estamos em situação delicada.”
Abate espera que o Retrem sirva como um “catalisador de encomendas” tanto por operadores privados como estatais.
Lembra que o Metrô de São Paulo, por exemplo, acaba de retomar o plano de extensão da linha 2-verde e isso exigirá mais 22 trens para atender à demanda ampliada.
Na área de mobilidade, a indústria nacional sobrevive hoje com um pedido de 135 composições para Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e um contrato de exportação para o Chile. Agências multilaterais, como BID e CAF, têm histórico de financiar compras, mas vetam qualquer tipo de exigência de conteúdo nacional e boa parte das aquisições acaba sendo feita no exterior. “O Retrem era uma antiga solicitação nossa.”
Para o presidente da Abifer, tão importante quanto essa nova linha é a tomada de decisão sobre outra frente prometida há anos, desde o governo de Dilma Rousseff. “O Retrem vai ser um alento para os trens de passageiros, assim como a renovação antecipada das concessões de ferrovias será para os trens de cargas”, ressalta. Ele reclama que a prorrogação do contrato da Rumo Malha Paulista, que geraria investimentos de R$ 8,5 bilhões, está no Tribunal de Contas da União (TCU) desde outubro. “Dá a impressão de que os órgãos de controle não têm senso de urgência.”
13/06/2019 – Valor Econômico