Níveis de poluentes atmosféricos caem nas metrópoles com políticas de mobilidade urbana

Estudo poderá servir de base para gestores públicos na retomada das atividades após a quarentena

A locomoção das pessoas após a quarentena deverá ser uma das preocupações centrais na retomada das atividades sociais e econômicas nas grandes metrópoles. A professora Helena Ribeiro, pesquisadora do Departamento de Saúde Ambiental, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, recomenda que os gestores públicos tracem estratégias e proponham políticas bem planejadas para incentivar ações integradas de mobilidade urbana e saúde ambiental. A professora coordenou um estudo feito por pesquisadores da FSP e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP que investigou o impacto na melhoria da qualidade do ar em cidades que adotaram medidas de restrições de mobilidade de veículos automotivos durante a quarentena de covid-19. O estudo foi feito em São Paulo, Paris (França), Nova York e Los Angeles (EUA). Nas quatro cidades estudadas, houve queda no índice de poluição atmosférica: redução de material particulado (poeira em suspensão), de gás carbônico e nitrogênio.

Para a professora Helena, o confinamento social não só está evitando a disseminação do novo coronavírus, mas diminuindo a propagação de doenças respiratórias e circulatórias em virtude das baixas concentrações de poluentes. Segundo a pesquisadora, vários estudos têm demonstrado a relação de poluentes urbanos com o agravamento de doenças do aparelho respiratório como asma, bronquite, enfisema pulmonar, dentre outras, como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC). Dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que cerca de quatro milhões de pessoas morrem anualmente no mundo devido à poluição ambiental.

Das metrópoles urbanas estudadas e que foram fortemente afetadas pela pandemia de covid-19, os pesquisadores investigaram concentrações de quatro poluentes – o monóxido de carbono (CO), o ozônio (O3), materiais particulados finos (MP2.5) e dióxido de nitrogênio (NO2 ) – durante o mês de março de 2020, em comparação às médias do mês de março de 2015 a 2019. O artigo Air Quality and covid-19: is cleaner air in mega cities contributing to saving lives and to reducing health effectse sobre o assunto foi submetido este mês por Helena e outros pesquisadores à revista Atmospheric Environment.

Os resultados do estudo indicaram reduções nas concentrações de PM2.5, CO e NO2 nas quatro cidades no período de quarentena. Ao contrário, o ozônio aumentou em três cidades, com exceção de Los Angeles. Porém, São Paulo teve menos redução de NO2 e PM2,5 comparado as outras cidades. A professora Helena acredita que isso tenha ocorrido devido ao fato de as medidas de confinamento social paulistanas terem sido menos restritivas do que em Nova York, Los Angeles e Paris, conforme mostra o relatório de mobilidade Covid-19 Community Report (Google, 2020): as atividades de transporte e em terminais de ônibus, metrô e trem foram reduzidas em 52% em São Paulo comparadas a 78% nas outras cidades.

Em porcentuais de redução de poluentes por cidade, observou-se uma queda de monóxido de carbono (CO) em 20% em São Paulo, 30% em Los Angeles, 37% em Nova York e 18% em Paris; já o nível de dióxido de nitrogênio (NO2 ) teve redução de 13% em São Paulo, 37% em Los Angeles, 41% em Nova York e 32% em Paris; Material particulado fino (poeira em suspensão) teve queda de 4% em São Paulo, 33% em Los Angeles, 29% em Nova York e 16% em Paris.

A redução de poluentes em São Paulo aconteceu em menor quantidade em virtude também das medidas restritivas terem sido menos respeitadas pela população e possivelmente por fatores climáticos (menor volume de chuva em março 2020 em relação aos outros anos pesquisados), como observa a pesquisadora. No entanto, os resultados desse estudo mostram “que a crise sanitária que estamos vivendo é uma oportunidade única para repensarmos as políticas públicas de mobilidade urbana para as metrópoles brasileiras, em longo prazo”, avalia. “Restringir o trânsito de veículos impacta na qualidade do ar que influencia na saúde das pessoas”, diz. Há um estudo, publicado em versão pré-print nos primeiros dias de abril de 2020, que sugere que a maior parte das condições preexistentes que aumentam o risco de óbito por covid-19 são as mesmas doenças que são afetadas por exposição em longo prazo à poluição atmosférica.

Por fim, considerando que a locomoção das pessoas nas cidades após o isolamento seja uma prioridade estratégica na retomada das atividades, a professora Helena lembra da importância da integração de medidas de mobilidade urbana e saúde ambiental. Para a pesquisadora, há necessidade de mudanças de hábitos em relação ao transporte e locais de trabalho (teletrabalho, por exemplo) que sejam mais sustentáveis. É preciso lembrar também a inclusão de medidas de segurança para aqueles que dependem do transporte público. “Repensar a mobilidade após a quarentena inclui considerar faixas de trânsito rápido e o uso de transporte ativo (bicicleta, patinete, andar a pé) que reduzem o tempo em trânsito e melhoram a saúde das pessoas”, conclui.

26/05/2020 – Jornal da USP