Há exatos dez anos, em abril de 2012, governadores e prefeitos do país inteiro lotaram o Palácio do Planalto para ouvir Dilma Rousseff na cerimônia de lançamento do PAC Mobilidade Urbana, um megapacote de R$ 32 bilhões em recursos a fundo perdido e financiamento com juros altamente subsidiados para projetos em transporte coletivo, espalhando metrôs e VLTs nas capitais brasileiras.
Vivia-se um tempo de euforia com o futuro: Copa do Mundo, Olimpíada no Rio, a descoberta do pré-sal, superávit primário e dívida bruta em menos de 60% do PIB, Brasil prestes a sair do mapa da fome e em um inédito terceiro lugar na preferência de executivos globais reunidos no Fórum de Davos. Dilma sugeriu abolir o complexo de vira-lata.
Faltam coragem, planejamento e criatividade
“No passado diziam o seguinte: o Brasil era um país que não tinha condições de investir em metrô, porque metrô era muito caro, nós tínhamos que utilizar outros métodos de transporte”, pontuou a ex-presidente, emendando com otimismo: “Nós somos capazes de fazer, e de fazer cada vez melhor.”
Dez anos depois, não se fez quase nada. A malha total de metrôs e VLTs no país cresceu apenas 10% desde 2014. Em 2022, um ano eleitoral (que marca geralmente a entrega de grandes obras), a expansão do sistema metroferroviário deve ficar em 7,5 km e cinco novas estações. É quase irrelevante.
Projetos simbólicos foram engavetados e não há sinal de retomada. É o caso dos metrôs em Porto Alegre e em Curitiba, dos VLTs em Goiânia e Cuiabá, os monotrilhos em Manaus e no Rio (Niterói-São Gonçalo), BRTs em inúmeras cidades médias.
Uma soma de obstáculos foi responsável pelo enterro dos empreendimentos: crise fiscal da União, Estados e municípios no limite da sua capacidade de endividamento, encolhimento do BNDES, construtoras à beira da insolvência, modelagem econômica ruim dos projetos.
Tudo isso é fato, mas falta o mais relevante: priorização na agenda pública. O transporte coletivo de qualidade tem sido continuamente negligenciado pelas autoridades. Às vezes, a maior escassez é de coragem administrativa, planejamento de longo prazo e criatividade na estruturação das soluções.
Criatividade: a polêmica da vez em Brasília é a construção da quarta ponte sobre o Lago Paranoá. Caminho mais curto para os carros. Para financiar o investimento, orçado em quase R$ 4 bilhões e desenhado como uma PPP, o governo do Distrito federal pretende ceder à futura concessionária os direitos de exploração imobiliária de um terreno em área nobre e com alto potencial. É um valor que pagaria, com troco, a extensão do metrô local para toda a Asa Norte. Não seria uma escolha mais sensata? Por que o esforço em ter soluções inovadoras só vale para pontes e viadutos?
Planejamento: como admitir que as obras de um monotrilho – a linha 17-ouro em São Paulo – já tenham atravessado três mandatos de governadores sem conclusão e custando mais de R$ 4 bilhões? A justificativa não era que o monotrilho representaria uma alternativa mais barata e, principalmente, mais rápida do que o metrô? Por que raios Mato Grosso instalou quilômetros de trilhos em uma das principais avenidas de Cuiabá e comprou tantos vagões se não tinha a menor ideia de onde tiraria o dinheiro para concluir o VLT?
Coragem: de lados opostos, decisões ousadas. A gestão do PT na Bahia rejeitou o projeto ruim e apressado de um BRT para a Copa do Mundo, que empresas suspeitas e políticos tentavam empurrar. No lugar, contrariando a opinião então majoritária, estruturou uma das parcerias público-privadas mais bem-sucedidas do país: o término da linha 1 e a obra completa da linha 2 do metrô de Salvador. Vinte estações, 33 km de extensão e R$ 5,8 bilhões de investimentos em 30 anos de contrato com o grupo CCR.
O governo Jair Bolsonaro, mesmo em meio às restrições orçamentárias, resolveu alocar R$ 2,8 bilhões para privatizar a CBTU Minas e erguer a linha 2 do metrô de Belo Horizonte. A administração estatal gerava um prejuízo de R$ 300 milhões anuais antes da pandemia. Se nada fosse feito, nem por um real seria possível vendê-la e a União continuaria com uma sangria desatada. O aporte do Tesouro recupera a saúde das operações e busca acrescentar passageiros ao sistema com a construção da nova linha. Incentiva-se ainda a obtenção de receitas acessórias (com publicidade e exploração comercial) e assim salva-se o que estava fadado ao fracasso. Roga-se ao TCU, que analisa o projeto, aprová-lo sem rodeios.
Diante do descaso descrito, duas conclusões: 1) não há que se falar em fundos bilionários, dando subsídios à classe média de carro, enquanto milhões de trabalhadores sofrem com um transporte de baixa qualidade. Recursos escassos precisam de escolhas acertadas; 2) se houver uma flexibilização do teto de gastos no próximo mandato presidencial, como defendem certos candidatos, algum espaço fiscal mereceria ser usado em um grande esforço nacional para dar vida nova à mobilidade urbana.
27/04/2022 – Valor Econômico