Monotrilhos: como e por que os sistemas de seguranças falham

Joubert Flores é engenheiro eletricista, formado pela UFRJ, e, atualmente, presidente do Conselho de Administração da ANPTrilhos. Atuou por 20 anos no Metrô Rio, ocupando cargos como gerente de manutenção e diretor de engenharia

Nas últimas semanas, os passageiros que utilizam o transporte sobre trilhos de São Paulo só tiveram notícias ruins. Desde o início de março, ocorreram diversos acidentes em várias linhas do sistema metroviário, que causaram paralisação ou lentidão dos trens, em geral, nas primeiras horas da manhã, prejudicando o deslocamento de milhares de passageiros. Um desses acidentes, infelizmente, foi fatal. No dia 14 de março, o vigilante Carlos Eduardo dos Santos, de uma empresa terceirizada da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM), morreu após ser atingido por um trem entre as estações Tatuapé e Engenheiro Goulart, da Linha 12-Safira. Carlos estava acompanhado de outro vigilante, que também foi atropelado, mas sobreviveu.

Alguns dias antes, na madrugada de 8 de março, no monotrilho da Linha 15-Prata, do Metrô de São Paulo, dois trens sem passageiro se chocaram frontalmente entre as estações Sapopemba e Jardim Planalto, na zona leste da capital paulista – felizmente sem feridos graves.

No dia seguinte, quando os técnicos trabalhavam para separar as ferragens, os mesmos trens se chocaram novamente. Os incidentes recentes na Linha 15, mais alguns antigos – como o de janeiro de 2019, quando dois carros vazios bateram na região da Estação Jardim Planalto –, somados às ocorrências e descarrilamentos nas últimas semanas em várias linhas que atendem a cidade de São Paulo e municípios vizinhos, trouxeram à tona a questão da segurança do sistema.

Para entender um pouco mais sobre esse assunto, que, diariamente, envolve a segurança de milhares de passageiros, o Mobilidade conversou com Joubert Flores, especialista com mais de 40 anos de experiência no modal.

Como o sr. avalia o sistema de segurança do transporte sobre trilhos de SP em geral?

Quando falamos de segurança e de sinalização metroferroviária, nos referimos a tecnologias que são utilizadas há 200 anos. No início, os trens trafegavam em uma via única, e esperava-se que o primeiro chegasse a seu destino para que outro “carro” pudesse voltar, em uma via que chamamos de singela. Havia um despacho, que poderia ser uma bandeira. Estando de posse dela, o condutor poderia trafegar e, ao chegar ao final, ele a entregava a outro trem, autorizando, dessa forma, sua viagem. Algum tempo depois, a bandeira foi substituída pelo rádio, que também se transformou, por sua vez, na sinalização que temos hoje.

Como funciona a sinalização atual?

Todo sistema metropolitano, seja dos metrôs, seja dos trens, seja dos monotrilhos, possui sinalização parecida. Simplificando, ela possui três camadas. A primeira garante que se conheça a posição do trem, e isso pode ser feito dividindo a via em pedaços ou circuitos, sinalizando quando se está em determinado local e avisando aos demais que nenhum outro pode ocupar aquele espaço – o que é chamado de bloco fixo. Os sistemas mais modernos têm blocos móveis, com os trens se comunicando com os demais por uma espécie de radar. O segundo nível é o de intertravamento, quando o trem muda de via e é preciso saber qual a rota que ele deve seguir. Já o terceiro é o da automação: determina se o condutor tem controle exclusivo do carro, supervisão de velocidade, funções que são totalmente automáticas, como no caso do monotrilho, da Linha 4 do Metrô de São Paulo, entre outras.

E com relação à manutenção?

Nesse caso, é possível escolher diversas funções: nos trens que possuem condutor, caso da CPTM, é feita uma supervisão de velocidade, e um controle, caso ultrapasse o limite ou avance o sinal vermelho, e o trem para em qualquer uma dessas situações. Já no Metrô-SP ou na Linha 1 do Metrô-RJ, também há um condutor, mas o trem faz tudo sozinho. Ou, ainda, pode trafegar sem condutor, com o trem fazendo tudo sozinho sempre, configurando o grau 4 de automação, que é o mais avançado.

E todos esses aspectos revertem em segurança para os usuários, como os do monotrilho?

Ao escolher um dos sistemas mencionados, adota-se o topo da escala tecnológica ou o melhor nível de sinalização e de automação disponível atualmente. E, geralmente, sistemas sem condutor precisam ter o nível máximo de segurança, o que, na prática, indica a possibilidade de uma falha a cada 10 bilhões, o que é praticamente impossível de acontecer. Adicionalmente, eles possuem um sistema chamado fail safe, ou “falha segura”, o que significa que, em caso de dúvida de qualquer tipo, o trem irá parar. Todos os nossos sistemas em operação, inclusive o monotrilho da Linha 15, que também trafega sem condutor, tem níveis máximos de automação e de segurança.

Mas, então, o que pode estar causando esses incidentes na Linha 15-Prata?

É importante dizer que hoje existe no mundo mais de mil quilômetros de trens que utilizam o sistema sem condutor. Algumas delas são as linhas 1, 4 e 14 do metrô de Paris, na França, a linha 9 de Barcelona, na Espanha, diversas na Ásia, três delas no Chile, algumas no Canadá, entre outras. Se formos questionar essa prática, teríamos que fazer isso em nível mundial. Não podemos ser levianos com o que ocorreu na Linha 15, que, inclusive, está sendo investigado para que se conheçam os detalhes, mas, olhando de fora, aparentemente, alguma função foi desabilitada naquela situação – que não era uma viagem tripulada, e, sim, uma manobra – e culminou em um incidente.

A maioria deles, inclusive, é devido à falha humana. Com o sistema todo automatizado, antes de qualquer situação, o trem iria parar. Então, em situações normais, o que ocorreu não pode acontecer, a não ser que alguma função tenha sido desabilitada.

Há sempre alguém supervisionando as viagens no monotrilho?

Todas as operações são monitoradas em tempo real pelo Centro de Controle. O condutor também pode intervir, nos casos obviamente dos trens em que eles existem. Esses carros, em geral, não possuem cabine, mas existe uma bancada que pode ser aberta e que pode servir para essa finalidade, caso necessário. A interface desses veículos, que é automática, é exaustivamente testada.

O fundamento da tecnologia desse sistema é o mesmo que o dos veículos autônomos, com a diferença de que o trem está em um ambiente fechado, segregado, e com obstáculos conhecidos. Na rua, no caso dos veículos autônomos, os desafios e imprevistos são infinitamente maiores: pessoas circulando, animais que atravessam a rua, entre outros. O processo, no caso dos autônomos, é via machine learning, ou seja, as informações são lançadas nas máquinas até que elas aprendam e tomem decisões. Já nos monotrilhos, a probabilidade de uma falha é muito pequena, e há um monitoramento em tempo de real de uma pessoa no Centro de Controle.

Joubert Flores, 67 anos, atuou por 20 no Metrô Rio, ocupando diversos cargos, como gerente de manutenção e diretor de engenharia.

Malha metroviária de São Paulo

• 104,4 km de extensão
• 6 linhas: 1-Azul; 2-Verde, 3-Vermelha, 4-Amarela, 5-Lilás e 15-Prata
• Total de estações: 91*
* Algumas estações atendem mais de uma linha do sistema

Trens metropolitanos

• 275 km de extensão
• 7 linhas: 7-Rubi, 8-Diamante, 9-Esmeralda, 10-Turquesa; 11-Coral; 12-Safira e 13-Jade
• Total de estações: 101