Paulo Tarso Resende (002) 150pxpor Paulo Resende

I. Introdução

As grandes cidades pulsam cheias de vida, transportando por meio de suas diversas conexões, o seu bem mais precioso, as pessoas. Em redes de variados tipos de transporte, usuários geram a escala para a existência de uma miríade de ilhas de produção e consumo, que, dinamicamente, moldam o conteúdo das matrizes de origem e destino do tecido urbano. Daí o conceito de mobilidade urbana que conecta as vias de trânsito aos centros de oferta e demanda, criando um ambiente que reflete o modo como o conjunto de movimentos se acomoda ante os aglomerados de atividades sócio e econômicas e em rede com os núcleos residenciais. A cidade passa, então, a funcionar como um organismo constituído de artérias e vasos que se comunicam em resposta às atividades que demandam locomoção.

O Brasil se consolida rapidamente como um país urbano e metropolitano, com cerca de 45,7% do total de pessoas vivendo nas 26 regiões metropolitanas com população acima de 1 milhão de habitantes (Fonte: IBGE, https://www.ibge.gov.br/ 2016). A consequência desse processo é a poluição crescente, acidentes de trânsito e congestionamentos, aumento da criminalidade, entre outros. Isso resulta em um permanente estado de insatisfação da população em relação aos sistemas de transportes que, por sua vez, se veem submetidos a uma crescente expansão da renda e do emprego (com exceção dos períodos de crises econômicas), o que aumenta a demanda da população por mobilidade e suas taxas de motorização (Fonte: Castelar, Fontes e Azevedo, Desafios e Perspectivas para as Cidades Brasileiras, Seminário de Mobilidade Urbana, FGV, 2014).

Nesse contexto, a mobilidade urbana e suas formas se transformam em cenário principal para a batalha que travam os moradores das cidades, quando se veem desafiados diariamente em seus deslocamentos. Por enquanto, se formos analisar o que está acontecendo nas grandes cidades, o sentimento é de vitória do caos, com os congestionamentos crescendo e com o barulho e o stress das intermináveis filas, onde motoristas ficam até 3 horas/dia parados. E as consequências vão muito além do tempo perdido e da visão dantesca dos congestionamentos, atingindo compostos de valores comuns a grupos de indivíduos. Os efeitos estão na propensão ao isolamento, na formação de ilhas de consumo, na redução das redes de relacionamentos, enfim, na deterioração do tecido social e da qualidade de vida.

Logo, a agenda da mobilidade urbana deve contemplar dois aspectos. O primeiro se relaciona com a oferta de uma rede de transportes urbanos capaz de responder a diferentes necessidades enraizadas nas matrizes de origem e destino. Essa oferta deve vir acompanhada, naturalmente, de eficiência energética e ambiental, com tecnologias adequadas ao volume e às características da demanda a ser atendida, com bons serviços prestados e respeito aos princípios da modicidade tarifária. O segundo consiste em repensar as cidades, estimulando a ocupação mista do espaço urbano no que diz respeito às atividades e na mescla de estratos sociais, por meio de movimentos planejados de requalificação dos diversos polígonos urbanos. O objetivo é a redução das necessidades de deslocamentos pela desconcentração dos polos de atração de viagens.

II. A gênese do problema da mobilidade urbana nas regiões metropolitanas

A variação populacional se intensifica na direção da periferia ao centro expandido, transformando os bairros externos da cidade principal e as cidades no entorno em centros de grande ocupação residencial. Esse movimento se estende por distâncias cada vez maiores, devido à grande especulação imobiliária que acompanha a maior demanda por moradias. Associa-se a esse movimento de suburbanização uma ocupação desordenada, decorrente de políticas desintegradas de uso do solo.

A conclusão é que a mobilidade urbana “… não está relacionada somente com o mero deslocamento de pessoas e cargas no território geográfico das cidades, mas também com inúmeras interfaces relacionadas, como a qualidade de vida e a produtividade do trabalho de seus cidadãos, e também com o planejamento racional combinando o adensamento populacional adequado com espaços de ocupação mista, reunindo áreas residenciais, comerciais, e de entretenimento em distâncias relativamente curtas.” (Fonte: compêndios do 20 Fórum Nacional de Mobilidade Urbana, Foz do Iguaçu, 2017).

III. Sistemas ferroviários: uma das soluções para a qualidade de vida nas cidades

O mundo desenvolvido já descobriu que uma das maneiras mais eficientes de conviver com os desafios da mobilidade urbana no contexto da qualidade de vida dos cidadãos é a implantação de sistemas ferroviários de transporte de passageiros. Os números impressionam quando são listadas as dez maiores redes do mundo, tais como (fonte: https://gigantesdomundo.blogspot.com/2012/11/as-10-maiores-redes-de-metro-do-mundo):

1 – Metrô de Xangai-China

O sistema de metrô de Xangai é atualmente o maior do mundo com 434km de rota combinada operacional, 278 estações em funcionamento, distribuídas em 11 linhas de metrô (dados de 2012). A média diária em 2015 foi de 2,2 milhões de passageiros. Há previsão para dobrar esse número até 2020.
2 – Metrô de Londres-Inglaterra
O sistema de metrô de Londres está em segundo lugar, com 408km de extensão, 270 estações e 11 linhas. Possui uma média diária de 2,950 milhões de passageiros por dia. Até 2025, estão previstos grandes investimentos no sistema metropolitano londrino.

3 – Metrô de Nova Iorque-EUA

Em terceiro lugar, o metrô de Nova Iorque tem 369km de extensão, 468 estações em operação e 24 linhas. É um dos mais velhos e extensos sistemas de transporte público do mundo, inaugurado em 1904. Possui um tráfego diário de cinco milhões de passageiros.

4 – Metrô de Pequim (Beijing)-China

A quarta maior rede de metrô do mundo é a de Pequim, com 337km de extensão, 14 linhas e 198 estações. A previsão era que, em 2015, se tornasse o mais extenso do mundo, com 561km. O governo municipal de Pequim espera chegar aos mil quilômetros de extensão de rede em 2020. Possui um tráfego médio diário de 4,5 milhões de passageiros.

5 – Metrô de Tóquio-Japão

O metrô de Tóquio é um dos mais movimentados do mundo, com uma média de sete milhões de passageiros por dia. O sistema do metrô de Tóquio é o quinto mais extenso do mundo, com 328,8km de extensão, 13 linhas e 283 estações.

6 – Metrô de Moscou-Rússia

O metrô de Moscou possui 308,7km de extensão, 12 linhas e 186 estações. É um dos mais movimentados do mundo, com 6,6 milhões de passageiros por dia. Algumas estações construídas sob o rio Moscou, durante a Segunda Guerra Mundial, são muito profundas e foram planejadas para servirem de abrigos seguros em caso de bombardeio.

7 – Metrô de Seul-Coréia do Sul

O metrô de Seul estende-se por 287km, conta com nove linhas e 266 estações. É um dos mais movimentados do mundo, com sete milhões de passageiros por dia.

8 – Metrô de Madri-Espanha

O metrô de Madri possui uma extensão de 283,3km, 282 estações, divididas em 13 linhas, além de um ramal de três linhas operadas com veículo leve sobre trilhos (VLT). Apresenta um tráfego médio de dois milhões de passageiros por dia.

9 ¬- Metrô de Guangzhou-China

O metrô de Guangzhou tem 236km de extensão e 144 estações. Seu tráfego diário é de sete milhões de passageiros por dia. A capacidade operacional total está prevista para ultrapassar 600km até 2020.

10 – Metrô de Paris-França

O metrô de Paris tem 214km de extensão, 16 linhas e 301 estações. O sistema transporta uma média diária de 4,8 milhões de passageiros.

Enquanto isso, o Brasil se vê completamente fora do quadro dos grandes metrôs do mundo, apresentando um mapa bastante tímido, conforme mostrado a seguir.

Artigo

IV. Acelerar a implantação de sistemas ferroviários nas cidades brasileiras: um grande desafio e uma grande solução

A busca pelos sistemas ferroviários como peça fundamental na melhoria da mobilidade urbana no Brasil passa pelas características dos movimentos, como os exemplos de São Paulo e Porto Alegre, como se pode ver nos mapas a seguir que mostram os veículos rastreados e seus movimentos nos principais corredores (Fonte: https://www.google.com.br/figuras).

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Podem ser observados carregamentos em eixos de longa distância e que são propícios à implantação de sistemas de trens, tanto metropolitanos quanto intermunicipais. Essa configuração representa quase a totalidade do contexto das maiores regiões metropolitanas do País. Abrem-se, dessa maneira, portas para uma maior participação ferroviária na matriz de transportes de passageiros urbanos. E a qualidade de vida pode ser positivamente afetada, considerando-se as seguintes consequências:

1. Descompressão nos congestionamentos nos principais eixos rodoviários hoje carregados.

2. Redução na emissão de poluentes pela substituição de veículos entre o modal rodoviário e o ferroviário.

3. Diminuição da saturação de ocupações ao longo de diversas vias urbanas devido à necessidade de economias de aglomeração.

4. Finalmente, a rapidez nos deslocamentos poderia fomentar mais movimentações de pessoas com objetivos de socialização.

É preciso que o Brasil implemente estratégias que coloquem o transporte sobre trilhos no radar do planejamento de longo prazo. Os planos de mobilidade urbana das cidades precisam reconhecer que a implantação de mais sistemas ferroviários de transportes de passageiros é também uma questão de melhor qualidade de vida nas cidades. Dessa maneira, pode-se aproveitar o que há de mais avançado no mundo, equilibrando os movimentos nas cidades e atingindo um patamar de evolução como outros países já atingiram há muito tempo.

Paulo Resende é doutor em Planejamento de Transportes e Logística (University of Illinois at Urbana Champaign-EUA) e mestre em Planejamento e Engenharia de Transportes (Memphis State University-EUA). É membro do Supply Chain Council (EUA) e Capacity Committee Member, Transportation Research Board (EUA) e autor de livros nas áreas de Logística, Transporte, Cadeia de Valor, supply chain management, vendas e canais de distribuição.

 

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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