Países de todo o mundo sofrem impactos na mobilidade causados pela pandemia do novo coronavírus. O isolamento social, pregado pelas autoridades de saúde como a melhor forma de prevenção, resultou em mudanças de hábitos da população.

Dados colhidos pelo Google por meio do histórico de localização de seus usuários que optaram por ativar o serviço ajudam a compreender como a mobilidade urbana no Brasil se modificou durante a pandemia. Em relatório referente ao dia 29 de março, em comparação com o período de 3 de janeiro a 6 de fevereiro, é possível observar o baixo deslocamento pelas cidades. No entanto, os números não são absolutos.

No Brasil, houve uma queda de 71% em locais de lazer e compras. O movimento em mercados e farmácias caiu 35%; em espaços abertos, como parques e praias, 70%, e centros de transporte público, como estações de metrô, ônibus e trem, apresentaram queda de 62%. A frequência nos locais de trabalho caiu 34%. A única categoria que cresceu foi a residencial, com um aumento de 17%.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, a queda na frequência em lojas, locais de lazer e espaços abertos ficou acima de 70% e em estações de transporte a 60%. Já em locais de trabalho, foi de 37% nos dois estados.

A trancista Claudiane Wenceslau, moradora do Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, é uma das que deixou de usar o transporte público com receio do contágio. “Costumava usar BRT e ônibus e, desde que a pandemia começou, só uso o aplicativo 99, que é o que funciona na favela, e porque a probabilidade de contágio é bem menor”.

Durante a pandemia, Claudiane só trabalha dentro da comunidade, onde se desloca a pé, mas para visitar o namorado, usa o app. Quando retomar o estágio, ela diz que terá que voltar a usar o transporte público.

De acordo com pesquisa da 99, o medo do contágio se tornou fator preponderante na escolha do meio de locomoção nas periferias brasileiras, o que levou 54% a usar o app com mais frequência durante a pandemia.

Queda no transporte por ônibus
O transporte por ônibus urbano teve uma redução diária em torno de 30 milhões de passageiros e prejuízo de R$ 3,72 bilhões, de março a junho, e que pode chegar a R$ 8,79 bilhões até o fim de 2020, mesmo com retomada gradual da demanda, de acordo com projeções da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Os dados abrangem 26 capitais, o Distrito Federal, 14 regiões metropolitanas e 295 municípios.

Com demanda menor que a oferta, muitas empresas de ônibus fecharam, outras estão correndo risco de encerrar suas atividades.

De acordo com o painel da Confederação Nacional do Transporte (CNT), no primeiro semestre de 2020, o setor de transporte acumulou perda de 56.584 vagas de emprego. Nesse período, o segmento com pior desempenho foi o rodoviário urbano de passageiros, com a demissão de 27.697 trabalhadores.

Mas o coronavírus não é o único culpado, ele só agravou a crise no setor, que vem perdendo passageiros ano após ano, por causa da falta de políticas públicas. Entre 2013 e 2017, a queda foi de 25% e, entre 2018 e 2019, 12,5 milhões de pessoas deixaram de usar o ônibus.

Impactos sobre trilhos
Os sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos do Brasil (metrô, trem urbano e VLT) tiveram queda no movimento no primeiro semestre do ano, ficando em torno de 880 milhões de pessoas, apenas 57% do esperado para o período, se comparado aos primeiros seis meses de 2019, quando foram transportados 1,550 bilhão de passageiros, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).

“De 16 de março a 6 de setembro, tivemos um movimento semanal médio de passageiros de apenas 33.7 % e uma queda de receita de mais de 5 bilhões. De 31 de agosto a 6 de setembro, houve uma leve tendência de acréscimo na demanda, comparada às semanas anteriores, porém ainda muito incipiente, devido à flexibilização”, explica João Gouveia, vice-presidente executivo da ANPTrilhos.

No Rio de Janeiro, a SuperVia, que opera trens urbanos que ligam 11 municípios da região metropolitana e passa por 122 favelas, registrou perda de 47,2 milhões de passageiros e prejuízo de mais de R$ 204,5 milhões, desde que foi oficialmente decretada a pandemia no Brasil até 14 de setembro.

Já o MetrôRio perdeu, em média, 18,6 milhões de embarques por mês, uma redução diária superior a 70% do seu público. A empresa teve prejuízo acumulado de R$ 190 milhões desde o início da crise da Covid-19 até julho.

Transporte público indispensável
Apesar da redução de pessoas circulando pelas cidades, muitas continuaram dependendo do transporte público, já que nem todas podem trabalhar remotamente ou possuem veículo próprio para se locomoverem.

O trocador de ônibus Edmundo Silva Andrade trabalha em linhas diferentes durante a pandemia, a principal delas é a que faz o trajeto Federação – Nazaré, em Salvador.

“O movimento sempre foi grande, ônibus lotado, com ou sem pandemia”, conta Edmundo, que trabalha de 5h às 14h, pegando o horário de pico da manhã. Morador da periferia da capital baiana, ele costuma ir para o trabalho de carro, às vezes pega ônibus.

Pesquisa promovida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em parceria com o aplicativo de mobilidade urbana Moovit, reforça que o transporte público segue indispensável mesmo na pandemia.

Realizado entre 24 e 28 de abril, com 33 mil usuários do aplicativo em nove grandes cidades da América Latina, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro, o levantamento mostrou que, durante a semana anterior, a maioria dos entrevistados (54,6%) fez uso pelo menos uma vez do transporte público. As cidades com as maiores porcentagens foram São Paulo, com 73,3%, e Rio de Janeiro, com 69,1%. A maior parte dos paulistanos (80%) e dos cariocas (79,5%) utilizou o transporte público para ir ao trabalho pelo menos uma vez no período.

Entre quem utilizou transporte público, 75,3% pertencem à população economicamente mais vulnerável, que ganha até 3 salários mínimos.

Dos que não utilizaram transporte público, 70,6% disseram que não precisaram viajar, provavelmente devido às medidas de confinamento ou por poder trabalhar de casa.

Outros 25,9% utilizaram outros meios de transporte, como a pé, carro ou bicicleta, e 3,3% não pôde viajar devido à falta de serviço em sua rota habitual. Desses usuários que não utilizaram transporte público, 68,7% pretendem voltar a usá-lo após o fim do isolamento. Entre os demais, 23,3% estão indecisos e 8% não tem intenção de utilizar novamente.

No Brasil, o transporte coletivo é responsável por 50% das viagens motorizadas. A diminuição de passageiros é grave em um país cuja matriz de transportes urbanos é bastante desequilibrada entre os modos, com a predominância do modo a pé, que corresponde a 40% dos deslocamentos nas cidades, seguido do transporte individual por automóveis, com 25%, e por ônibus, com 24%. O transporte sobre trilhos corresponde a apenas 4%, segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).

Os deslocamentos a pé tenderão a aumentar ainda mais após a pandemia, assim como o uso do automóvel. Uma alternativa para impedir a compra de carro e o aumento do congestionamento é um planejamento eficiente e adequado à nova realidade, com modos de transporte integrados e opções seguras, que permitirá a recuperação do sistema de transportes das cidades.

17/09/2020 – Agência de Notícias das Favelas (ANF)