Eram 8h10 da manhã quando chegamos à estação Pirajá, localizada na ponta da Linha 1 do sistema metroferroviário de Salvador e Lauro de Freitas, hoje operado pela CCR Metrô Bahia, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) com o governo do estado. Antes de embarcarmos na cabine de um trem da série 2000, fabricado pela Hyundai-Rotem, para percorrer os 33 km de trilhos do metrô da capital baiana, fomos à sala de convivência da estação, um espaço cuja entrada só é permitida para funcionários identificados com crachá.

Sofás, mesas e cantinho para café e água davam a dica de que o local era o ponto de encontro de funcionários para conversas, descanso e trocas sobre a rotina de trabalho. Foi nesse espaço que tivemos o primeiro contato com Maiara de Freitas, que na CCR Metrô Bahia atende pelo cargo de agente de atendimento e operação de trens – uma de suas funções é conduzir as composições. A empresa hoje conta com 143 condutores de trens, sendo 30 do sexo feminino. A supervisora de Interação com Cliente, Gisele Ventura, também iria nos acompanhar na viagem (hoje a profissional não faz mais parte da equipe da empresa).

O combinado era fazer o trajeto completo da Linha 1, que vai da estação Pirajá à estação Lapa. Da Lapa, voltaríamos para a estação Acesso Norte, onde acontece a transferência dos passageiros para a Linha 2; e chegaríamos até a estação Aeroporto – inaugurada em abril de 2018. O sistema possui 20 estações no total: a Linha 1 tem oito e 12 km de extensão; a Linha 2, 12 e 21 km de trilhos.

Após o café, fomos para plataforma. A ideia era acompanhar a primeira viagem do dia de Maiara, no horário de pico. Entre 6h30 e 8h30 da manhã, a estação Pirajá é a mais lotada do sistema: nesse corte de horário, recebe cerca de 12.673 passageiros. No horário de pico da tarde, entre 16h30 e 18h30, Lapa recebe volume maior de usuários (média de 15.868 pessoas). “No horário de pico, a quantidade de usuários triplica e, por isso, devemos redobrar a nossa atenção”, afirmou Maiara, antes de iniciar a viagem.

Entramos na cabine às 8h32. O trem, já na plataforma da estação Pirajá, ficou parado por 20 segundos. Enquanto os passageiros ingressavam na composição, Maiara fixava o olhar no espelho localizado no alto da plataforma, estrategicamente posicionado para atender ao campo de visão do condutor a bordo do trem. Pelo espelho, a condutora sabe em que momento deve acionar o botão para abertura e fechamento das portas, que é feito de forma manual. O sistema de sinalização do Metrô de Salvador é o CBTC (na sigla em inglês Communications-Based Train Control) fornecido pela Siemens. Isso significa que o sistema de controle do trem é conduzido de forma automática, guiado pelo cérebro da operação, que é o Centro de Controle Operacional (CCO), localizado no centro administrativo da CCR Metrô Bahia, em Pirajá.

“O mínimo de tempo entre abertura e fechamento da porta é 10 segundos. Dependendo do fluxo, no horário de pico, o operador de trem tem autonomia para só fechar as portas quando todos estiverem embarcado”, explica Gisele. No horário de pico, a média de tempo em que o trem permanece na plataforma das estações é de 30 a 40 segundos, afirma Gisele, acrescentando que o sistema não autoriza a partida do trem caso uma das portas da composição esteja aberta. “É automático, do sistema”, explica.

Monitoramento de via

Se é tudo feito de forma automática, pergunto qual são as outras funções do operador enquanto conduz o trem. Gisele explica: “Monitoramento da via e da rede aérea, não podem subir animais e pessoas na via, porque aqui é aberto, né? No nível da rua. Existem as grades, mas já aconteceram situações de pessoas pularem as grades pra invadir a via. O operador de trem tem autonomia para frear o trem e informar ao CCO sobre qualquer eventualidade que venha a acontecer na linha”. O Metrô de Salvador tem apenas duas estações subterrâneas, ambas são na Linha 1 (Lapa e Campo da Pólvora, a 34 metros de profundidade).

De fato, Maiara não desgruda a mão do botão de emergência durante todo o percurso. Na CCR Metrô Bahia existe a regra: o operador deve sempre permanecer com a mão posicionada no botão de emergência para aplicar essa função e parar o trem independentemente do CCO, caso aconteça alguma eventualidade. O uso por parte dos operadores de trem de Equipamento de Proteção Individual, que inclui capacete, colete, botas e rádio (para comunicação com a equipe de tráfego) também é obrigatório. Na cabine, há ummicrofone especial para a comunicação com o CCO.

Maiara explica as funcionalidades no painel de controle do trem. Duas delas são imprescindíveis à operação: além do botão de emergência, já citado, existe a chave seletora. Se habilitada para frente, significa que o trem está em uso, mesmo que de forma automática. Para começar a viagem, é preciso que a chave seletora esteja para frente. Se a chave estiver no meio, quer dizer que o trem está parado. Para trás, a composição está preparada para dar ré. A chave seletora fica para frente enquanto o trem está em operação. Numa condição em que o trem se movimenta de forma manual, a chave seletora é o “volante” do condutor.

No painel de controle existe o botão chamado de “Lâmpada”. “Se qualquer falha acontecer ele já sinaliza qual é a falha e a lâmpada vermelha acende”, explica Maiara. Ela cita outras funcionalidades: tela do condutor, tela do sistema, regulagem de velocidade do trem, abertura e fechamento das portas, câmera que mostra o que acontece no interior dos carros. Sobre situações inusitadas, Maiara conta: “Uma vez uma passageira passou mal e outro usuário entrou em comunicação comigo, através desse botãozinho (aponta). Apertam lá de dentro do trem e eu falo com a pessoa por aqui. Ele falou que uma senhora estava com princípio de infarto. Eu comuniquei imediatamente ao CCO, que então chamou o pessoal da segurança, dos primeiros socorros. Na estação seguinte, permaneci com as portas abertas do trem até retirarem o usuário da composição. Eles tiraram, deram atendimento, encaminharam para o hospital. Tudo é feito na base da comunicação e com a equipe de primeiros socorros da CCR”.

Gisele lembra também de uma apagão que aconteceu em Salvador em março de 2018, que paralisou os trens e a operação do sistema durante cerca de 15 horas. “Foi, graças a Deus, bem tranquilo, porque quando aconteceu o apagão a maioria dos trens, nas duas linhas, estava na plataforma. Só dois trens estavam próximos à plataforma. Então o operador fez a evacuação pela passagem de emergência dos usuários, paralela à via. Os agentes de segurança direcionaram todos os passageiros desses trens para a plataforma. Foi tranquilo. Mas tivemos que evacuar todas as estações”, recorda.

Na Linha 1, o tempo médio de percurso do trem entre uma estação e outra é de dois minutos e 12 segundos. O trem pode atingir 80 km/hora, mas durante a nossa viagem, a velocidade ficou na média de 50 km/hora. “O percurso da Linha 1 é sinuoso, o que obriga o CCO a reduzir um pouco a velocidade da composição. Na Linha 2, cujas estações são mais distantes uma das outras, em alguns pontos o trem atinge 80 km/hora”, explica Gisele. Na Linha 2, o tempo de percurso entre uma estação e outra é de dois minutos e meio. O percurso entre Pirajá e Lapa foi de 18 minutos (são 11 km de extensão). Às 8h50, Maiara conduziu o trem para a zona terminal da estação Lapa, para manobra, também feita de forma automática com monitoramento do CCO. Antes de sair da cabine, Maiara fez o procedimento de reversão automática, para desabilitar a cabine. A partir daquele momento, a cabine da outra ponta do trem passou a estar habilitada. A inversão do sentido do trem estava autorizada.

Na zona de manobra na estação Lapa, sempre há um trem de prontidão, ou seja, de stand by, para caso aconteça alguma falha na composição em operação. Para a Linha 2, o trem de prontidão está localizado na estação Pituaçu, onde há uma linha de estacionamento para composições. Saímos da cabine e fomos até a plataforma da estação Lapa. Pegaríamos o trem junto com os passageiros desta vez, até a estação Acesso Norte, para ingressarmos na cabine com outro condutor rumo à Linha 2 do sistema.

“Projeto irreal”

Antes de ingressar na CCR Metrô Bahia, Gisele trabalhava na área de telemarketing. Na procura por outras oportunidades, colocou seu currículo para concorrer à vaga de agente de atendimento e orientação no metrô de Salvador. “Quando vi essa vaga, achei meio estranho. O metrô de Salvador sempre foi algo irreal para o povo soteropolitano. A obra demorou 14 anos para ser concluída. Pensei na hora, essa vaga pode ser fake, mas vou arriscar”, disse, rindo. Até 2013, o Metrô de Salvador era um projeto inacabado que se arrastava desde 1999 e reuniu todo o tipo de clichê que costuma aparecer em obras de grande porte no Brasil. Quando o metrô foi concessionado, em abril de 2013, havia quatro estações quase prontas, seis km de linha e R$ 1 bilhão gastos no projeto. Com a PPP firmada entre o governo do estado e a CCR, as obras andaram, ou melhor, voaram. Hoje, o sistema tem 33 km, duas linhas e 390 mil passageiros/dia.

Para Gisele, de 28 anos, o sentimento da população ao ver o metrô funcionando é de vitória. “A minha sensação é de fazer parte da história. Presenciamos o início da Linha 1, a gente vê hoje o trem chegando ao Aeroporto. Isso tem muito de nós aqui, do nosso esforço. É muito gostoso e gratificante”, disse, com sotaque legitimamente baiano. Gisele contou que fez treinamento para trabalhar como operador de trem. “Estudei toda parte técnica e elétrica do trem. Condução manual do trem. Porque quando eu entrei nós conduzíamos a composição manualmente no trecho todo, não era automático. Era tudo manual. E os trens não eram esses. Eram os Alfas. Esse trem é o Bravo”, disse, referindo-se também aos trens da série 1000, da Hyundai-Rotem, adquiridos pelo governo do estado em 2008 e reformados pela CCR Metrô Bahia para operar com o sistema automático (CBTC).”Era muito gostoso conduzir manualmente. Tínhamos que ter o dobro de responsabilidade e de atenção, mas eu gostava muito. Na entrada de plataforma, a gente tinha que manter a velocidade correta, na descida, nas subidas. Quando eu entrei era 60 km/hora a velocidade máxima permitida. Agora é 80 km/hora porque é tudo feito no automático”, explicou.

Já Maiara chegou à CCR Metrô Bahia quando o sistema operava apenas entre as estações Lapa e Acesso Norte. Veio da área de telemarketing, tem 22 anos hoje – está há seis na CCR Metrô Bahia. “Não existiam as outras estações. Não existia a Linha 2. Era Alfa, tudo manual, era tudo diferente. E ai a gente foi passando pelos processos de evolução e hoje estamos aqui com os Bravos, é diferente”. Formada em um curso tecnólogo de Logística, Maiara já entrou na empresa como operadora de trem. Fez provas de português, matemática e elétrica durante o processo seletivo e passou pela área de treinamento.

“Meu grande sonho era pilotar caminhão. E aí eu ganhei de presente o trem. Grande, um pouco diferente, mas foi uma satisfação! Muita gente comenta: como é conduzir? No início foi curioso, as pessoas perguntavam bastante. E hoje estou aqui, me identifiquei muito com o tráfego. Não me vejo em outro setor”, disse.

O turno de Maiara – assim como de todos os condutores de trem – é de 12 horas. Nesse período, costuma fazer até nove voltas (indo e voltando) no trecho Pirajá-Lapa, da Linha 1. Durante o horário de pico, manhã e tarde, não há tempo de descanso entre uma volta e outra. Fora do horário de pico, no entanto, a condutora consegue algunsminutinhos na sala de convivência.

Via nova

De Lapa a Acesso Norte são quatro estações. Os trens da Hyundai-Rotem têm gangways, ou seja, passagem sanfonada e aberta entre os carros. Gisele se despediu de nós e deu lugar a Mário Vasquez, que era coordenador de Tráfego quando a reportagem foi feita, mas hoje não faz mais parte da equipe da CCR Metrô Bahia. Entre uma conversa e outra, Mário nos contou que a limpeza dos trens é feita por uma empresa terceirizada, que fica instalada no pátio de Pirajá e nas linhas de estacionamento das composições. Todos os dias os carros passam por limpeza.

Chegamos à estação Acesso Norte. Fomos em direção à transferência de trens entre as linhas 1 e 2. A composição que faria o trajeto na Linha 2 já estava na plataforma. Mário pediu permissão para ingressar na cabine do condutor. A escala da vez era com Diego Fagner, operador de trem da CCR Metrô Bahia desde 2015.

Comparando as vias das linhas 1 e 2, eram visíveis as diferenças. Na Linha 1, de Lapa a Acesso Norte, existem dormentes e britas. A partir da estação Acesso Norte, assim como toda a extensão da Linha 2, a via é composta apenas de sapatas e grampos alocados embaixo do trilho. “A tecnologia que se chama LVT (LandingVehicleTracked) diminui a vibração e ruído do trem, pois utiliza lastro de concreto no lugar do tradicional lastro brita”, explicou Mário. Na Linha 2, a sapata tem uma capa de borracha que absorve a vibração durante o percurso do trem, continuou Mário.

“Quando pegamos o projeto, o trecho entre Lapa e Acesso Norte já estava construído. Por isso, nesse trecho, mantivemos o que já havia sido executado. A partir dos trechos que foram construídos depois, optamos pelo uso de sapatas e grampos na via, sem dormentes e britas”. Pergunto a diferença entre as duas opções. “Uma delas é o tempo de execução”, ressalta Mário. “Mais rápido, menos necessidade de manutenção. A brita precisa de reposição constante”.

Chegamos à estação Aeroporto. A 2,5 km do Aeroporto Internacional de Salvador, a estação dispõe de shuttles gratuitos que levam passageiros ao terminal aéreo. A Linha 2 tem 12 estações e 21 km de extensão. Atualmente, entre 6h e 8h, 7,9 mil passageiros acessam a estação Aeroporto. À tarde, entre 16h e 19h, são 8,9 mil usuários.

Pela PPP, a extensão do sistema até o município de Lauro de Freitas está atrelada a uma meta definida no contrato de concessão: 6 mil passageiros deverão acessar a estação Aeroporto nos horários de pico por seis meses consecutivos para que sejam iniciados os estudos para a construção da estação Lauro de Freitas. A média dos dias úteis, nos últimos seis meses (de agosto de 2019 a janeiro de 2020), foi de 4.296 passageiros das 17:30 às 18:30 na estação Aeroporto.

26/03/2020 – Revista Ferroviária