Marconi Perillo: “Se não for feita a reforma da Previdência, não vai ter dinheiro para infraestrutura”

Marconi Perillo, aos 54 anos, acumula a experiência de já ter passado 16 anos à frente do governo de Goiás em quatro diferentes mandatos. Em abril, ele deixará o governo – ainda não sabe se será candidato ao Senado ou se vai ajudar na coordenação do candidato do PSDB à presidência – sem conseguir terminar um projeto que começou ainda em seu primeiro mandato, na década de 1990: o trem de alta velocidade entre Goiânia e Brasília (DF).

“Onde quer que eu esteja daqui para frente, eu vou estar focado nesse projeto”, afirmou Perillo em entrevista à Agência iNFRA realizada esta semana no Palácio das Esmeraldas, em Goiânia.

Outros projetos importantes para o estado seguem parados, como a Ferrovia Norte-Sul, pronta há quatro anos e sem funcionar. O governo federal coloca a culpa na burocracia, segundo ele. Mas, para o experiente governador e atual vice-presidente do PSDB, não há solução para os entes públicos melhorarem a infraestrutura fora das parcerias com a iniciativa privada. O primeiro motivo, para melhorar a gestão do próprio estado. O segundo, é mais grave: para ele, não haverá mais recursos devido ao problema previdenciário.

“Se não for feita a reforma da previdência, não vai ter dinheiro nem para a União, nem para os estados realizarem obras de infraestrutura”, disse Perillo.

Agência iNFRA – O senhor tem levado ao governo federal o projeto de ligação ferroviária entre Brasília e Goiânia. É possível termos um primeiro trem regional de qualidade e alta velocidade ligando dois estados do país para o transporte de passageiros?
Marconi Perillo – O maior empecilho para você não chegar a um determinado ponto é não dar o primeiro passo. Na década passada, eu e o governador [Joaquim] Roriz (DF) começamos a trabalhar e elaborar projetos que pudessem viabilizar o trem de alta velocidade ligando Goiânia a Brasília. Hoje, isso está muito atual. É uma demanda muito forte, de todo mundo que mora lá e que mora aqui. A partir de 2011, avançamos bastante. Conseguimos elaborar um bom projeto, um bom estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental, que está pronto. Avançamos na modelagem e nos projetos preliminares em relação a traçado, engenharia. Hoje, temos na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que é quem coordena, uma ideia de PPP (Parceria Público-Privada) que deve ter lançado o edital, com muitos interessados. Russos, chineses, árabes, brasileiros. Não tenho dúvidas que é um projeto muito avançado, que para de pé, exigindo contrapartidas pequenas da União, de Brasília e de Goiás.

Mas está pronto para ir ao mercado?
Não tenho dúvidas que está pronto. Basta ir ao mercado que vamos ter empresas privadas interessadas, e essa linha férrea será a primeira. Temos que continuar brigando por ela. Onde quer que eu esteja daqui para frente, eu vou estar focado nesse projeto. Ele está amadurecido, não aconteceu agora, mas pode acontecer daqui a dois anos, três anos, cinco anos. O fato é que vai interligar definitivamente Goiânia à Brasília transformando esse eixo num dos mais importantes eixos econômicos do país.

O governo está colocando a licitação da Norte-Sul em andamento. O que o senhor achou do que está colocado? É adequado para Goiás?
O primeiro ponto é que, nós, governo e empresários, estamos apreensivos com a demora na operação. Já vão fazer quatro anos que a ferrovia foi inaugurada e não entrou em operação. O que mais desejamos é que a operação se inicie imediatamente, para dar mais competitividade aos produtos da região Centro-Oeste. Ela tem que ter operacionalidade.

Como concessão?
Esperamos que tenha uma modelagem que seja boa, legal, de acordo com todos os padrões de licitação. Mas o desejo maior é que entre em operação imediatamente. É uma cobrança recorrente aqui.

O que dizem para o senhor quando cobra o motivo de não estar funcionando?
Culpam a burocracia. Já estive com o ministro da Casa Civil, dos Transportes, com o ministro Moreira Franco. Estive várias vezes com o presidente da ANTT, várias vezes. E sempre há a alegação de que tem entraves no Tribunal de Contas em relação à modelagem, e é o que está sendo destravado agora.

Mas para ela funcionar? A Valec não poderia operar?
Acho que quiseram fazer uma subconcessão desde o início. Pode ser que a Valec tenha limitações para fazer operar uma ferrovia como essa. Acho que a opção que fizeram foi a concessão. Mas o que interessa para nós é que seja rápido e eficiente.

O que isso causa de prejuízo ao estado nas estimativas de vocês?
Primeiro nas estradas. Quanto mais caminhões pesados, mais elas são deterioradas, e o estado tem que gastar mais, principalmente com as estradas estaduais. Segundo, com o preço das nossas commodities que encarecem com o transporte rodoviário. Poderíamos ter preços bem mais competitivos se já estivéssemos utilizando a Ferrovia Norte-Sul, que tem um frete muito mais barato.

E agrada a solução apresentada, pelos estudos que seu gabinete fez?
A informação que temos é que a modelagem é boa. Mas precisa de agilidade.

Em outras ferrovias planejadas para cá o governo colocou o pé no freio, mas algumas pessoas as julgam importantes. Entre elas, a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste). Há algo que o governo do estado possa fazer para atrair mais ferrovias para cá?
Quando o Bernardo Figueiredo [ex-diretor-geral da ANTT e ex-presidente da EPL] apresentou o Plano Estratégico Nacional de logística, nós ficamos muito animados. Havia a possibilidade da construção mais rápida da Fico, ligando Campinorte a Lucas do Rio Verde. Havia também o início de toda uma expectativa em relação à Fiol (Ferrovia Oeste-Leste), saindo de Ilhéus e se ligando ao Tocantins, e essa ferrovia foi parada. O tramo Sul da Norte-Sul ficou parado um tempo e agora está retomando, que é uma obra muito importante, até Estrela d’Oeste (SP). E havia ainda dois outros traçados. Um que saía do Norte de Goiás até o Rio de Janeiro, que era uma espécie de ferrovia transcontinental. E a ferrovia para Brasília. Essas ferrovias todas são e serão absolutamente estratégicas para o país.

Mas como fazer?
Não há dinheiro para se construir com recursos públicos. É preciso efetivamente um plano ousado para atração de capital estrangeiro ou de empresas privadas, tanto nacionais, como estrangeiras.

O consórcio que o senhor lidera com outros estados da região central do país pode, de alguma maneira, ajudar a viabilizar essas operações, seja com empresas ou com o capital estrangeiro?
Nós debatemos isso nesses três anos de existência do Consórcio Brasil Central. Levamos autoridades responsáveis por essas obras de infraestrutura para debater conosco. E, também, especialistas, consultores. Há toda uma pressão nossa até porque também essas obras de logística e infraestrutura citadas aqui em Goiás são importantes para alguns estados. Mas há outras obras importantes para Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e não só ferroviárias, mas também hidroviárias. O Tocantins tem muito interesse na navegação do Araguaia. No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, também tem outras prioridades. Temos tratado de um plano de logística para todo o Brasil Central e levado essas demandas, evidentemente, ao governo. Acho que falta um órgão, uma empresa, que pudesse se transformar num banco de projetos e num banco de estímulo às parcerias e concessões. É preciso colocá-las na rua. E ir atrás de interessados

O Bernardo, quando fez o Plano, colocou a EPL com essa função…
Estive uma vez conversando com a ministra de Infraestrutura da Espanha e ela teceu elogios enormes ao Bernardo Figueiredo. Nós tínhamos um bom plano. Temos falado com o doutor Jorge [Bastos, diretor-geral da ANTT], que é extremamente atencioso com os assuntos do estado de Goiás, e temos sempre levado à consideração dele maneiras de agilizarmos isso. Também levei isso ao ministro Moreira Franco, para agilizarmos o programa de concessões do país.

O senhor está há 20 anos, praticamente, no governo [dois mandatos seguidos entre 1999 e 2006 e mais dois entre 2011 e 2018] e a construção de infraestrutura é sempre problemática para qualquer ente governamental. O que o senhor pode passar de experiência para quem vai chegar em 2019 para que essa área ande?
Tínhamos muitos problemas aqui quando a manutenção das rodovias pavimentadas e não pavimentadas era de responsabilidade da administração direta do estado. O maquinário vivia quebrado, era uma dificuldade a operação direta. Até que tomamos a decisão de licitar e terceirizar por regiões a manutenção e a conservação de toda a malha rodoviária pavimentada e não pavimentada. Na época, chamava Terceira Via. Agora, se chama Rodovida Manutenção e Conservação. Temos um recurso do Fundo de Transportes e do Protege Infra que é voltado somente para a manutenção. As empresas que venceram a licitação são as responsáveis pelo grupo de rodovias. Isso já foi adotado por outros estados, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Não há outro caminho, na minha opinião, que não seja o profissional, inteligente e terceirizado. Por outro lado, fizemos um planejamento aqui dentro do Rodovida para reconstrução de rodovias. Também definimos uma fonte financeira, do Fundo de Transportes e das Operações de Crédito, para fazer a reconstrução da malha que ficou estragada. Nós vamos chegar a mais de seis mil quilômetros de rodovias reconstruídas a partir de 2013. E temos o Rodovida Construção, que é destinado para construção e conclusão e duplicação de rodovias. Esses programas todos deram uma transformada no panorama rodoviário estadual.

A Região Metropolitana de Goiânia tem um sistema de gerenciamento dos ônibus moderno, com alto uso de tecnologia, além de contratos com passe livre para estudantes. Como é possível gerenciar isso e ainda melhorar a qualidade, principalmente dos veículos?
Nossos governos cumpriram o compromisso do passe livre estudantil na Região Metropolitana e no Interior. Assumimos as gratuidades para poder dar condições às empresas de melhorar o sistema. Mas, infelizmente, ainda está a desejar. É preciso mais investimento, principalmente na operação, nos pontos de ônibus, na qualidade do serviço. Avançamos, mas tem que melhorar mais. A cobrança é que, apesar de termos um modelo bom, integrado, temos que avançar mais.

O senhor será candidato ao senado?
Ainda não tomei a decisão sobre o que fazer. Se serei candidato a um cargo eletivo aqui, e para isso vou consultar os membros da base aliada, ou se vou ajudar o PSDB no projeto nacional, na eleição presidencial. Vou tomar essa decisão logo após a minha saída, em abril.

Há uma tendência forte, devido ao problema previdenciário em todos os entes, dessa conta muito pesada subir mais e haver a necessidade de cortes nessa área de investimentos. O governo federal já está fazendo isso. Não sei aqui a situação, mas outros estados estão fazendo o mesmo. O que será necessário fazer para se ter recursos para investimentos?
Se não for feita a reforma da Previdência não vai ter dinheiro nem para a União, nem para os estados realizarem obras de infraestrutura. De 2011 para cá, o déficit previdenciário de Goiás cresceu três vezes. Multiplicou por três. Tínhamos um déficit de R$ 700 milhões e o déficit agora é de R$ 2,1 bilhões.

Isso impede um crescimento maior do investimento?
Você tem que tirar do investimento, de áreas essenciais, para pagar o rombo da previdência. E é um déficit que não depende do estado. Já cobramos alíquota de 14,25% para os servidores. Criamos a previdência complementar, criamos um sistema de previdência centralizado. Tudo o que tínhamos que fazer em relação à previdência, fizemos. Mas as decisões que são tomadas no Congresso Nacional são tomadas de forma unilateral, e nós temos que cumprir. Questão como idade mínima, aposentadoria especial, teto de salários, é tudo decidido lá, e nós temos que cumprir aqui. Se não for mudado, se não mudarem as regras, os estados não vão suportar esse peso da previdência.

Tem alternativa?
Não há alternativa. Todas as medidas de austeridade que precisavam ser tomadas nós tomamos, inclusive PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do teto. Eu e vários governadores. Agora, a questão da previdência é crucial. Sem reforma da previdência, não temos solução para o país.

26/01/2018 – Agência iNFRA