Em janeiro, completaram-se cinco anos desde que a lei que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (12.587/2012) foi sancionada. Produto de cerca de duas décadas de debates, ela é considerada um avanço por prever, entre outras coisas, responsabilidades dos diferentes entes da Federação e como os municípios podem criar sistemas de transporte acessíveis e que proporcionem mais qualidade de vida nos espaços urbanos. Em linhas gerais, a legislação incentiva a participação social nas decisões sobre o tema, com foco, ainda, na integração entre diferentes modais, sustentabilidade e universalidade no acesso à cidade.
Conforme a diretora-executiva do ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, na sigla em inglês), Clarisse Cunha Linke, a lei 12.587/12 “é referência no que diz respeito à integração do planejamento de transportes com o planejamento urbano”, mas, acima de tudo, “à priorização do pedestre, do ciclista e do usuário de transporte público acima do usuário do veículo motorizado”.
Contudo, nesses cinco anos, o Brasil deu poucos e vagarosos passos rumo à efetivação dos instrumentos previstos nessa política, que deveria, nos primeiros anos de sua vigência, pautar o planejamento da mobilidade nas cidades para os próximos anos.
Planos de mobilidade
Um dos pontos fundamentais da lei é a obrigatoriedade de municípios com mais de 20 mil habitantes elaborarem os próprios planos de mobilidade urbana – instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Esses planos devem ser debatidos com a sociedade, que dirá o que espera, em termos de mobilidade, para o local em que vive, e estar alinhados com os planos diretores.
“Isso é importante porque obriga os municípios a trabalharem com planejamento e discutirem com a sociedade civil organizada o que querem de mobilidade para si e quanto isso vai custar. Isso é uma alternativa importante que também dá mais transparência nessa discussão”, ressalta o presidente da NTU (Associação Nacional de Transportes Urbanos), Otávio Cunha.
Além disso, o planejamento tem de estar alinhado com uma característica importante das cidades: a acelerada expansão de seus territórios e de suas populações. “A atividade das pessoas nas cidades é muito dinâmica, a cidade cresce rapidamente: aparece um núcleo habitacional, uma área comercial que se desenvolve mais, e acaba virando um centro de atração de viagens. A rede de transporte precisa ser revista permanentemente por isso”, reforça Otávio.
Inicialmente, o prazo para os municípios elaborarem os planos terminava em abril de 2015, sob pena de as prefeituras perderem acesso a recursos federais para investimentos em mobilidade urbana.
Mas não deu certo.
A diretora executiva do ITDP conta, a partir de dados obtidos junto ao Ministério das Cidades, que somente 171 prefeituras informaram ao órgão ter concluído seus planos até o fim de 2016. Isso corresponde a 5% das mais de três mil que precisam cumprir a exigência.
Segundo Clarisse Linke, havia recursos disponíveis para execução de obras, como as disponibilizadas pelo PAC e pelo Pacto pela Mobilidade – anunciado no calor das manifestações de junho de 2013 -, mas não havia verba destinada especificamente para o planejamento. E elaborar os planos de mobilidade sai caro: exige, por exemplo, pesquisas de origem e destino, realização de audiências públicas, profissionais multidisciplinares e capacitados.
Então, no fim do ano passado, um novo prazo foi estabelecido: abril de 2018.
Na nova contagem regressiva, a CNM (Confederação Nacional de Municípios) defende que o governo federal precisará apoiar os municípios, principalmente com recursos e capacitação técnica, para que haja condições de adequar sua estrutura e gestão de planejamento a política nacional de mobilidade urbana.
Ocorre que, em razão da crise econômica, a existência dos recursos federais – tanto para planejar quanto para executar obras – se tornou fator incerto. Por isso, na avaliação de Clarisse Linke, será importante a pressão da sociedade civil organizada sobre os gestores municipais.
Tem de mudar… e parece estar mudando
Ainda que a passos lentos, o Brasil está avançando.
Essa é a avaliação da diretora-executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. “A lei, essa reflexão do planejamento e o envolvimento da sociedade civil contribuíram para que a gente consiga avançar numa mudança de paradigma. A gente viu uma mudança de entendimento desses vários atores, então sente que tem um avanço. Devagar, mas tem”, diz ela.
A opinião é compartilhada pelo presidente da NTU. Ele cita, como exemplo, os investimentos realizados na cidade do Rio de Janeiro, que passou a contar com novas alternativas de transporte coletivo, melhorando e agilizando o acesso a diferentes partes da cidade. Na capital fluminense, lembra ele, a decisão foi política e impulsionada pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016.
A mesma análise é feita pelo diretor de Planejamento da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Conrado Grava de Souza. Por atender grandes corredores, realizar viagens rápidas e com segurança, o modal metroferroviário é considerado essencial para uma mobilidade mais eficiente e redução dos congestionamentos nas grandes cidades. “No caso do transporte sobre trilhos, os reflexos da lei ainda não podem ser bem sentidos porque os projetos são normalmente de média e de longa duração. Entretanto percebe-se uma tendência para os tomadores de decisão das cidades este pensamento da integração de todos os modos, de modo que cada um deles atenda a demandas dessas cidades”, analisa. Ainda, para Conrado, a efetiva implementação da lei representará uma melhoria significativa da qualidade de vida nos centros urbanos.
E, embora a crise econômica represente um empecilho para acelerar os resultados concretos do que está, por hora, no papel, o diretor da ANPTrilhos é otimista: “Achamos que vamos encontrar soluções para retomar o crescimento e para que o transporte sobre trilhos esteja mais presente nas grandes cidades nos próximos 20 anos. Isso fará parte do dia a dia dos cidadãos”.
Na esteira do que também pode ser chamado de uma transformação cultural – necessária para se alcançar cidades menos preocupadas com o transporte individual, Clarisse Linke é cada vez mais importante pensar nos investimentos que são realizados (ainda que aquém do que é necessário) de forma integrada e multidisciplinar. Assim, pensar as obras nas cidades de modo que beneficiem quem anda a pé, de bicicleta, no transporte coletivo e, por fim, no carro, como estabelece a 12.587/12.
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