Livro reúne os marcos do sistema ferroviário brasileiro e traz curiosidades sobre as linhas que influenciaram o desenvolvimento e a industrialização do mundo
A maior invenção depois da roda. Para muitos historiadores, essa é a definição do trem. Também poesia em movimento, para alguns artistas. Das locomotivas a vapor, elétricas, a diesel, passando pelas Marias-Fumaças e bondes até o mítico trem-bala, os trilhos dessa invenção de aço ajudam a contar a história de nações, povoados e marcos civilizatórios.
O advento da Revolução Industrial, no século 19, deu-se quando os meios de produção, até então dispersos em pequenas manufaturas, foram concentrados em grandes fábricas, como decorrência do emprego da máquina na produção de mercadorias.
O aumento do volume da produção de mercadorias e a necessidade de transportá-las com rapidez para os mercados consumidores contribuíram para que surgisse a primeira locomotiva em 1814. Por aqui, não demorou muito para que esse então novo meio de transporte se consolidasse. Em 1852, à presença do Imperador D.Pedro II, inaugurou-se a primeira estrada de ferro no Brasil.
Era um trecho de apenas 15 km, ligando o Porto de Mauá até Raiz da Serra, na então Província do Rio de Janeiro. O autor da façanha era o Barão de Mauá, um dos homens mais ricos do Brasil e o maior dos seus empreendedores.
Esses e outros fatos históricos, agora, estão reunidos em um único lugar, algo inédito no país. A história do sistema ferroviário brasileiro e mundial foi revisitada no recém-lançado livro “Trilhos do Brasil”, de autoria do jornalista Antonio de Pádua Gurgel.
A publicação analisa a história do sistema ferroviário brasileiro, o pioneirismo de Mauá, a engenharia ferroviária, as ferrovias elétricas, a criação da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima), a privatização, o momento atual das ferrovias no país e as perspectivas do setor.
A publicação da BB Editora tem o apoio institucional da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária). “A reunião dessas informações é importante para que o setor se conscientize dos caminhos que já foram trilhados e quais deverão ser tomados para quando houver uma retomada do crescimento”, comenta Gurgel, que informou já estar nos preparativos de uma edição estendida, abarcando mais marcos e personagens históricos.
Marco brasileiro
A publicação traz relatos e documentos que atestam que uma nova história começou a ser escrita no setor ferroviário brasileiro após a realização do processo de concessão entre os anos de 1996 e 1998. As empresas privadas que assumiram o controle da operação da malha, além de revitalizar o sistema, cessaram os prejuízos bilionários gerados pela extinta RFFSA. “Durante décadas, as ferrovias foram o principal modo de transporte no Brasil.
Porém, começaram a entrar em declínio nos anos 1970, com a opção do governo, à época, pelo rodoviarismo. A extinta RFFSA gerava um déficit aos cofres de R$ 300 milhões por ano. Em 1996, início da desestatização, o passivo já ultrapassava os R$ 2,2 bilhões”, explica Gurgel.
A publicação detalha que, diante desse cenário de perdas financeiras, a saída foi conceder a operação para a iniciativa privada. Segundo a publicação, somente com as parcelas do arrendamento, concessão e impostos, as concessionárias pagaram para a União mais de R$ 18,8 bilhões de 1997 a 2013, sem contar os indicadores.
“Sob a gestão das empresas privadas, rapidamente os principais indicadores de desempenho das ferrovias saíram do vermelho e passaram a apresentar resultados positivos. O mais emblemático – movimentação de cargas – saltou de 253,3 milhões de toneladas para 452 milhões de toneladas de 1997 a 2013, o que corresponde a um crescimento de 78,5%.”
Mas o Brasil, país de extensão continental, ainda carece de número sufi ciente de estradas de ferro para aumentar a competitividade econômica e diversificar a matriz de transporte.
A partir de dados oficiais, da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) e da própria CNT, a publicação informa que o Brasil abriga uma malha ferroviária muito pequena, com aproximadamente 30 mil quilômetros de extensão.
Mesmo tendo construído sua primeira linha de trens há 160 anos, o país dispõe, hoje, de uma malha bem menor que a observada em países de dimensões parecidas com a sua.
“Os Estados Unidos possuem 22,9 km de infraestrutura ferroviária para cada 1.000 km2 ao passo que o Brasil conta apenas com 3,5 km. O sistema responde hoje por 25% do transporte de cargas no Brasil. Nos Estados Unidos e na Austrália, esse índice sobe para 43%. No Canadá, para 46%. Na Rússia, para 81%. Os dados são do levantamento realizado em 2012 pelo então Ministério dos Transportes.”
Em artigo do livro, o presidente-executivo da ANTF, Gustavo Bambini, reitera que as empresas privadas, além de revitalizarem o sistema, cessaram os prejuízos bilionários gerados pela extinta RFFSA. Ele defende, no entanto, que ainda é preciso fazer mais para aumentar a participação das ferrovias e reduzir a dependência do modal rodoviário. “A luz no horizonte já foi lançada. O governo
federal tem demonstrado que está empenhado, por meio de políticas públicas, em viabilizar a expansão das ferrovias.”
Passageiros
As ferrovias, além de possibilitarem a movimentação de volumes maiúsculos de cargas, revolucionaram o deslocamento de pessoas, segundo o livro “Trilhos do Brasil”. No país, mais de 9 milhões de pessoas trafegam diariamente pelas operadoras dos 16 sistemas implantados em 12 Estados, além do Distrito Federal. Por ano, são 2,6 bilhões de passageiros.
Diariamente, 3.919 composições percorrem 1.028 km que ligam as 491 estações que atendem às 38 linhas em operação.
Como a capacidade média de transporte é de 60 mil passageiros por hora em cada sentido, a ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos) calcula que o sistema metroferroviário brasileiro retira cerca de 1 milhão de carros por dia das ruas das regiões metropolitanas onde há sistemas implantados. Para o presidente da associação, Joubert Flores, as ferrovias têm sido um importante meio para estruturar a circulação urbana que ampara as grandes cidades. “Os trilhos desempenham um papel fundamental e, quando integrados em redes com os demais modos de transporte, contribuem para construir nações mais prósperas e para prover uma vida mais saudável para sua população.”
Nomes dos trens
O livro “Brasil nos Trilhos”, além de reunir fatos históricos, traz curiosidades sobre as nomenclaturas do sistema ferroviário de cada país. “O mineiro está certo quando diz para o filho na estação ferroviária: ‘Segura o trem que a coisa vem’. Trem nada mais é do que um conjunto de coisas. Os utensílios de uma cozinha, a mobília de uma casa, a bagagem de um viajante”, informa a publicação, endossando uma das expressões mais corriqueiras no vocabulário popular brasileiro, especialmente o mineiro.
Gurgel explica que, no Brasil Colonial, muito antes de existir ferrovia, já se falava no “trem” da artilharia. Tanto que, em Portugal, trem continua sendo coisa. E o que anda em ferrovia, lá, tem outro nome – chama-se comboio. “Faz todo sentido. Basta lembrar os velhos filmes de faroeste, em que os colonos seguiam para novas terras, com suas carroças enfileiradas em um comboio. Em sua formação clássica, o trem de ferro tem à frente uma locomotiva, que puxa um comboio de vagões – de carga, de passageiros, ou de ambos. Essa tecnologia é muito mais nova do que os idiomas atuais, e cada país adotou os nomes que pareceram mais adequados. Por isso, as palavras variam tanto, mesmo entre países que falam a mesma língua.”
O velho bonde, que rodou nos trilhos de uma centena de cidades brasileiras, só tem esse nome no Brasil, informa Gurgel.
“Um apelido carioca, segundo dizem, pois, no Rio de Janeiro, os primeiros trilhos urbanos foram instalados por uma companhia por ações. Sendo de origem estrangeira, a empresa divulgou suas ações com o nome de bonds.”
Há outra versão, porém. O apelido teria nascido em Belém (PA), cujo primeiro sistema de transporte urbano sobre trilhos, inaugurado em 1869, foi iniciativa de um norte-americano chamado James Bond (sem relação com o famoso personagem do cinema).
O PDF da reportagem está disponível no link: http://anptrilhos.org.br/wp-content/uploads/2017/01/11-12-2016-RevistaCNT-Historiarevisitada.pdf