Do Ibirapuera, cortejo de 12 bondes seguiu até o largo 13, em Santo Amaro
Há exatos 50 anos, o motorneiro Francisco Lourenço Ferreira se arrumava pela última vez para o trabalho que teve durante quase toda a vida. A postos, Francisco ouviu do prefeito Faria Lima a ordem: “Toca o bonde!”. E assim começou a última viagem desse meio de transporte na cidade de São Paulo.
Os jornais da época contam que Francisco era o condutor de bonde mais antigo da capital paulista. Sua experiência, porém, era cada vez menos útil numa São Paulo que crescia rápido demais para a velocidade dos veículos pesados.
As linhas do meio de transporte, que chegaram a ter 700 km, estavam sendo extintas ano após ano. Os constantes acidentes, panes elétricas, engarrafamentos e os veículos sucateados nas últimas décadas só ajudavam a prejudicar a fama dos bondes.
Pesquisador do tema, o urbanista Ayrton Camargo e Silva credita o fim dos bondes a uma série de políticas públicas tomadas principalmente pelas duas gestões do prefeito Prestes Maia (de 1938 a 1945 e de 1961 a 1965).
O prefeito, afirma Ayrton, defendia o modelo de uma cidade expandida e para a qual o transporte por bondes era custoso e ineficiente demais.
Ele tomou medidas para sufocar aos poucos os bondes. Mas na época a prefeitura ainda não tinha condições de implantar um novo sistema de ônibus —o que deu sobrevida ao meio de transporte.
Quase 20 anos depois, Prestes Maia se elegeu com a proposta de sanear as contas públicas e também acabar com os bondes. O fim do transporte, porém, só ocorreu na gestão seguinte, com Faria Lima.
“Faria Lima tocou no ponto sensível: propor à população a criação do Metrô de SP. Ele acenou com uma promessa moderna para justificar os fins dos bondes”, diz Ayrton.
Para se ter uma ideia, a última viagem de bonde na capital ocorreu menos de um mês antes da fundação do Metrô, em abril de 1968. Mas, de maneira contraditória, os bairros da última linha de bonde só serão ligados ao centro neste ano, com a expansão da linha 5-lilás do Metrô.
A linha 101, que ligava o Instituto Biológico de São Paulo, no Ibirapuera, ao largo 13 de Maio, em Santo Amaro, era a última a resistir à pressão da prefeitura.
Naquela noite de março de 1968, para celebrar o marco, um cortejo de 12 bondes desceria pela última vez as avenidas Ibirapuera, Vereador José Diniz e Adolfo Pinheiro até Santo Amaro.
A prefeitura havia enfeitado os veículos com luzes coloridas, bandeiras do Brasil e do estado de São Paulo. Faixas fixadas nos veículos diziam “A viagem do Adeus” ou “Rendo-me ao progresso, Viva São Paulo”.
Políticos se acotovelaram para entrar no bonde conduzido por Francisco, que era o primeiro do cortejo e onde estava o prefeito Faria Lima. Entre eles, o governador Abreu Sodré, o presidente da Câmara Municipal, além de deputados e vereadores.
Em outro bonde, uma banda tocava marchas e valsas. Pelo caminho, o cortejo foi saudado pelo público que, segundo relatos, chorava.
Em 2018, Ayrton avalia que é possível retomar os bondes em São Paulo, desde que ligados a projetos mais amplos de revitalização urbanística —a exemplo do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) da zona portuária carioca.
“Muitos endereços no corredor da Rangel Pestana e Celso Garcia [zona leste] estão ficando ociosos e é preciso pensar em uma revitalização. Por isso, o bonde pode ser uma modalidade de transporte aliada a esse projeto”, diz.