Empresas também poderão ter concessão estendida e redução de investimentos obrigatórios. Negociação será caso a caso

O governo federal planeja revisar os contratos de concessão na área de infraestrutura devido à queda abrupta de demanda, provocada pelo avanço do novo coronavírus. A revisão será feita caso a caso e pode incluir até reajuste de tarifas cobradas dos usuários.

As conversas já estão adiantadas com as operadoras de aeroportos privados, nos quais o movimento chegou a cair mais de 90% em abril. Concessionárias de rodovias igualmente registraram perdas significativas nas últimas semanas e devem ser contempladas.

A revisão é chamada tecnicamente de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Será permitido aumentar o período de concessão, reduzir a obrigação de investimentos, alterar os valores de outorga e até mesmo subir o valor das tarifas.

Também será possível organizar uma combinação entre essas soluções. Cada contrato será avaliado separadamente pela respectiva agência reguladora.

Em abril, os voos domésticos transportaram 399 mil passageiros, queda de 94% ante igual período do ano passado, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Nas rodovias concedidas à iniciativa privada, o tráfego no mês passado foi 44% inferior a 2019, segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

Segundo a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa, não será permitido ampliar o prazo dos contratos de concessões que estão no fim.

É o caso da Via Dutra, que tem leilão previsto para este ano. O contrato com a CCR, que administra a rodovia, termina em 2021. Para concessões recentes, também não haverá extensão do contrato, porque isso teria pouco impacto para as empresas no curto prazo.

— Cada contrato tem seu elenco para ser avaliado. A gente vai fazer as contas. Cada contrato, cada modal e cada época de uma concessão faz mais sentido usar um parâmetro ou outro — disse ela, acrescentando: — O que a gente não quer é que contratos que estão próximo do vencimento tenham prazo maior.

AGU: força maior

Para permitir a revisão dos contratos, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) reconhece que a queda na receita foi causada por evento de “força maior” ou “caso fortuito”. Ou seja, o prejuízo não faz parte dos riscos assumidos pela iniciativa privada e deve ser compensado pelo governo.

Isso vai desencadear uma onda sem precedentes de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro.

“Entendo que o atual estado de coisas decorrente da pandemia não configura evento cujo risco possa ser considerado comum ou normal ao negócio desempenhado pelos concessionários de infraestrutura de transportes. A situação que o mundo está vivenciando foge claramente a qualquer padrão de normalidade”, diz o parecer da AGU.

Para Claudio Frischtak, da Inter B. Consultoria, é necessário reequilibrar os contratos, porque o choque na demanda causada pelo coronavírus era imprevisível.

— O que não dá é para ter oportunismo de parte a parte. Por isso é preciso ver caso a caso, fazer a conta, e estabelecer qual o componente da queda de demanda que pode se atribuir ao choque da pandemia — disse ele, acrescentando: — Do ponto de vista do consumidor, possivelmente a melhor maneira é estender o contrato de concessão, a não ser que o contrato esteja perto de vencer.

A revisão dos contratos vai resolver o problema das concessionárias no longo prazo. Diante da redução abrupta nas receitas, o governo editou medidas também para reduzir as despesas das empresas, como suspensão do pagamento de outorgas, empréstimos via BNDES e outras obrigações, e aliviar as companhias agora.

As concessionárias de aeroportos privados, por exemplo, conseguiram a postergação para dezembro do pagamento de cerca de R$ 2 bilhões em outorgas devidas para maio, junho e julho.

Até o fim do ano, os técnicos do governo e da Anac vão estudar critérios para medir as perdas financeiras decorrentes da pandemia. A expectativa das empresas é de uma amortização de ao menos 50% do valor das outorgas.

— É um mecanismo eficiente de reequilibrar contratos no curto prazo — afirmou Dyogo Oliveira, presidente da Aneaa, associação das concessionárias de aeroportos.
Cargas em ferrovias

Nas contas de César Borges, presidente da ABCR, as associadas amargam prejuízos mensais de R$ 500 milhões. Os maiores tombos estão nas estradas onde o fluxo de veículos de passeio é maior que o de cargas.

Na rodovia dos Tamoios, principal acesso ao litoral norte de São Paulo, por exemplo, o movimento caiu 60% ante o período pré-pandemia.

— Por isso, os pedidos de reequilíbrio de contratos deverão ser feitos caso a caso — disse ele.

Leonardo Vianna, presidente da CCR, concessionária de estradas relevantes como Dutra, Via Lagos e a Via Rio, além de estar em ativos de aeroportos e trilhos urbanos, defende que o ideal seria um mecanismo para garantir compensações imediatas pela perda de receitas:

— Desta forma as concessionárias teriam um fôlego de caixa para sobreviver.

Menos afetadas, as ferrovias viram uma queda de 7% no primeiro trimestre, segundo a ANTF, a associação de concessionárias do setor. A redução menor que as dos demais modais é explicada pelo fato de que a demanda por grãos e minérios, itens que compõem mais de 80% do transporte sobre trilhos no país, segue elevada na China, principal destino das commodities.

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— O impacto da Covid-19 no setor deve ser sentido com mais força nos próximos meses, com a queda na demanda por itens no mercado doméstico, como combustíveis — projeta Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF, que pede ao governo o adiamento por tempo indeterminado do pagamento das outorgas e arrendamentos devidos em 2020, uma quantia estimada em R$ 500 milhões.

Mais crédito a empresas

Nas concessões de mobilidade urbana (trens, metrôs e VLT do Rio), a queda no fluxo de passageiros chegou a 80% em abril na comparação com o mesmo período de 2019. Para Joubert Flores, presidente do conselho da ANPTrilhos, associação do setor, as perdas chegam a R$ 150 milhões por mês.

Para sobreviver, essas concessionárias estão postergando a amortização de dívidas com bancos e renegociando contratos. Num cenário de avanço da pandemia e retomada ainda incerto da economia, Flores defende novas linhas de crédito às empresas do setor, além de novas fontes de receitas para compensar a perda de receitas com tarifas.

— Outras fontes de financiamento do transporte coletivo poderiam vir de pedágios urbanos ao transporte individual e regras mais simples para a exploração imobiliária no entorno de estações de trens e metrôs.

18/05/2020 – O Globo