Falta de infraestrutura dificulta descarbonização dos transportes no Brasil

21/08/2024 – UOL

O setor de transportes, responsável por cerca de 23% das emissões globais de CO2, é crucial no processo de mitigação das mudanças climáticas. No Brasil, a maior parte dessas emissões vem do transporte rodoviário, que domina 65% da movimentação de cargas e 95% da de passageiros e contribui com 91,4% das emissões de CO2 no setor, de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O Brasil, no entanto, tem um potencial significativo para descarbonizar seu setor de transporte, seja por meio da produção de biocombustíveis, seja pela diversificação dos modais de transporte, aponta Érica Marcos, gerente executiva ambiental da CNT (Confederação Nacional do Transporte). Ela destaca que o país tem uma oportunidade única de investir no transporte ferroviário e aquaviário, ambos com menor emissão de CO2 em comparação ao rodoviário.

Para Andrea Santos, coordenadora do Programa de Engenharia de Transportes (PET/COPPE) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o Brasil tem vantagem em relação a outros países devido à abundância de matérias-primas e resíduos orgânicos que podem ser utilizados na produção de combustíveis renováveis.

“Temos um potencial enorme de produzir biocombustíveis em grande escala, tanto para uso interno quanto para a exportação. O Brasil pode ser referência mundial em descarbonização do setor de transporte”, afirma.
Maiores desafios

Apesar desse potencial, o Brasil enfrenta desafios significativos, como falta de infraestrutura, pesquisa e incentivos públicos. Na avaliação de Erica, a infraestrutura limitada para abastecimento de biometano, por exemplo, desestimula os transportadores a investir em biocombustíveis. O mesmo ocorre com os veículos elétricos, que ainda carecem de pontos de recarga, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

“Somente à medida que os transportadores encontrarem mais opções sustentáveis adequadas efetivamente a cada operação, o país avançará na liderança global da economia verde”, diz a executiva da CNT.

Uma das principais apostas para o setor é a eletrificação da frota. A expectativa é que, até 2035, os veículos elétricos representem 32% da frota automotiva do país, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

“Atualmente, já produzimos no Brasil veículos híbridos com motores elétricos e flex e há pesquisas para usar etanol para alimentar células de combustíveis para veículos elétricos, o que pode abrir ainda mais nosso leque de oportunidades”, diz Henry Joseph Júnior, diretor técnico da associação.

Para os veículos pesados, como caminhões, a principal aposta recai sobre o biometano e o diesel verde. Erica Marcos destaca que o Brasil tem um grande potencial nesse campo, especialmente com a crescente oferta de biocombustíveis a partir de óleos vegetais e gorduras animais.

“Em 2023, mais de 7 milhões de quilogramas de óleos vegetais e gorduras animais foram utilizados para a produção bioenergética. Essa mesma biomassa pode ser utilizada na produção de fontes alternativas, como o diesel verde, que é capaz de descarbonizar a frota de veículos atual sem a necessidade de modificações no sistema de motor”, explica Erica.

Já a aviação, responsável por cerca de 70% das viagens interestaduais no Brasil, busca reduzir suas emissões através do SAF (Combustível Sustentável de Aviação). Esse combustível, produzido a partir de matérias-primas como cana-de-açúcar e eucalipto, pode reduzir as emissões de CO2 em pelo menos 65%, de acordo com a IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos).

“O Brasil tem tudo para ser protagonista na produção mundial de SAF. Preenchemos vários requisitos para isso, a começar pela grande disponibilidade de diferentes matérias-primas. O mercado global precisará do potencial brasileiro, e o Brasil precisa aproveitar esse diferencial”, diz André Tachard, gerente de Sustentabilidade da Embraer.

No entanto, o custo elevado do SAF, que pode ser até quatro vezes maior que o querosene de aviação (QAV), ainda impede sua aplicação em larga escala. “Hoje, a maior parte das aeronaves brasileiras já permitem o uso de até 50% do SAF com outros 50% de QAV convencional. O SAF somente não é utilizado mais, porque ainda não temos produção em larga escala, o que acaba por torná-lo mais caro”, aponta Jurema Monteiro, presidente da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas).

Empresas como a Raízen já estão explorando a possibilidade de produzir SAF no Brasil, sinalizando um futuro promissor para o combustível no país. “Acreditamos que o Brasil tem tudo para ser protagonista em um processo de descarbonização global porque a sua matriz energética e disponibilidade de matérias-primas renováveis são muito diferentes do resto do mundo”, diz Raphael Nascimento, diretor de Novos Negócios de Trading na Raízen.

No setor ferroviário, 72% do transporte de passageiros no Brasil é eletrificado. “Hoje, dos 1.133 quilômetros de trilhos de passageiros que temos no país, 827 quilômetros são eletrificados”, diz Luiz Eduardo Argenton, vice-presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).

Já as locomotivas de carga ainda dependem em grande parte de motores diesel-elétricos – nelas, um grande motor a diesel aciona um gerador que produz eletricidade para impulsionar o movimento.

Davi Barreto, diretor-presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), destaca que o setor está testando alternativas menos poluentes, como o óleo vegetal hidrotratado (HVO) e locomotivas movidas a bateria elétrica, embora nenhuma dessas tecnologias tenha sido implementada em larga escala.

“Um dos grandes desafios do transporte ferroviário de cargas para eletrificar a sua frota é o fator logístico. Hoje, é financeiramente inviável criar pontos de recarregamento das baterias em determinadas regiões do país”, explica Barreto.

O modal aquaviário, embora responsável por uma pequena parte das emissões de CO2, também está se movendo em direção à descarbonização. A Maersk, uma das maiores operadoras logísticas de navegação marítima, tem os três primeiros navios de contêineres habilitados para operar com metanol verde no mundo. No entanto, a infraestrutura portuária brasileira ainda não está preparada para receber esses navios.

Para receber embarcações novas movidas a metanol verde, os portos precisam de um calado mínimo de 17 metros, enquanto o maior complexo portuário da América Latina, o porto de Santos, tem entre 13 e 14 metros.

“Hoje, o Brasil aparece menos competitivo para receber os 25 novos navios que integrarão a frota da Maersk movidas a metanol, quando comparado a outros mercados, justamente por falta de infraestrutura portuária adequada”, ressaltou Danilo Veras, chefe de relações públicas da Maersk na América Latina.

O que pode ser feito

Para especialistas ouvidos por Ecoa, para enfrentar os principais desafios, o Brasil precisa:

Investir na multimodalidade, expandindo as malhas ferroviária e aquaviária. Estima-se que para cada 1% de participação das ferrovias na matriz de transporte, evita-se a emissão de aproximadamente um milhão de toneladas de CO2 por ano;

Investir em pesquisas e expandir os programas que estimulam a produção e o uso de fontes energéticas renováveis, com a comprovação de viabilidade técnica ao setor de transporte;
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Incentivar a aquisição de veículos com tecnologias de baixo carbono, como elétricos ou movidos a biocombustíveis, a partir da redução ou isenção de tributos;

Aprimorar a infraestrutura para que os modais de transporte possam investir em descarbonização, seja com pontos de recargas para veículos elétricos ou com produção nacional de novos biocombustíveis, como biometano, SAF, metanol verde e etanol de segunda geração.

Para Andrea Santos, da UFRJ, o país não deve se concentrar apenas em uma solução para a descarbonização. “Hoje, temos que apostar não apenas em uma alternativa no processo de descarbonização, mas em várias. O que pode fazer com que consumidor possa escolher no futuro qual é a opção mais vantajosa para ele e não ficarmos totalmente dependentes de apenas uma matriz energética”, finaliza.

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