Estudo inédito calcula percentual de pessoas que moram a menos de um quilômetro das conexões com transporte de massa; metrópoles brasileiras estão atrasadas
A maneira como as principais metrópoles se estruturam e crescem é um importante indicativo da sua condição socioeconômica. Na atualidade, as grandes cidades do mundo procuram orientar seus planos de expansão com foco na mobilidade urbana. Contudo essa lógica nem sempre é seguida, especialmente nas chamadas nações em desenvolvimento. Uma prova dessa realidade pode ser extraída do cálculo da proximidade entre os passageiros e o transporte de média e alta capacidade. Em São Paulo, por exemplo, apenas 25% da população tem acesso a pé a uma estação de transporte público na distância de até um quilômetro de casa, ao passo que, em Paris, esse número chega a 100%. Essa é a constatação de uma pesquisa inédita que fez a medição em 26 cidades e suas respectivas regiões metropolitanas em todo o planeta.
No estudo, realizado pelo ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), é utilizado o índice PNT (da sigla em inglês People Near Transport), que considera o número de pessoas que vivem em um raio de até um quilômetro de estações de metrô, trem, BRT e VLT, dividido pelo total da população do município. A cidade com o maior percentual de pessoas localizadas a menos de mil metros das conexões com transporte de massa é Paris, seguida por Barcelona (99%), Madri (92%) e Londres (91%).
No Brasil, além da capital paulista, foram pesquisadas as cidades do Rio de Janeiro, que apresentou cobertura de 47%; Belo Horizonte (28%) e Brasília (17%). Entre as cidades sul-americanas avaliadas, Quito e Buenos Aires registraram 41% e 65%, respectivamente.
Engenheiro do ITDP Brasil, Gabriel Oliveira explica que esses resultados permitem avaliar as condições de acessibilidade ao transporte de massa nas cidades, em comparação com o mundo inteiro. A pesquisa focou nos sistemas de média e alta capacidade por esses atenderem às necessidades de uma quantidade maior de pessoas – de forma mais rápida e com mais qualidade. “Também porque, no entorno desses sistemas, devem estar concentradas as iniciativas de desenvolvimento urbano, concentração de população, oportunidades de emprego, serviços públicos, lazer, postos de saúde e grandes equipamentos como universidades. Esses sistemas compõem a espinha dorsal as cidades, cujo crescimento deveria ser orientado a partir deles”, diz Oliveira.
O engenheiro esclarece que existe de fato uma diferença entre as cidades desenvolvidas e em desenvolvimento. “Mas não se trata de uma comparação maniqueísta (preto ou branco). São contextos diferentes. O fato de o Rio de Janeiro já apresentar 47% de cobertura é interessante. Buenos Aires, com 65%, tem o melhor desempenho entre os emergentes. Alguns fatores devem ser levados em consideração. Por exemplo, quanto maior a densidade demográfica, maior a chance de apresentar mais concentração de pessoas próximas a esses sistemas.”
Regiões metropolitanas
O estudo constatou, em contrapartida, que, principalmente em países desenvolvidos, o processo de espraiamento (expansão) das cidades não tem sido acompanhado pela evolução dos transportes públicos. Na comparação entre o município central e sua região metropolitana, existe uma queda de cerca de 50% na acessibilidade ao transporte. Isso indica que a expansão urbana está ocorrendo com velocidade maior que o necessário investimento em transporte.
“Isso é um fenômeno mundial. Paris é um modelo de cobertura, mas quando analisamos sua região metropolitana, esse índice de proximidade das conexões de transporte público cai pela metade. Em São Paulo, a perda não é considerável em função dos trens e BRTs metropolitanos, mas, nas demais cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, a queda é alta na escala metropolitana”, salienta Oliveira. Na capital fluminense, onde há 47% da população da cidade próxima a sistemas de transporte público de massa, somente 28% dos habitantes da metrópole são cobertos. Em Belo Horizonte, a queda do número de pessoas que vivem próximas às estações é de mais de 50%.
Os dados também mostram que existem mais pessoas vivendo nas regiões metropolitanas do que no município central e, portanto, os moradores do entorno das grandes cidades convivem com uma maior deficiência de acessibilidade ao transporte de massa. “Outra conclusão importante do estudo foi a correlação entre os maiores percentuais de PNT e as cidades com maiores densidades populacionais.”
Caso brasileiro
A demanda por transporte público de qualidade no Brasil é histórica e ainda carece de avanços. O estudo do ITDP constatou que os brasileiros com menor renda têm menos acesso ao transporte de massa. Nas regiões onde os rendimentos das pessoas são superiores a quatro salários mínimos, o PNT é, em média, três vezes superior ao das regiões onde a renda é igual ou inferior a um salário mínimo.
Luis Antonio Lindau, Ph.D. em transporte e diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, afirma que o Brasil realizou investimentos mínimos na expansão de redes de transporte de qualidade nas últimas décadas. “Os protestos de junho de 2013 mostraram o quanto a mobilidade urbana é uma questão urgente. A falta de acesso ao transporte dificulta o desenvolvimento econômico e social, e contribui para aumentar a histórica desigualdade social, tão presente nas cidades brasileiras.”
Segundo Lindau, quanto mais pessoas viverem próximas ao transporte público, melhor será o acesso a tudo que o ambiente urbano tem a oferecer. Nesse sentido, expandir e qualificar o transporte público e promover a integração física, tarifária e operacional dos sistemas de mobilidade metropolitanos são estratégias fundamentais. “Aliado a isso, adensar o entorno das estações e fomentar centros de bairro com usos múltiplos, conjugando oportunidades de trabalho, estudo, moradia e lazer são parte da receita para reduzir as desigualdades sociais no Brasil, transformando as cidades brasileiras em espaços mais justos, equitativos e melhores para se viver.”
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