Este mês uma nova frota de trens começa a circular pelo metrô de Belo Horizonte. Construídos pela espanhola CAF, o contrato com a CBTU faz parte de um pacote de licitações vencidas em anos anteriores e que deve garantir o crescimento de produção e de receita da companhia em 2015. A produção para 2016 também já está garantida, mas a partir de 2017 o cenário muda radicalmente.
Sem nenhum contrato assinado este ano, a empresa vive de encomendas da época em que o país crescia. E se o cenário econômico interno por si só já é preocupante, as importações chinesas e as investigações sobre formação de cartel jogam mais pressão sobre a empresa e o setor ferroviário para passageiros.
A fábrica da CAF em Hortolândia, interior de São Paulo, deve produzir este ano 178 carros – cada trem é formado por até oito carros – contra 129 em 2014. Os pedidos em carteira garantem volume semelhante em 2016, mas isso é menos da metade da capacidade de produção de 500 carros por ano. Inaugurada em março de 2010, a fábrica produziu 495 carros da abertura até dezembro de 2011. Nos anos seguintes a produção anual ficou entre 120 e 150 unidades. Nos melhores momentos, só a fábrica empregou 1,2 mil trabalhadores. Hoje, o grupo tem 1,2 mil funcionários no país todo, sendo 600
na fábrica. Mas este número já está diminuindo.
“A partir de algum momento em 2016 teremos de fazer ajustes [mais fortes] no nosso processo”, diz Renato Meirelles, presidente. “Projetos não faltam, falta arcabouço jurídico e financiamento”, completa o engenheiro civil, no cargo desde janeiro de 2014, vindo da também espanhola Abengoa.
Meirelles teme que o setor volte a desaparecer, como praticamente aconteceu na década de 90. Ele vê três entraves aos fabricantes neste momento: a instabilidade política do governo federal, que afeta os outros níveis de governo e os investimentos em infraestrutura, incluindo os de mobilidade urbana; a concorrência “desleal” dos chineses, “isentos de impostos e do risco cambial”; e as investigações no Cade e no Ministério Público sobre formação de cartel.
“Não faria falta ao governo repassar a operação dos trens para a iniciativa privada”, afirma o presidente Quanto à instabilidade política e os efeitos sobre os investimentos, Meirelles diz que fica na torcida para que não comprometa 2016, realidade cada vez mais distante a esta altura de 2015. Existem hoje quatro potenciais negócios no mercado, mas todos considerados pequenos e a expectativa é que só dois editais sejam lançados. Entre os possíveis negócios estão a ampliação do metrô de Brasília (10 trens de quatro carros), a Linha 13 da CPTM em São Paulo (oito trens de oito carros), e os VLTs de Salvador (12 trens de sete carros) e de Maceió (18 trens de sete carros).
“O ideal é a menor presença possível do Estado na economia. Não faria falta ao governo repassar a operação dos trens para a iniciativa privada. Mas não é essa nossa realidade”, afirma Meirelles. Ele destaca que existem formas de abrir o setor à iniciativa privada, como o modelo de Parceria Público-Privada (PPP). A Linha 6 do metrô paulista é um exemplo.
Outro “bom exemplo” é a PPP entre o governo de São Paulo e a CAF para operar os 36 trens que trafegam na Linha 8 da capital paulista. A CAF construiu os trens e vai operar a frota durante 20 anos, em um investimento de R$ 1 bilhão com 80% de financiamento do BNDES. A empresa recebe um pagamento mensal e mantém 140 funcionários e uma oficina para manutenção. Ao fim do contrato os trens vão pertencer à CPTM.
Mesmo que o cenário interno melhore, o executivo vê uma ameaça concreta do exterior. Meirelles crítica o que chama de falta de equidade com o fabricante chinês. “Temos uma desvantagem de 15% a 16% com os chineses por conta do Imposto de Importação [II] e do custo de hedge”, afirma. O governo federal e a maioria dos Estados aplica uma margem de preferência de 20% para os fabricantes nacionais, mas essa medida não é obrigatória. O Rio de Janeiro optou por não aplicar o índice e compra trens chineses desde 2009.
A conta do presidente da CAF parte do fato de o trem pronto não pagar II, já os 40% de peças e partes ainda importados pelo fabricante nacional recolhem 14% de imposto. Outro custo extra é cambial. Os chineses podem apresentar suas propostas em três moedas (yuan, dólar ou real), já a indústria nacional só pode usar o real como referência, arcando com o risco do câmbio. “O Estado assume o risco cambial com os chineses”, afirma. “Não queremos proteção, queremos equidade. Cada trem gera 63 empregos diretos e 175 indiretos. E estamos falando de um produto que tem de durar 30
anos, com fornecimento de peças e manutenção. Em condições iguais, somos muito competitivos.”
A receita líquida da CAF em 2014 foi de R$ 747 milhões (incluindo R$ 196 milhões da PPP em São Paulo), queda de 28,9% em relação ao R$ 1,05 bilhão o ano anterior (quando a PPP gerou R$ 195,4 milhões). A expectativa é que a receita volte a crescer este ano e os primeiros trens de um total de 35 unidades vendidos à CPTM já substituíram os carros enviados a Belo Horizonte na linha de produção em Hortolândia.