Em nova fase, Alstom ganha com real desvalorizado

A forte desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses já surtiu efeitos nos negócios da francesa Alstom no Brasil. No momento em que o grupo conclui a transferências dos ativos de energia para a GE e foca sua atuação no transporte ferroviário de passageiros, o câmbio deve ajudar a companhia a enfrentar a escassez de projetos de mobilidade urbana no país. O novo patamar de câmbio ajudou a companhia a fechar encomendas no exterior – como para a Argentina – e ganhar competitividade frente as importações, principalmente da China.

A transferência dos ativos de energia, fechado ontem, marca o início de uma nova fase para a empresa, que passa a operar no transporte urbano. A expectativa é de que a operação com a GE, no valor de € 12 bilhões, ajude a francesa a apresentar um balanço mais limpo, sem dívidas.

Em entrevista exclusiva ao Valor, Michel Boccaccio, que a partir de hoje adiciona às suas responsabilidades como vice-presidente sênior da América Latina o posto de presidente no Brasil, disse manter o otimismo frente à crise que define como “política, econômica e moral”. A empresa investiu R$ 50 milhões numa fábrica de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), em Taubaté, interior paulista, inaugurada em março. No momento a operação está voltada ao atendimento de uma fatia da encomenda feita pelo Rio de Janeiro para o consórcio VLT Carioca. O contrato é parte do projeto Porto Maravilha, para modernizar a área portuária da cidade.

A companhia reconhece que, diante da crise, o cenário tornou-se mais desafiador, mas o executivo ponderou que o investimento na nova fábrica foi feito pensando no longo prazo. Boccaccio avalia que a demanda por projetos de infraestrutura e, especialmente mobilidade urbana, existe, a grande questão é a obtenção do financiamento. “Essa equação [viabilizar o financiamento] é que está difícil”.

O investimento na capacidade industrial, explicou Boccaccio, obedece a estratégia de organizar os negócios por regiões.

Assim, as fábricas brasileiras devem atender a demanda da América Latina. Nessa tarefa, o câmbio aparece como aliado.

O fortalecimento da moeda americana tem acelerado também o processo de nacionalização de componentes. Enquanto na fábrica da Lapa, onde se produz trens para metrô, a Alstom trabalha com índice de nacionalização de 60%, com vistas a chegar a 75%, na operação de Taubaté a empresa tem um compromisso firmado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para aumentar gradualmente a parcela de componentes nacionais na fabricação.

A previsão, segundo Boccaccio, é que o primeiro VLT saia de Taubaté até metade de dezembro e que a encomenda do Rio de Janeiro seja finalizada até a segunda metade do próximo ano. Para ocupar a operação, capaz de produzir de sete a oito trens por mês, a empresa trabalha com a expectativa de que seja viabilizado o financiamento do projeto de Goiânia, conquistado pela Odebrecht. A Alstom tem um contrato com a empreiteira para atendimento do projeto. A empresa aposta em um segmento que acredita tem potencial de crescimento no Brasil e América Latina.

Por ora, disse Boccaccio, cidades como Salvador, Manaus e Campinas, estão realizando estudos. “O projeto do Rio de Janeiro deve ser um divisor de águas”. A Alstom estuda, inclusive, entrar em novas oportunidades no segmento de VLT não apenas como fornecedor mas também como operador. A expectativa é de que países como Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia e Equador também invistam no segmento.

A fábrica de trens para metrôs, sediada na Lapa, capital paulista, por sua vez, está ocupada com a produção da encomenda de 400 trens de oito carros para a África do Sul. A empresa ainda ganhou em setembro contrato de fornecimento de novas composições para rodar na rede do Rio de Janeiro operada pela SuperVia e vai fornecer material rodante para a Linha 6 de São Paulo.

Quanto às denúncias investigadas pelo Cade e Ministério Público sobre formação de cartel no fornecimento de trens para vários Estados, o presidente da Alstom disse que a empresa colabora com as investigações e aguarda os desdobramentos do caso.

03/11/2015 – Valor Econômico