Demanda fraca por imóvel tira fôlego de PPP no Porto do Rio

O desaquecimento do mercado imobiliário carioca está asfixiando financeiramente a segunda maior parceria público- privada (PPP) do país. Com um valor estimado em contrato de R$ 8,3 bilhões, a reurbanização e a prestação de serviços públicos numa área de 5 milhões de metros quadrados na Região Portuária do Rio de Janeiro está prevista numa PPP firmada em 2010 entre a Prefeitura e a Concessionária Porto Novo.

Os recursos para custear a revitalização urbana e os serviços de manutenção, controle de tráfego e limpeza viriam do Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FII-PM), abastecido com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e gerido pela Caixa Econômica Federal. O problema é que em 13 de maio de 2016 a Caixa comunicou à Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp) – gestora da prefeitura dentro da PPP – a “iliquidez” do fundo. A falta de liquidez é recorrente: já havia ocorrido em 2014, tendo sido sanada via um aporte da Caixa.

Uma fonte que participou de uma das reuniões conta que representantes da Caixa têm conversado com “players” do mercado imobiliário para rever os rumos do Porto Maravilha. A reavaliação passa por estudos de viabilidade financeira para obras paralisadas e por pesquisas de mercado para determinar se há demanda pelos projetos ainda não iniciados. Por meio da assessoria de imprensa, a Caixa informou que o FII-PM “mantém agendas constantes com agentes de mercado, incorporadoras, proprietários de imóveis e/ou interessados na transformação e na ocupação da região.”

O mais recente informe mensal do FII-PM mostra que, no fim de maio, o fundo possuía R$ 10,55 bilhões em ativos. Só que desse total, mais de 80% (R$ 8,61bilhões) são Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), títulos emitidos pela Prefeitura para custear as obras. Os papéis foram todos adquiridos em 2011 pelo fundo de investimento. Na época, o FII-PM pagou R$ 3,5 bilhões pelos Cepacs (R$ 545 por título) e ficou encarregado de revendê-los a interessadas em construir na região. Cada papel equivale a um total de metros quadrados a ser construídos pelos empreendedores.

Desde então, os títulos mais que triplicaram de preço, chegando ao fim de 2015 cotados a R$ 1.706,03 apesar de a demanda ter despencado. Em 2015, não houve leilões dos títulos e apenas 38 papéis foram vendidos. No ano passado, também não foram comercializados Cepacs e, mesmo assim, os títulos valorizaram 7,10%. Procurada para explicar a alta no preço dos papéis mesmo diante da fraca demanda, a Caixa informou que o Cepac não é um título marcado a mercado, não havendo valor de face determinado. “O preço atual de venda do Cepac é uma função de fatores diversos, em especial, do produto objeto da vinculação, do prazo e condições de desenvolvimento, da região na qual se localiza o projeto e das condições de pagamento propostas”, disse o banco.

As variações no preço do Cepac influem diretamente sobre o patrimônio líquido do fundo, que ao fim de maio era positivo em R$ 5,83 bilhões. Como administrador, a Caixa recebe por seus serviços o valor referente a 1% ao ano sobre o

patrimônio líquido do FII-PM, conforme indica o regulamento do fundo. A cobrança da taxa de administração como percentual do patrimônio líquido funcionaria, portanto, como estímulo para a Caixa ajustar para cima o preço dos Cepacs, diz uma fonte familiarizada com a PPP. A Caixa afirma que, como os demais fundos de investimento imobiliário, o FII-PM possui regras estipuladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com critérios contábeis aplicáveis a seus ativos e passivos. “De forma a ter transparência e independência, o FII-PM realiza avaliação anual do valor dos seus ativos, tanto os ativos imobiliários em implantação, quanto os Cepacs, por meio de avaliador independente”, afirmou a assessoria de imprensa da Caixa.

“Na tentativa de maximizar o investimento, a Caixa trocou Cepacs por cerca de R$ 1 bilhão participações em empreendimentos [do Porto Maravilha] em vez de vendê-los”, explica a fonte. O informe mais recente, de maio, indica que o fundo tinha entre seus ativos R$ 985,6 milhões em “direitos reais sobre bens imóveis”. Desse montante, quase três quartos (72,78%) se referem a direitos sobre imóveis em construção, seja para venda ou aluguel. “Eles [Caixa] fizeram gestão errada dos recursos”, diz Antonio Carlos Mendes Barbosa, presidente da Cdurp.

A desaceleração no desenvolvimento dos projetos previstos para a área do Porto Maravilha é consequência direta não só do esfriamento do mercado imobiliário, mas das dificuldades financeiras enfrentadas pelo Estado do Rio. “O projeto do Porto Maravilha foi dimensionado numa época de expectativa extremamente otimista”, recorda Marina Cury, presidente no Brasil da consultoria global Newmark Grubb. Na época, estudos indicavam que o valor do aluguel por metro quadrado para imóveis de altíssimo padrão na região ficaria em torno de R$ 140, lembra a executiva. Hoje, o valor fechado para locação oscila entre R$ 90 e R$ 110 por metro quadrado.

A escassez de recursos deu início a uma queda de braço jurídica entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Concessionária Porto Novo que pode paralisar a parceria público-privada, a segunda maior entre as 101 já assinadas no país, de acordo com ranking da consultoria Radar PPP elaborado a partir dos valores estimados em contrato. “Existe esse risco [de paralisação]? Sim”, admite o presidente Barbosa, da Cdurp. “Mas não acredito que vá acontecer”. Pelo contrato assinado em 2010, a Concessionária Porto Novo – que tem como acionistas OAS, Odebrecht Infraestrutura e Carioca Engenharia – seria remunerada com recursos oriundos do FII-PM.

Sem receber repasses desde janeiro, por causa da falta de liquidez do FII-PM, a concessionária cobra na Justiça R$ 68,69 milhões da Cdurp. A companhia, por sua vez, afirma que a responsabilidade pelos pagamentos mensais à concessionária cabe, por contrato, à Caixa. Por e-mail, a assessoria de imprensa destacou que os pagamentos do FII-PM estão condicionados – entre outros fatores – “à disponibilidade de terrenos em situação que possibilite seu desenvolvimento imobiliário e sejam capazes de consumir grande parte do estoque [de Cepacs] ofertado”. Até abril de 2016, quando ocorreu a última movimentação, apenas 8,74% dos Cepacs haviam sido vinculados a projetos imobiliários.

Atualmente em torno de R$ 90 milhões, a dívida com a Porto Novo levou à paralisação dos serviços executados pela concessionária, assumidos temporariamente pela Prefeitura. “Se uma concessionária de PPP enfrenta dificuldades para cumprir suas obrigações e prestar os serviços contratados, o poder concedente pode, cumpridas todas as formalidades legais e tentativas de solução menos litigiosas, iniciar um processo administrativo tendo em vista a extinção do contrato de PPP”, diz Bruno Pereira, sócio da Radar PPP.

10/07/2017 – Valor Econômico