Enquanto não se podia imaginar que uma pandemia mudaria os rumos do mundo durante este ano, os sistemas de transporte também não previa as contas em vermelho como um ingrato passageiro para o próximo ano. Em pesquisa inédita feita pela Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) mostra que o prejuízo do Rio de Janeiro aquém do esperado no quarto trimestre — ainda com dias pela frente. De março a novembro, os sistemas metroferroviários registram um déficit de receita tarifária de R$ 1,2 bilhão.
A tendência é de recuperação no sistema metroviário no Rio tal qual no restante do país, mas tem mostrado uma mudança mais lenta, apesar das flexibilizações e das novas medidas, que não voltaram, por exemplo, a restringir o comércio. Entre os 10 estados que têm transportes sobre trilhos e foram avaliados, o fluminense é o terceiro com menor índice de recuperação da demanda de passageiros do país, com 53%, à frente apenas de Minas Gerais, com 45%, e Alagoas, com 40%, no balanço anual. Nos primeiros meses de pandemia, a ANPTrilhos previa recuperação até o fim de 2021. Agora, o caminho foi ainda mais longo e deve demorar até três anos para voltar aos eixos.
— Quando começou a retomada, imaginávamos que só iríamos retornar ao nível pré-pandemia no final de 2021. Agora, em função de termos uma outra onda, digamos assim, a gente não acredita que vá voltar àquela situação em menos de três anos. Tem decisões que eram temporárias que vâo acabar sendo definitivas. Quantas pessoas começaram a trabalhar de casa e vão voltar a trabalhar no escritório? Uma parcela grande não vai voltar. Então hoje tem uma realidade diferente — observa o presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores.
Nacionalmente, o impacto financeiro da pandemia apenas na arrecadação de bilheteria entre março e novembro deste ano foi de perda de R$ 7,3 bilhões, com projeção de chegar a R$ 8 bilhões até o fim do ano. A expectativa é de que o último mês, tradicional pelo comércio aquecido e pelas festas, não dê passagem para prejuízos tão altos. No Rio de Janeiro, os sistemas metroferroviários registram um déficit de receita tarifária de R$ 1,2 bilhão, de março a novembro. A expectativa da ANPTrilhos é de que os sistemas cariocas encerrem este ano com déficit de receita tarifária de R$ 1,3 bilhão.
A associação espera para este mês que a demanda de passageiros possa atingir o patamar de 10% de crescimento, 2% a mais do que a média dos meses anteriores. Porém, ainda vê um cenário aquém da expectativa.
Flores destaca que o comportamento da pandemia em cada lugar tem impactado de forma diferente no ritmo de recuperação. Uma medida anunciada recentemente pela prefeitura do Rio, e tida como positiva mesmo para ser repetida futuramente, é o escalonamento de horários, em que segmentos começam e encerram suas atividades em momentos distintos. A medida foi novamente adotada pela prefeitura da capital a fim de evitar aglomeração nos transportes.
— O escalonamento não é ruim. Pelo contrário, numa situação normal, se tirasse a coincidência de horário seria melhor, porque não teria todo mundo querendo viajar no mesmo horário e depois no meio do dia ficar vazio. Se pudesse fazer a coisa mais flat, as pessoas fariam horários diferentes, iam viajar com mais conforto — salientou Flores. — As linhas são pendulares. Elas são cheias num sentido de manhã e cheias num outro sentido à tarde.
A projeção é de que o Rio feche este quarto trimestre com uma queda de 51,9% na demanda de passageiros se comparado ao mesmo período no ano passado. É uma redução acima da média nacional, esperada para 45,4%, e quando comparada a São Paulo, com 44,9%, ou do conjunto do Nordeste, com 42,8%. Para Flores, a volta de segmentos como bares, restaurantes e hotéis ajuda a aliviar as contas negativas, mas tem uma retomada mais lenta por se ancorar em serviços.
— O Rio é um lugar que particularmente não tem indústria e depende muito mais do setor de serviço, que tem uma recuperação mais lenta. A recuperação como um todo depende muito de volta ao trabalho. Hoje tem muito mais gente trabalhando de casa, aumentou o número de desemprego, e a consequência é a recuperação mais lenta e a tendência que continue para o próximo ano — disse.
A ANPTrilhos tem projeção, ao comparar 2020 com 2019, a perda de 372 milhões de passageiros apenas no 4º trimestre, com a perspectiva de perda total no ano de cerca de 1,9 bilhão de passageiros. A esperança para aliviar as contas era a aprovação do Projeto de Lei (PL) que previa a distribuição de auxílio de R$ 4 bilhões para empresas de transporte público do país. O PL 3364/20 foi proposto pelo deputado Fabio Schiochet (PSL-SC) em junho, aprovado pelo Senado em novembro e aguardava apenas a sanção do Governo Federal, mas acabou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão foi tida com surpresa e decepção por Flores. A associação ainda tenta uma solução.
— Conversamos de novo com o Ministério da Economia, temos um manifesto com vários atores importantes mostrando a indignação que causou isso no setor — diz. — A gente está tentando demonstrar, principalmente para o governo, que não é uma situação que pode ser absorvida. Se não quer degradar esse serviço, precisa passar esse período com algum recurso.
16/12/2020 – O Globo