10.10.2016 - São Paulo/SP/Brasil Renato de S. Meirelles, presidente da CAF Brasil. Fotografia: ©Cacalos Garrastazu_2016

Por Renato de Souza Meirelles

Anos eleitorais nos convidam a refletir sobre o país que queremos e os desafios que teremos pela frente. São diversos os obstáculos a serem transpostos, estejam eles centrados no campo político ou no econômico. Este 2018 reúne uma conjuntura ímpar em nossa história, em que a sociedade brasileira está mais consciente do quanto as decisões tomadas nas urnas pautarão os sucessos e mudanças que almejamos para o amanhã. Se por um lado avizinhamos um momento de esplendor democrático, em melhores condições de envolvimento e compreensão política, também devemos estar conscientes das responsabilidades decorrentes.

Faz-se mister aproveitar o ensejo para trazer ao debate público a importância do planejamento de longo prazo, da previsibilidade, da segurança jurídica, das garantias e das alternativas de financiamento para que os investimentos públicos e privados em infraestruturas voltem, e o Brasil retome o prumo do crescimento. São conceitos essenciais da atividade econômica, e ainda mais pertinentes quando o assunto é mobilidade, urbana ou interurbana. Segmento em que a qualidade da gestão, a diversidade de oferta, a integração de modais, a maior cobertura geográfica, a prioridade ao transporte público em detrimento do privado, fazem toda a diferença, e no qual a capacidade de tomar decisões e vislumbrar cenários para as próximas décadas é determinante para uma sociedade avançar ou ficar estagnada.

É preciso reconhecer que estamos atrasados nesse quesito. Mobilidade é questão de Estado e exige visão de longo prazo. Infelizmente, o que predomina é o imediatismo, o “curto-prazismo”. É hora de mudar!

O Brasil não se preparou para deixar de ser um país essencialmente rural e se tornar uma nação majoritariamente urbana em apenas 30 anos, resultando em caótica “imobilidade” urbana. De 1950 a 1980, nada menos que um quinto da população nacional migrou do campo para as cidades, um êxodo como poucos na história da humanidade. Se, na metade do século 20, havia dois habitantes de áreas rurais para cada morador urbano, na década de 80 essa relação se inverteu e continuou a crescer. Hoje, cerca de 90% dos 210 milhões de brasileiros vivem em cidades.

São quase 180 milhões a enfrentar os impactos de seus deslocamentos diários. Em 2017, parcos 10 milhões de passageiros foram transportados diariamente pela ainda diminuta rede metroferroviária de nosso País. Para os próximos cinco anos, estão previstos meros 20 novos projetos ou extensões, em apenas sete estados e no Distrito Federal, claramente insuficientes ao atendimento da crescente demanda por transporte público.

Faltam trilhos no caminho dos brasileiros. O déficit fica evidente quando comparamos, por exemplo, São Paulo a Madri. Enquanto o metrô da capital paulista soma 90,5 quilômetros em operação para atender a mais de 12 milhões de habitantes, os três milhões de moradores da capital espanhola têm à disposição uma rede de 294 quilômetros. Os madrilenos estão dez vezes mais bem atendidos que os paulistanos, em quilômetros de metrôs por habitantes.

Agrava esse quadro o fato de que, ao mesmo tempo que se urbanizou rápida e desordenadamente, o país virou as costas à malha ferroviária, ampliando, indiscriminadamente, o transporte rodoviário, em vez de tratar os modais de forma complementar, hierarquizada, e não concorrente. Resultado: se até a década de 70 cerca de 80% dos deslocamentos interurbanos de passageiros nas regiões Sul e Sudeste se deram sobre trilhos, hoje a quase totalidade dessas viagens é feita sobre pneus e, em alguns casos, em estradas que logo estarão tão congestionadas quanto as vias das grandes cidades. Na próxima década, a ligação rodoviária entre São Paulo e Campinas terá o mesmo volume de veículos que uma avenida urbana, elanguescendo tanto o transporte de passageiros quanto o de cargas.
Trilhos, uma agenda nacional

É urgente ao Brasil dar a devida importância ao setor metroferroviário e travar esse debate para além do nível municipal. Trata-se de um tema nacional, de pauta obrigatória dos pretendentes à Presidência da República, às governadorias de estado e dos atuais prefeitos, que devem alçar os trilhos ao patamar de vetores do crescimento do País, dos estados e das metrópoles.

Com visão e liderança, é possível enfrentar, de vez e de fato, o déficit metroferroviário na matriz das mobilidades urbana e interurbana. Dependemos de uma verdadeira mudança de atitude dos governantes, que perderam – e devem recuperar o quanto antes possível – a capacidade de implementar políticas públicas. É o que na língua inglesa marca a diferença entre politics – o jogo de disputa de poder, dentro das regras democráticas – e policies – os programas e projetos do poder público capazes de promover o bem-estar das pessoas e o desenvolvimento socioeconômico.

Imprescindível se faz a presença do setor privado no enfrentamento do trilionário déficit de infraestruturas. Urgem ações concretas para sua atração a ambientes seguros, estáveis e previsíveis. O papel do Estado é criar as devidas e necessárias condições de atratividade desses investimentos.

Em síntese, devemos incessantemente buscar, aprovar, implantar e manter atualizados planos consistentes e efetivos que atendam às necessidades da população por um eficiente sistema de mobilidade, demanda aflorada e alardeada nas manifestações de junho de 2013, que ainda persistem. O Plano deve contemplar, além do quanto anteriormente exposto, entre outros:

• Planejamento Integrado da Mobilidade e Planos Diretores, de longo prazo, sustentável e atendendo às particularidades locais, latu sensu, e projeções futuras dos deslocamentos;

• Compromisso de Estado, e não de Governos, visto que suas implantações transcendem os tempos dos mandatos eletivos;

• Reorganização da Malha, abrangendo todos os modais de forma integrada, hierarquizada, troncalizada e complementar, respeitando as tendências de demanda expansionistas das manchas urbanas e interurbanas;

• Autoridade Metropolitana, capacitada a liderar esse planejamento, aglutinando partes interessadas e/ou impactadas, avaliando e autorizando a viabilidade técnico-econômico-financeira dos novos projetos sob a perspectiva dos impactos no sistema de transportes, contemplando, ainda, um sistema unificado de cobrança e gestão tarifária;

• Modelos Econômicos mais modernos que permitam, inclusive, financiamentos via mercado de valores, Project Finance (non-recourse), fundos (ou outros instrumentos) de proteção a variações cambiais, subsídios tarifários, arcabouço jurídico, seguros e garantias;

• Valoração das Externalidades oriundas da redução do tráfego, seus benefícios sociais, ambientais e de saúde pública, valorizações imobiliárias, e consequentes modelos de crescimento financeiro, para tornar explícitos os custos evitados dos malefícios advindos da desordenada “imobilidade”;

• Aceleração e Conclusão dos Contratos em Curso por fazerem parte de um plano de Estado, de longo prazo, portanto imunes aos caprichos de governos;

• Capacitação dos Órgãos Públicos, com fortalecimento e requalificação das Agências Reguladoras para lidarem com o novo cenário, almejando melhor convivência com os sócios/concessionários privados, perseguindo a excelência na gestão de projetos complexos e de longo prazo;

• Investimento em Segurança Pública e em ambientes coletivos urbanizados e bem cuidados como fator de incentivo ao uso do transporte público;

• Tarifas Integradas nas Regiões Metropolitanas, visto que ações isoladas prejudicam o todo, com impactos, entre outros, no número de usuários.

É hora de recolocar os trilhos no seu devido patamar de importância. Precisamos destravar as cidades e ofertar soluções ao transporte rodoviário interurbano. O Brasil, por seu porte geográfico e populacional, pelo déficit nas infraestruturas, sob o manto de mesmo idioma, leis e planos, é, indubitavelmente, a próxima fronteira metroferroviária global. Cabe a todos arregaçarmos as mangas e colocarmos os “trens nos trilhos” para que estes conectem as pessoas; estas, a seus destinos; e a nós, brasileiros, a um futuro melhor!

Renato de Souza Meirelles,  Presidente da CAF, é engenheiro civil, com especializações em administração e economia, Construcciones y Auxiliares de Ferrocarriles, no Brasil

Artigo publicado no livro “Mobilidade Urbana sobre Trilhos na Ótica dos Grandes Formadores de Opinião”, planejado e publicado pela ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos.

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